AS VOZES DAS MARGENS

O documentário “Pelas Margens: vozes femininas na literatura periférica” produzido por Jéssica Balbino, escritora e jornalista, parte de histórias reais e busca apresentar, por meio de entrevistas, o perfil das mulheres que estão construindo uma nova forma de escrever literatura, campo esse reservado, por longo tempo, a escritores homens e brancos.

Com duração de 66 min, visualizamos nos discursos dessas mulheres o desejo e o desafio de fazer poesia com temáticas não recorrentes no universo literário. Suas poesias ou narrativas abrangem o ser mulher, expressão livre dos desejos, suas lutas, revoltas e conquistas. Nota-se que as entrevistadas se sentem à vontade para expor suas escrituras, não há um roteiro a ser seguido, tornando a entrevista como se fosse uma conversa entre o entrevistado e o entrevistador. Inicialmente, verifica-se no documentário a inter-relação das linguagens visuais, corporais, verbais, musicais; características relevantes do gênero resenhado.

Não há sobreposição de uma sobre a outra. As vozes dessas mulheres, entrelaçadas com suas imagens em diferentes espaços, vão se intercalado com a trilha sonora, que por sinal, parece não ter sido escolhida aleatoriamente. Ela potencializa o que estar sendo dito, e até mesmo o não dito pelas entrevistadas.

Com relação ao enquadramento das imagens, a câmera não fica estática, ela vai se movimentando pelo espaço escolhido para realização da entrevista, enquanto as interlocutoras se expressas, a câmera não foca somente nelas, mas capta as imagens ao seu redor. Essa técnica leva a pensar em outra característica do documentário, tão bem trabalhada pela cineasta, a transição por espaços diferentes, técnica que não fere o sentido e potencializa a narratividade. Esse procedimento pode ser visto no documentário, quando a jornalista realiza as entrevistas no centro Cultural São Paulo mesclando com cenas coletadas nos slams literários e nos saraus da cooperifa.

No que tange a linguagem, ela segue o contexto social de cada mulher entrevistada, essa técnica, por sinal, não prejudica a compreensão da narrativa fílmica. Em suma, a entrevistadora soube conduzir com propriedade as entrevistas, uma vez que não houve roubo de turnos, bem como juízo de valor sobre as vozes das entrevistadas e a visão de mundo de cada uma delas. A dinâmica da cineasta ao trabalhar a linguagem audiovisual partindo de um tema real cumpriu seu intento: fazer com que as vozes dessas mulheres fossem ouvidas, entendidas e respeitadas. Logo, não tem como ficamos indiferentes a temática abordada depois de assistir esse documentário, isso se dá por meio da dinâmica usada pela jornalista Jéssica, que soube, com maestria, articular seus conhecimentos sobre o gênero analisado com temáticas tão recorrentes em seus escritos.

A jornalista declarou, em uma de suas entrevistas, que o documentário foi usado na sua apresentação de mestrado, substituindo a apresentação da tese, fato esse que comprova a relevância do produto cultural, mostrando a estrapolação de esferas, ou seja, além de circular em mídias digitais, circula nos ambientes acadêmicos, bem como na periferia, uma vez que foi exposto para os moradores da favela. O produto cultural em análise, constitui ,de fato, um excelente recurso didático, uma vez que ,por meio da linguagem audiovisual e os recursos persuasivos, constrói, mobiliza e potencializa a expansão do conhecimento.

Sendo assim, seu uso em sala de aula, servirá não só para que o alunado tome conhecimentos dessas escrituras feitas por mulheres, mas também desenvolva a criticidade, contribuindo, assim, para proliferar as vozes dessas mulheres e de todos aqueles que de alguma forma foram silenciados. Por comportar características tão diversas, e partir de temáticas de cunho social, pode ser usado por profissionais de diferentes áreas, principalmente para aqueles que queiram incorporar nas suas práticas os temas transversais.

Rita Queiróz
Enviado por Rita Queiróz em 01/06/2022
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