O "18 Brumário de Luís Bonaparte" e a importância da descrição e da interpretação no trabalho científico

Uma obra repleta de detalhes, com relatos, descrições e interpretações as mais diversas é “O 18 Brumário de Luís Bonaparte”. Nele o leitor encontrará a análise que o filósofo alemão Karl Marx faz sobre os acontecimentos ocorridos entre os anos de 1848 e 1851 na França. Em fevereiro de 1848 ocorreu a Revolução Francesa, também chamada de "Revolução de Fevereiro", que derrubou o rei Luís Felipe I e encerrou a Monarquia - iniciada em 1830. Quatro meses depois ocorre uma insurreição, que ficou conhecida como a "Revolta de Junho", e levou à criação da Segunda República Francesa, com a eleição de Luís Napoleão Bonaparte. Em dezembro de 1851, o próprio Luís Bonaparte comanda um golpe: dissolve a Assembleia Nacional Francesa e implanta o Segundo Império Francês, que durou até 1870.

Todo o processo, entre a Revolução de 1848 e o golpe de Estado de 1851, é narrado por Karl Marx no livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte. "É uma obra clássica das ciências sociais (...) e tornou-se fundamental para o pensamento científico moderno", afirma Octavio Ianni, na Apresentação da 5ª edição de O 18 Brumário e Cartas a Kugelmann (MARX, 1986, p. 3). Segundo Ianni, neste livro e nas obras O Capital e o Manifesto do Partido Comunista, "a dialética marxista se revela em suas acepções realmente importantes, isto é, como teoria do conhecimento e como modo de ser do real" (MARX, 1986, p. 4).

A leitura d'O 18 Brumário leva à percepção de que Marx, de forma cronológica, descreveu e analisou com uma riqueza de detalhes os conflitos sociais e políticos e os acontecimentos revolucionários da época. A narração (relato de fato ocorrido em determinado tempo) e a descrição objetiva (relato realista do objeto) têm importância na escrita. A partir delas se relata, se detalha, se explica, se retrata, se pormenoriza, se especifica. E leva-se o leitor a conhecer o objeto, a localização, o desenrolar e a conclusão dos fatos.

Marx, assim como outros autores o fazem, levou em consideração a história - e fatos históricos - na sua narrativa e análise dos fatos. Ele utilizou o materialismo histórico-dialético, método desenvolvido por ele e Friedrich Engels, que se caracteriza pelo pensamento através da materialidade histórica da vida dos homens em sociedade.

Mas o que vem a ser o materialismo histórico-dialético? Stálin (1945) explica que o "modo de abordar os fenômenos da natureza, de estudar esses fenômenos e de concebê-los, é dialético; e sua interpretação dos fenômenos da natureza, seu modo de focalizá-los, sua teoria, é materialista". Já o materialismo histórico "é a aplicação dos princípios do materialismo dialético ao estudo da vida social, aos fenômenos da vida da sociedade, ao estudo desta e de sua história" (STÁLIN, 1945).

Para Gilerlândia Nunes, "esse método consiste numa análise que leva em consideração a história, mas não somente ela. As relações materiais de produção têm um lugar central em todas as suas análises, sejam elas de cunho estrutural ou conjuntural" (...) e a sua "aplicabilidade pode ser verificada claramente no livro O 18 Brumário de Luís Bonaparte” (NUNES, p.135). "A relevância da compreensão da sociedade por Marx, naquele momento histórico, é imprescindível para a história da Sociologia, mesmo que esse autor não estivesse preocupado com a criação de uma nova ciência" (NUNES, p. 136).

No artigo “Descrição, explicação e interpretação em ‘O 18 Brumário’” os autores (DIAS; ROCHA; MAGALHÃES e SILVEIRA) fazem a análise do livro com esse viés e concluem que “a descrição, a explicação e a interpretação presentes na obra são bastante peculiares e facilmente identificáveis” (DIAS, et. al; p 16). Segundo eles, ao descrever, Marx “sempre recorre ao passado para caracterizar revoluções, pessoas e classes” (p. 16). A narrativa é sempre feita do ponto de vista do autor, “um sociólogo preocupado em identificar as relações entre classes e temas relativos à sociologia (DIAS, et. al; p 16). As explicações são baseadas na dialética, “no confronto de classes” e “o autor descreve os fatos de acordo com sua perspectiva e lhes atribui interpretações e explicações individuais (DIAS, et. al; p 17).

Claro está que não se faz ciência, não se constroem teorias, não se produz conhecimentos sem a utilização de um método - definido por alguns dicionários como "processo lógico e ordenado de pesquisa ou de aquisição de conhecimento (MICHAELIS); "processo racional para chegar ao conhecimento ou demonstração da verdade" (PRIBERAM); e "processo de pesquisa organizado lógica e sistematicamente" (DICIO).

Este (método), de Marx, é um entre tantos outros utilizados para as pesquisas - logo após a identificação e definição do problema. No entanto, é o pesquisador quem precisa definir qual metodologia atende melhor aos seus interesses; que seja capaz de oferecer um bom resultado científico e que seja melhor assimilada por quem acessa a pesquisa.

Apesar de continuar atual, vale ressaltar que a metodologia proposta pelo materialismo histórico dialético para análise e produção de conhecimento (sociológico, filosófico e histórico) é utilizada num tempo diferente e já sofreu (sofre) críticas e restrições por parte de pensadores contemporâneos. Ressalte-se que na época em que esse método foi elaborado por Marx e Engels, no século XIX, o cenário era de uma Europa (sobretudo a Inglaterra) em processo de industrialização e uma relação conflituosa de interesses envolvendo classes sociais distintas: de um lado a burguesia, que representava o capital; do outro o proletariado, detentor da força de trabalho. Nos dois séculos seguintes houveram mudanças; hoje (século XXI) a sociedade se depara com a expansão do capitalismo, a precarização ('uberização') do trabalho, o avanço e consolidação da globalização. Talvez, análises dessa ordem devam ser realizadas com a utilização de outros métodos. É um caso a ser pensado.

Bibliografia

DIAS, Ana Clotilde G.; ROCHA, Ariane; MAGALHÃES, Luiza Vianna; SILVEIRA, Ramiro Queiroz. Descrição, explicação e interpretação em ‘O 18 Brumário’”. Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da UFMG.

DICIONÁRIO on line de Português. Disponível em: https://www.dicio.com.br/metodo/

MARX, Karl. O 18 Brumário e Cartas a Kegelmann. Rio de Janeiro. Paz e Terra, 5ª edição, 1986.

MICHAELIS. Dicionário Brasileiro da Língua Portuguesa. Disponível em: https://michaelis.uol.com.br/busca?r=0&f=0&t=0&palavra=m%C3%A9todo

NUNES, Gilerlândia Pinheiro de Almeida. Notações preliminares sobre O 18 Brumário de Luís Bonaparte, de Karl Marx. Revista Eletrônica Inter-Legere: Leituras. UFRN. Número 4, 2009. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/interlegere/article/view/4840

PORFÍRIO, Francisco. Materialismo histórico. Disponível em: https://brasilescola.uol.com.br/sociologia/materialismo-historico.htm

PRIBERAN, Dicionário. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/m%C3%A9todo

STÁLIN, J. V. Sobre o Materialismo Dialético e o Materialismo Histórico. Edições Horizonte, Rio de Janeiro, 1945. Disponível em: https://www.marxists.org/portugues/stalin/1938/09/mat-dia-hist.htm