Doutor Castor
De aparência frágil, era o velhinho que qualquer um logo cederia o lugar no ônibus. Mas com Castor de Andrade a aparência enganava. Figura típica de um Rio de Janeiro que não existe mais, se envolveu com futebol, carnaval, jogo e tudo que vem junto. Mafioso, ele foi malandro perigoso, mas bonachão, alegre, bem relacionado e participativo. O documentário Doutor Castor é um retrato dos anos 70, 80 e começo dos 90, mostrando os estertores do que um dia foi “o país do futebol”.
O Bangu, time de futebol, alcançou seu auge durante o período do folclórico presidente de honra e financiador. Estilo “paizão”, Castor pagava um gordo bicho (prêmio por vitória) em espécie, às vezes, adiantado. Também foi a tradução perfeita de um “cartola” do futebol, desses que invadiam o campo para “pegar” o juiz ladrão.
Advogado, porém filho e neto de gente envolvida com a jogatina, preferiu continuar os negócios da família, muito mais lucrativos, embora perigosos.
No jogo do bicho só dava Castor. Capo di tutti capi, ele mandava soltar e prender (e bater), pelo menos enquanto ele mesmo não era tirado do convívio social.
Carnaval: o poderoso contraventor fechou a trinca: fezinha, jogo de bola e samba, adotando a escola de samba Mocidade Independente de Padre Miguel, sendo seu eterno patrono.
Assim como Al Capone, foi difícil prendê-lo. Para isso, foi necessário sacar uma brecha no Código Penal. Contudo, isso não foi o suficiente para segurá-lo na cadeia. Ele ficava pouco tempo trancado, mas a tempo de dar um upgrade na sua cela — estilo Pablo Escobar — ou para ser beneficiado com a prisão domiciliar.
O velho malandro “bateu com as dez” (faleceu) de ataque do coração em 1997, numa saída (não autorizada) para jogar um carteado.
Muito bem feito, o documentário passa o clima social do Rio de Janeiro daquela época e retrata fielmente as facetas do personagem título, mostrando o que havia de bom e ruim e quem gostava ou odiava o Castor de Andrade, sem alívio. O que é essencial numa obra com um espaço de tempo grande é o antes e depois e os relatos, muitas vezes conflitantes, de figuras secundárias. Não faltaram ingredientes para um bom documento cinematográfico.
Finalmente, um documentário em quatro partes, com quatro horas de duração, que passou voando.