100 POR CENTO MORANGO volume 1: entre duas garotas
Há controvérsias sobre os significados ocultos ou explícitos de mangás e animês, os quadrinhos e desenhos do Japão. A questão de como o sexo é mostrado leva até a dizerem - como eu já ouvi - que os japoneses são um povo "pervertido". Mas também já li um comentário de que, quando temas sexuais são abordados, a intenção é apenas cômica. Mas é claro que existem linhas pornográficas ou pesadas, e também séries que abordam a sexualidade dos personagens de maneira até inocente.
No presente caso, ao menos no primeiro volume, surpreende a criatividade da mangaká Mizuki Kawashita, sua habilidade em construir situações embaraçosas mas também a ingenuidade de Manaka Junpei, o adolescente que está se preparando para o ingresso no ensino médio (chamado "koukou"), que tem dois "melhores amigos", o horrendo e abrutalhado Komiyama e o sofisticado e centrado Ookusa. Ele pretende se tornar cineasta e quase não liga para as garotas. Um dia, porém, acontece um estranho incidente: ao subir no terraço do colégio para observar a paisagem, abrindo a porta de ferro uma garota cai por cima dele, sem que se entenda de onde ela veio; os dois ficam meio estonteados e Manaka, vendo-a caída de bruços, enxerga a sua calcinha, com enfeite de morangos. Ela começa a se erguer, olha para ele e foge. Manaka fica fascinado com a cena e com a beleza da garota que lhe é desconhecida e encontra um caderno de uma aluna de sua classe, Aya Toujou, que ele nem sabe quem é.
Até aí parece uma história moralmente inconveniente e derivando para a pornografia, mas o desenvolvimento é tão inocente que afasta a impressão, e aparentemente a autora apenas brinca com a sexualidade adolescente, que não pode ser negada, criando situações onde o acaso intervém a partir desta cena inicial. Apenas, não acredito que as colegiais japonesas andem de mini-saia, como aparece em diversos mangás e animês; em filmes e fotos reais, ou na história de Sailor Moon, as saias têm comprimento normal. A questão da visão das calcinhas em certas posições é problemática, mas a Luluzinha norte-americana (a "Little Lulu"), que é uma criança, sempre teve as calcinhas visíveis e nunca se falou que era indecente; pelo menos eu nunca soube.
No caso em questão Manaka, que é extremamente embaraçado e tímido com as garotas, e portamto não é um pervertido, fica com a idéia de identificar a garota desconhecida da calcinha de morangos - tarefa que se revela difícil, pois a dona do caderno é uma menina de óculos, rabo-de-cavalo e aparentemente muito diferente da pessoa que ele viu de relance. Aya é tida como desenxabida, descuidada de si mesma.
Resenha do volume 1 do mangá "100% morango", de Mizuki Kawashita. Editora Panini, Barueri-SP, 2010; Editora Shueisha, Tóquio, Japão, 2002. Título original japonês: "Ichigo 100%". Tradução: Drik Sada. Volume com os atos 1 a 8.
"Como eu posso descrever para vocês? Ela era como... um anjo descendo do Céu. O momento em que ela virou para mim, à contraluz, foi a cena mais linda que eu já vi, melhor que qualquer cena de filme que eu já tenha visto!"
(Manaka para Komiyama e Ookusa)
"Olha aqui. Eu agradeço muito a declaração de amor repentina... mas isto aqui é um corredor! Declaração de amor se faz em lugares mais discretos, valeu?"
(Tsukasa Nishino para Komiyama)
"O que essa mulher fez em mim?"
(Manaka Junpei)
"Me diz uma coisa, Toujou-san. Por que você anda vestida assim? Você tem um rosto tão bonito... acho um desperdício."
(Tsukasa Nishino)
"Está na cara que a Toujou gosta de você, Manaka."
(Ookusa)
Há muita riqueza nesta novela gráfica, com suas nuances e comicidades, e a definição psicológica dos personagens principais demonstra isso. A ação gira em torno do Manaka, do qual são mostrados inclusive os pensamentos. Manaka acaba iniciando um namoro com Tsukasa Nishino, da turma 2, depois de pensar que ela seria a garota que entrevira no terraço. Mas aparentemente não era, pois seu cabelo estava mais curto além de ser mais claro. Surpreendentemente Nishino aceita namorar com ele, ela que era considerada a garota mais charmosa do colégio.
Manaka não sabe lidar com garotas e se atrapalha horrivelmente. Ela lhe dá o número do celular e ele não tem coragem de ligar e ainda por cima sem querer inutiliza o papel com o número. Ookusa, tentando ajudar, afana o celular da garota para procurar o número, mas Manaka não consegue repor o aparelho a tempo. Cada vez mais atrapalhado ele acaba aceitando a ajuda da Toujou, que se oferece para devolver o aparelho à Nishino e dizer que o achou. Aí o Manaka se arrepende e sai numa corrida desesperada pelo colégio, decidido a contar a verdade; avistando as duas do lado de fora ele dispara esquecendo (?) que estava no segundo andar e desaba lá de cima, caindo providencialmente num tanque.
Os dois amigos de Manaka, um é grande, feio e abrutalhado, o Komiyama, mas no fundo é ingênuo e patético, sofre por amar Nishino e ser rejeitado por ela. Vive meio às turras com Manaka mas completando com Ookusa um trio inseparável. As intervenções de Ookusa são sempre inteligentes.
Quanto a Nishino, impressiona a força da sua personalidade. Ela parece ser muito mais inteligente e sensata que Manaka, e este tem a seu favor a ingenuidade e o pudor. Quando começa a pensar em besteira ele mesmo se censura (isto é um dado positivo). Nishino, porém, é uma garota sensata que faz observações corretas e aprecia Manaka, acha graça nele e domina o rapaz pela personalidade sem ser arrogante, apenas decidida. Ao fazer amizade com a Toujou, observa com franqueza: "Por que você anda vestida assim?" De fato Aya Toujou faz lembrar a "Betty, a feia", daquela velha novela, ou seja Toujou é bonita mas se produz para parecer feia, com os cabelos presos, óculos, roupa muito fechada, aí é até menosprezada pelos colegas.
Em suma o mangá prende a atenção pela criatividade do roteiro, embora Manaka irrite um pouco com seu jeito apavorado e atrapalhado, mas este detalhe é parte essencial para a sucessão de trapalhadas hilariantes.
Rio de Janeiro, 6 a 9 de outubro de 2021.
Há controvérsias sobre os significados ocultos ou explícitos de mangás e animês, os quadrinhos e desenhos do Japão. A questão de como o sexo é mostrado leva até a dizerem - como eu já ouvi - que os japoneses são um povo "pervertido". Mas também já li um comentário de que, quando temas sexuais são abordados, a intenção é apenas cômica. Mas é claro que existem linhas pornográficas ou pesadas, e também séries que abordam a sexualidade dos personagens de maneira até inocente.
No presente caso, ao menos no primeiro volume, surpreende a criatividade da mangaká Mizuki Kawashita, sua habilidade em construir situações embaraçosas mas também a ingenuidade de Manaka Junpei, o adolescente que está se preparando para o ingresso no ensino médio (chamado "koukou"), que tem dois "melhores amigos", o horrendo e abrutalhado Komiyama e o sofisticado e centrado Ookusa. Ele pretende se tornar cineasta e quase não liga para as garotas. Um dia, porém, acontece um estranho incidente: ao subir no terraço do colégio para observar a paisagem, abrindo a porta de ferro uma garota cai por cima dele, sem que se entenda de onde ela veio; os dois ficam meio estonteados e Manaka, vendo-a caída de bruços, enxerga a sua calcinha, com enfeite de morangos. Ela começa a se erguer, olha para ele e foge. Manaka fica fascinado com a cena e com a beleza da garota que lhe é desconhecida e encontra um caderno de uma aluna de sua classe, Aya Toujou, que ele nem sabe quem é.
Até aí parece uma história moralmente inconveniente e derivando para a pornografia, mas o desenvolvimento é tão inocente que afasta a impressão, e aparentemente a autora apenas brinca com a sexualidade adolescente, que não pode ser negada, criando situações onde o acaso intervém a partir desta cena inicial. Apenas, não acredito que as colegiais japonesas andem de mini-saia, como aparece em diversos mangás e animês; em filmes e fotos reais, ou na história de Sailor Moon, as saias têm comprimento normal. A questão da visão das calcinhas em certas posições é problemática, mas a Luluzinha norte-americana (a "Little Lulu"), que é uma criança, sempre teve as calcinhas visíveis e nunca se falou que era indecente; pelo menos eu nunca soube.
No caso em questão Manaka, que é extremamente embaraçado e tímido com as garotas, e portamto não é um pervertido, fica com a idéia de identificar a garota desconhecida da calcinha de morangos - tarefa que se revela difícil, pois a dona do caderno é uma menina de óculos, rabo-de-cavalo e aparentemente muito diferente da pessoa que ele viu de relance. Aya é tida como desenxabida, descuidada de si mesma.
Resenha do volume 1 do mangá "100% morango", de Mizuki Kawashita. Editora Panini, Barueri-SP, 2010; Editora Shueisha, Tóquio, Japão, 2002. Título original japonês: "Ichigo 100%". Tradução: Drik Sada. Volume com os atos 1 a 8.
"Como eu posso descrever para vocês? Ela era como... um anjo descendo do Céu. O momento em que ela virou para mim, à contraluz, foi a cena mais linda que eu já vi, melhor que qualquer cena de filme que eu já tenha visto!"
(Manaka para Komiyama e Ookusa)
"Olha aqui. Eu agradeço muito a declaração de amor repentina... mas isto aqui é um corredor! Declaração de amor se faz em lugares mais discretos, valeu?"
(Tsukasa Nishino para Komiyama)
"O que essa mulher fez em mim?"
(Manaka Junpei)
"Me diz uma coisa, Toujou-san. Por que você anda vestida assim? Você tem um rosto tão bonito... acho um desperdício."
(Tsukasa Nishino)
"Está na cara que a Toujou gosta de você, Manaka."
(Ookusa)
Há muita riqueza nesta novela gráfica, com suas nuances e comicidades, e a definição psicológica dos personagens principais demonstra isso. A ação gira em torno do Manaka, do qual são mostrados inclusive os pensamentos. Manaka acaba iniciando um namoro com Tsukasa Nishino, da turma 2, depois de pensar que ela seria a garota que entrevira no terraço. Mas aparentemente não era, pois seu cabelo estava mais curto além de ser mais claro. Surpreendentemente Nishino aceita namorar com ele, ela que era considerada a garota mais charmosa do colégio.
Manaka não sabe lidar com garotas e se atrapalha horrivelmente. Ela lhe dá o número do celular e ele não tem coragem de ligar e ainda por cima sem querer inutiliza o papel com o número. Ookusa, tentando ajudar, afana o celular da garota para procurar o número, mas Manaka não consegue repor o aparelho a tempo. Cada vez mais atrapalhado ele acaba aceitando a ajuda da Toujou, que se oferece para devolver o aparelho à Nishino e dizer que o achou. Aí o Manaka se arrepende e sai numa corrida desesperada pelo colégio, decidido a contar a verdade; avistando as duas do lado de fora ele dispara esquecendo (?) que estava no segundo andar e desaba lá de cima, caindo providencialmente num tanque.
Os dois amigos de Manaka, um é grande, feio e abrutalhado, o Komiyama, mas no fundo é ingênuo e patético, sofre por amar Nishino e ser rejeitado por ela. Vive meio às turras com Manaka mas completando com Ookusa um trio inseparável. As intervenções de Ookusa são sempre inteligentes.
Quanto a Nishino, impressiona a força da sua personalidade. Ela parece ser muito mais inteligente e sensata que Manaka, e este tem a seu favor a ingenuidade e o pudor. Quando começa a pensar em besteira ele mesmo se censura (isto é um dado positivo). Nishino, porém, é uma garota sensata que faz observações corretas e aprecia Manaka, acha graça nele e domina o rapaz pela personalidade sem ser arrogante, apenas decidida. Ao fazer amizade com a Toujou, observa com franqueza: "Por que você anda vestida assim?" De fato Aya Toujou faz lembrar a "Betty, a feia", daquela velha novela, ou seja Toujou é bonita mas se produz para parecer feia, com os cabelos presos, óculos, roupa muito fechada, aí é até menosprezada pelos colegas.
Em suma o mangá prende a atenção pela criatividade do roteiro, embora Manaka irrite um pouco com seu jeito apavorado e atrapalhado, mas este detalhe é parte essencial para a sucessão de trapalhadas hilariantes.
Rio de Janeiro, 6 a 9 de outubro de 2021.