Algo já te tirou do ar?
Em 1997, 25 anos depois do jipe lunar ser acionado pela última vez, dois franceses sonharam com uma nova viagem à Lua. Mais que isso, especularam sobre a possibilidade de alterarem campos gravitacionais, dobrarem o tempo e, com a execução, manipulação e alteração de notas
musicais, teletransportarem-se até o satélite.
Neste devaneio saído de um episódio dos Jetsons, Jean-Benoit Dunckell, matemático e Nicolas Godin, arquiteto, conseguiram o que muitos imaginavam impossível: ligar mais uma vez as baterias de prata e zinco do velho Rover.
Inicialmente Godin trabalhou sozinho e gravou demos com músicos egressos do Funkadelic de George Clinton. Dunckell, como um autêntico professor Pardal, preocupava-se em empilhar teclados, sintetizadores, órgãos, cravos, flautas e sequenciadores em busca do som perfeito. Na base de tentativa e erro remixou faixas que seriam o embrião do primeiro álbum do Air.
Agora batizados, a missão de lançamento de um foguete musical já não parecia tão impossível.
Naquele ano, franceses aguardavam o início da Copa do Mundo e sorriam com Jean Michel Jarre espalhando eletrônica pop no 850º aniversário de Moscou ao tocar para 3,5 milhões de russos. Alheio a isso, a desconhecida dupla esmerava-se em desenhar um mapa, um trajeto para o esperado safari lunar.
A plataforma de lançamento foi os estúdios do selo Astralwerks e veio aclamada por críticos de todo o globo. John Mulvey, do NME comparou-os com uma espécie de Electric Light Orchestra digital e ficou prostrado com a participação de Beth Orton em "All I Need", Ethan Smith, do Entertainment Weekly, na falta de comparação melhor, enxergou um pouco de Everything But The Girl no som deles, enquanto Brent DiCrescenzo, do Pitchfork, pensou ouvir ecos de trilhas sonoras de documentários suecos sessentistas.
Rob Sheffield, da Rolling Stone, comedido, achou o som da dupla repetitivo, mas deu 4,5 estrelas de um total de cinco em sua resenha. Encantados, os magazines The Face e Select escolheram "Moon Safari" como álbum do ano. Com toda essa gasolina aditivada pela aceitação em massa não faltou combustível para a viagem.
O périplo teve início com "La Femme D'Argent". Pianos espaciais saídos do lado escuro de um álbum do Pink Floyd iniciou a aceleração do veículo até dunas de montanhas cristalinas enquanto a bateria programada revolvia o magma de um oceano cristalizado. "Sexy Boy" fazia o jipe derrapar com o volume dos solos de Moog ao mesmo tempo que
"Kelly Watch The Stars", parecendo um mantra, te empurrava para um mergulho numa cratera perigosa ecoando vocoder. Já "Talisman", som retrô de Wurlitzer antigo, te cegava com o albedo involuntário dos botões de titânio do teclado.
A aventura continuava com a atmosfera etérea, delicada, sentida pelas notas iniciais de "Remember", quase um sci-fi cinquentista com trilha e pipoca a cargo de Jean-Jacques Perrey. Sensacional.
O que o Air conseguiu produzir naquele ano, hoje, após a audição de álbuns desafiadores como "Ok Computer" e "Dig Your Own Hole", pode não parecer grande coisa, mas foi um pequeno passo para a indústria e um grande salto para a música.
Antes do retorno, a refinada, chic e elegante "All I Need", participação espe(a)cial de Beth Orton, nos impermeabiliza para um banho num rio de metal líquido e avisa que precisamos apenas de tempo para emergimos atrás do sol e cellycampelamente brancos como a neve sintonizarmos a mente sem censura ou arrependimento para um novo tempo.
O safari lunar encerrou com o duo, walkie talkie em punho, avistando nosso planeta e mandando um recado para toda humanidade:
- "A Terra é azul, vermelha e branca".