Análise de “Encontro”, de Claudia Roberta Angst

Análise de “Encontro”, de Claudia Roberta Angst

Introdução

O Conto "Encontro`` foi escrito para o Desafio de Literatura do site EntreContos em dois mil e vinte, Série Amazônia . A escritora, que é paulista e tem ascendência suiça, desenvolve diversas atividades ligadas ao mundo literário, entre elas, é revisora, tradutora e também leciona. Como contista participou de três edições da Antologia Devaneios Improváveis - II, III e IV, além de desenvolver alguns projetos literários ligados ao gênero.

O Conto trata da primeira relação amorosa do narrador. E a escolha de um narrador que também é personagem dá ritmo e suspense ao texto que é de uma obviedade quase transparente, a que tratarei mais para frente. Toda a percepção e leitura do outro é feita pela ótica de um adolescente.

O texto é a celebração de um amor interrompido. A partida imediata e a aparente aceitação do fim que aparece na seguinte narrativa: “Não respondi. Nem sorri. Nem mostrei gratidão. Assim ficamos, calados. O meu silêncio traduziu-se em recusa de reviver a decepção.” tenta introduzir um engano no leitor de que houve luto e desprendimento, mas se olhamos antes e depois há muitas mostras de que a separação só se deu por parte dela, que nunca esteve realmente comprometida com ele.

O Encontro e a Prosa

O Conto é uma prosa poética. Com final esperado, para quem sabe que no encontro das águas não há união, há só companhia. Entretanto como o fim se dá, é pura perfeição. E sim, comeu jaraqui e ficou aqui, só o corpo seguiu viagem…

Mas falando da prosa e poesia… Que belo o retrato do primeiro ato de amor. Uma mistura de natureza, de sagrado e humano, entrega comparada a caça, entrega, saciedade e prazer, tudo mesclado em poesia.

A construção textual é voluptuosa, com palavras de significado imediato, mas que criam um campo semântico crível, envolvente. “Bicho acuado; laços sem nós; revoada de anjos; secretos dizeres, silêncio sagrado” são pedras que sedimentam a estrada do texto, tornando-o rico e deleitoso. A jogada com as palavras de sementes, pétalas, raízes e âncoras criam a dualidade de infinito e transitório, afinal, sementes perduram e pétalas morrem, raízes permanecem, âncoras são apoio transitórios...

E há ainda aquelas sandices que são marcas inerente do primeiro amor: “Linda como nenhuma mulher jamais seria aos meus olhos.”, “eu morreria sem você”, “Dei as costas ao meu pai, ao meu passado como se não houvesse mais um pretérito a preservar.”

Gostei demais da cena do encontro final. A ideia de cortes na narrativa dá a exata dimensão de um filme, com as mudanças de foco necessárias para ampliar a visão do espectador que acompanha o desenrolar dos fatos. Acredito que em cinema essa sequência de eventos presenciados pelo jovem enamorado chama-se plano. E se dá de forma crível. Primeiro ela, dona de tudo, principalmente do desejo do jovenzinho enamorado, depois o marido, e ainda depois o filho. Acertadamente a jovem não percebe que sua aventura a observa e isso cria, para quem lê a ilusão de que há um plano aberto e o leitor capta tudo. O pai é o elemento surpresa e por um instante é através dele que o Conto se mostra, obviamente sem deixar mostras interna deste segundo observador.

Texto terrivelmente cortante, sem ser frio, sem ser drástico, temos nessa primeira desilusão a passagem do menino a adulto e seu crescimento se firma na percepção que as suas vidas não correm juntas e nem na mesma direção.

A Linguagem

O texto flui como as águas dos rios que se encontram. A linguagem belamente usada nos leva através de um campo semântico bem local, sem ser idiomático, não exatamente amazônico, estende-se por todos os movimentos da água, seguindo sinuoso, fluvial. Comparações óbvias e sutis enriquecem o texto. A hipérbole magistral do primeiro amor: “eu morreria sem você” reina absoluta. A força da personalização que afirma que as águas com têm ambição de mar também é enriquecedora, afinal é o que dizemos do fenômeno e não a voz e vontade dele.

Outra riqueza do texto que aflora no campo da linguagem, mas leva para p campo da ética. O narrador sofre a desilusão, porém não invalida o comportamento da mulher, nem comparando ao seu sistema ético próprio e nem dando-nos a informação de que a jovem era de uma etnia em que o sexo fora do casamento não é traição. Informação que talvez, ou melhor, por certo ele não tinha aos dezoito anos.

Não sabemos a idade do narrador no momento que narra, ele pontua a desimportância do dado quando afirma: ”Deixei de fazer contas sem sentido”. A construção da malha semântica que aborda as memórias são funestas e antigas. No campo do fúnebre, passam por palavras como: caixa, urna funerária, cinzas e o verbo ir, que na frase aparece conjugado como pretérito perfeito do indicativo, surge antecedido pelo advérbio já, o que enriquece o sentido de completude do verbo. E a ideia de morte é completude. no campo da antiguidade outras palavras apontam o sentido: caixa que se desfaz - aqui mais uma personificação interessante. Não são as fotos que desbotam, é a caixa que se anula pelo tempo. Ainda aparecem velho e memórias.

Ao iniciar a sua história utiliza-se da anáfora para marcar a passagem dos anos e opretenso distanciamento dos fatos: “Aconteceu há muito tempo. Tempo que não volta. Tempo demais.”

O animismo surge em “Talvez por achar que minhas asas ocupavam espaço demais no ninho (...)”, O que também pode sugerir que ele esteja em um período de rebeldia em relação à mãe. Afinal, a busca natural por espaço da juventude recém conquistada ocasiona problemas ao fim da adolescência. O que pode ser observado também no momento em que ele resolve romper com o pai e ir atrás da sua amada.

Conclusão

A autora conseguiu levar tanto texto quanto o leitor com maestria. Tanto é que a pessoa pode até crer que trata-se apenas de uma viagem mnemônica usada para fazer com que o narrador esqueça o primeiro amor, mas cada palavra mostra que o sentimento perdura. O tempo e a distância não trouxeram nem cura, nem esquecimento.

O Conto belamente construído respeita o espaço que é psicológico e mnemônico, apesar de ser bem detalhado, sabe-se que quem conta uma história tende a lapidar à sua vontade. Entretanto o narrador não evoca valores, ele simplesmente conta seu estado e sua história, deixando claro como ela é ainda importante para ele.

Para o leitor fica a sensação de vazio que retorna ao fim, mas que não apaga a beleza da poesia do olhar servido, do crescer envolto na percepção de que há algo mais além do querer, do afastamento do corpo e prisão da alma que o texto deixa ali para quem quiser ver.

Em resumo, o Conto louva o luto contínuo, não vivido do amor que foi interrompido bruscamente em uma cena frente ao rio.

Fonte: https://entrecontos.com/2020/06/07/encontro-solimoes/

Link para o texto aqui no Recanto em meu comentário. https://www.recantodasletras.com.br/contos-de-amor/7124874

Elisabeth Lorena Alves
Enviado por Elisabeth Lorena Alves em 09/02/2021
Reeditado em 20/03/2021
Código do texto: T7180679
Classificação de conteúdo: seguro
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