1 litro de lágrimas: a comovente história de Aya Kito

´”No tempo tem sempre um dia. Um dia em que muda o tempo e um tempo novo se inicia”

Anônimo

“Morrer não é assustador. O assustador é desistir”

Aya Kito

“Morrer não é difícil. Difícil é a vida e seus ofícios”

Maiakóvski

É possível descrever a sensação de uma pessoa que, na flor da idade, vê sua vida subitamente transformada e sabe que nunca voltará a ser a mesma? Com certeza não, porque, para entender certas coisas, precisamos senti-las. E isso foi o que aconteceu com Aya Kito, jovem japonesa que, aos 15 anos, começou a desenvolver uma rara doença degenerativa – a degeneração espinocerebelar – e morreu com a idade precoce de 25 anos, ainda desejando viver. Seus diários, que descrevem de forma detalhada e comovente o avanço de sua doença, o tratamento e a sua compreensão de como a doença afetara de forma definitiva sua vida foram publicados pouco após sua morte, nos anos 80, em um livro com o título 1 litro de lágrimas (Icchi Rittoru no Namida). Além do livro, também foi feito um mangá e um seriado live action no ano 2005. Cada um, à sua maneira, comove-nos até o fundo da alma.

O mangá, que tem menos páginas que o livro e é menos detalhado, começa mostrando a vida familiar de Aya Kito, com seus pais e irmãos. Eles são uma família normal e Aya, aos 15 anos, é uma aluna exemplar que está se preparando para os exames para ingressar no colegial. Enquanto sai para ir à escola, ela se desequilibra. Aos poucos, ela vai sentindo que algo não vai bem: desequilibra-se, cai, sente fraqueza e não sabe o que está ocorrendo. Sabe apenas que algo dentro de seu corpo não está funcionando bem. Sua mãe, atenta, começa a desconfiar de algo errado principalmente depois que Aya lhe aparece com o rosto machucado e diz que caiu na rua. Sua mãe resolve então leva-la ao médico para examiná-la e saber o que está acontecendo.

Depois de ser examinada, Aya recebe uma sugestão: escrever um diário para falar sobre o que sente de forma que o médico possa saber como trata-la. Aya, menina sensível e que sempre chorou muito, encontra na escrita uma maneira não apenas de descrever a doença, mas também a forma como sua nova condição a forçou a ver tudo de forma diferente. À medida que a doença avança, tudo adquire novo significado. Aya vê como coisas que pareciam tão simples e sem importância como andar e carregar seus livros não são assim tão banais. Ao mesmo tempo, ela tem de lidar com comentários preconceituosos, olhares zombeteiros ou de pena, mas também encontra pessoas solidárias, que a ajudam nas suas dificuldades em se locomover.

Ao ingressar no colégio Higashi, Aya encontra novos amigos: Sati, menina que de outra sala e o misterioso Ishikawa. Ela se sente frustrada porque deseja ser útil e nunca é encarregada de nada, como cuidar da biblioteca ou limpeza. Ao mesmo tempo, ela se entristece porque coisas que pareciam fúteis, como se maquiar e gostar de algum rapaz, parecem parte de uma realidade distante. Ela sente a doença avançando e percebe que não é mais como as outras moças de sua idade, além de se achar um peso por outros terem de ajuda-la. Tudo a força a amadurecer. Aya tenta entender as pessoas que não são compreensivas com sua condição, concluindo que a gente só entende alguém quando passa pela mesma situação e procura não se tornar amarga.

Aya diz que seu “eu antigo” ainda vive dentro de seu corpo doente e isso a faz sentir dificuldade em aceitar sua doença, especialmente depois que, ao passar as férias no hospital, ganha um cartão de deficiente e vê que nunca mais será quem era. Isso a faz ver que seu mundo antigo ruiu e que a única coisa a fazer é lutar corajosamente com os desafios trazidos pela doença que não tem cura e que avançará progressivamente. Entre os que mais a ajudam, temos a doutora Yamazaki, que é muito sincera e diz que tudo que pode fazer é retardar os efeitos da doença e sua mãe, que se sente destruída por saber que tudo que poderá fazer é acompanhar Aya até o fim, quando a doença já estiver bastante avançada e Aya não for mais capaz de andar e mesmo falar.

Apesar de todas as tristezas, 1 litro de lágrimas não é uma história piegas ou amarga. Aya, sentindo os avanços da degeneração espinocerebelar, passa a dar mais valor à vida, desejando ter um coração tão grande quanto o céu azul, presta mais atenção às coisas belas e valoriza tudo que fazem por ela, sendo sempre agradecida por entender que suas novas limitações não lhe permitem que possa fazer pelos outros o que fizeram por ela.

No fim do mangá, após deixar o colégio Higashi depois de uma comovente despedida de seus antigos colegas, que prepararam um evento especial para ela, pois terá de estudar em uma escola especial, Aya pede para sua mãe deixa-la num lugar bonito, um parque, para apreciar a bonita paisagem. Ela sabe que sua doença avançará mas ainda assim seu espírito está livre e ela é capaz de apreciar a maravilhosa sensação de estar viva.

Depois de ler sua bela e triste história, nunca mais seremos os mesmos e veremos como estar vivo é algo fantástico que nos passa despercebido em nosso cotidiano. Ler sua história, seja no livro ou mangá, muda-nos para sempre.