"CORAÇÃO", O LIVRO QUE FORMOU GERAÇÕES DE JOVENS

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Edmondo De Amicis (1846—908) foi um escritor e militar italiano, conhecido por ser o autor do romance Coração (Cuore, em italiano), um dos textos mais populares da literatura mundial para jovens em idade escolar.

O romance foi estruturado como o diário de um garoto de família burguêsa, Enrico Bottini, que relata episódios e personagens de sua turma escolar durante um ano na terceira série, no ano letivo de 1881-82 em uma escola pública da Itália do Norte. O cenário geral é a cidade de Turim, primeira capital da Itália unificada, no período entre 1878 (ano de coroação do rei Umberto I) e 1886 (ano de publicação do livro); mais precisamente, os eventos narrados ocorrem entre 17 de outubro de 1881 e 10 de julho de 1882. O texto tem intenções pedagógicas destinadas a ensinar aos jovens cidadãos do Reino as virtudes civis, ou seja, o amor ao País, o respeito pelas autoridades e pelos pais, o espírito de sacrifício, heroísmo, caridade, piedade, e a suportação das desventuras.

O desenvolvimento do ano letivo é seguido em ordem cronológica, sendo que cada mês corresponde a um capítulo, no qual o diário de Enrico é intercalado com anotações de familiares (pai e mãe, e uma vez a irmã maior), que leem suas páginas e fornecem conselhos éticos e pedagógicos úteis para seu crescimento. A esses capítulos são acrescentadas nove histórias, narradas mensalmente pelo professor de Enrico, que descreve as peripécias, muitas vezes com resultado dramático, de crianças italianas de várias regiões. O conto mensal mais comprido e mais épico intitula-se "Dos Apeninos aos Andes" e apresenta a história de um menino genovês de treze anos, filho de um operário, que viajou de Génova para a América do Sul, sozinho, à procura da mãe gravemente doente. Com base nesse conto foram feitos vários filmes e até desenhos animados.

O diário termina com a anotação da transferência da família e a perda dos amigos de Enrico, que terão que frequentar a quarta série em outra cidade.

Para Edmondo de Amicis, que foi também um educador, a escola é o lugar privilegiado para realizar a formação dos jovens, não apenas do ponto de vista educacional, mas também como ponto de intercâmbio cultural. Ela se apresenta como um local perfeito para incluir uma multiplicidade de significados que, dentro da sala de aula, coexistem naturalmente. Então, o que emerge deste romance? Quais são os ensinamentos que seu autor deseja fornecer aos seus leitores?

Antes de tudo, o sentimento nacional, o ideal patriótico de um País jovem a ser construído e defendido; esse enfoque pode ser constatado em quase todas as histórias mensais em que o fio comum é justamente o orgulho nacional. Por outro lado, a convivência de muitas crianças em uma única classe leva a imaginar os representantes de muitas regiões diferentes unidos amigavelmente para aprender e se construir como homens cultos e virtuosos.

De Amicis, que mais tarde se tornará socialista, apresenta a ideia de uma sociedade que, mesmo dentro do sentimento de cooperação e amizade que domina toda a narrativa, está bem dividida em classes sociais. Na visão do autor, a ordem fundamental não pode ser subvertida: para manter a Nação funcionando, a sociedade precisa tanto do trabalhador braçal como do banqueiro, e esse conceito vai ao encontro do ideal da época não deixando espaço para ambições pessoais. O espírito de abnegação, a suportação da dor, a renúncia a desejos individuais em prol de um bem social coletivo são os temas que constituem o tema constante da narrativa.

A estudiosa Laura Moniz observa que, embora toda a narrativa seja um diário ficcional de um ano letivo, escrito por um menino de oito anos, várias intenções precedem a sua gênese. A intenção de criar uma unidade sobre um território multicultural e plurilinguístico -como continua a ser ainda hoje toda a Itália- de unificar um povo multifacetado através da crença no sentimento e de expressar ideias nacionalistas e fomentar uma consciência de identidade é óbvia. A utopia ideológica do romance Coração pretende uma total unificação cultural e linguística de Itália, um território multifacetado onde impera uma multiplicidade de dialetos, e embora o texto seja redigido em toscano, a língua oficial de Itália, ocasionalmente pontilhado por napolitano, véneto, lombardo, cria a ilusão de uma Itália unificada linguisticamente. Em toda a narrativa se expressa a exaltação do nacionalismo, e de valores éticos e a sobrevalorização do sentimento, da abnegação, do altruísmo, da integração social definindo contudo os limites e as diferenças entre as classes abastadas e as classes operárias. Este poderia ser considerado um romance de formação com algum resíduo de inspiração em Jean Jacques Rousseau, se considerarmos as convicções do autor relativamente à importância da disciplina e aos valores morais e éticos, fundamentos de uma boa formação. No entanto, o romance respira o clima vigente na época, de uma Itália recém unificada após numerosos conflitos, e de um povo em busca de traços de identidade.

Apesar do livro conter fortes valores positivos, foi amplamente criticado pelos católicos devido a total ausência de tradições religiosas (os alunos nem sequer comemoram o Natal). Essa atitude reflete as amargas controvérsias entre o Reino da Itália e o papa Pio IX após a ocupação de Roma em 1870 e o fim temporal da Igreja. Nesse sentido, alguns críticos argumentam que Coração foi um livro de forte inspiração maçônica (o próprio autor era maçom), onde o catolicismo italiano é substituído pela religião secular da Pátria, a Igreja pelo Estado, os fiéis pelos cidadãos, os Mandamentos pelas leis do Estado, o evangelho pela Constituição (monarquista), e os mártires pelos os heróis. Na única época em que o estado italiano foi autenticamente laico a atitude do Vaticano não podia ser diferente; entretanto, esse livro foi lido por muitas gerações de alunos não apenas italianos e contribuiu fortemente ao desenvolvimento de um sentimento de amor pela Pátria, pelo dever e pela honestidade.

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Richard Foxe
Enviado por Richard Foxe em 05/03/2020
Reeditado em 06/03/2020
Código do texto: T6881058
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