A MORTE DOS XAMÃS
Em tempos de retrocessos da política indigenista, ambiental e dos direitos humanos no Brasil as palavras de Kopenawa presentes no livro a queda do céu: palavras de um xamã yanomami são um alerta para nós refletirmos sobre aspectos políticos, econômicos e sociais presentes nos Estados capitalistas modernos em que as forças de produção são monopolizadas por grandes empresas, ao mesmo tempo que inúmeros grupos de pessoas e povos se tornam cada vez mais dependentes economicamente.
Kopenawa nos faz refletir que nos dias atuais as mercadorias estão conduzindo todas as relações humanas. O “homem branco” precisa entender que a terra não é uma colônia de exploração, a terra não é propriedade particular. A terra é um presente que foi dado para usufruto de todos; seres humanos, seres “celestiais”, seres e elementos da natureza.
O “povo da mercadoria” acredita que a natureza, as relações sociais e o conhecimento são “coisas” que existem naturalmente e que lhes foi dado o direito de posse “naturalmente” para que pudessem destruir nações e culturas, para que delineassem novas fronteiras e impusessem sistemas e leis que lhes garantissem a continuidade da sua dominação.
Os yanomami desde os primeiros contatos com os não indígenas entre as décadas de 1910 a 1940, mediados pelo Serviço de Proteção ao Índio – SPI tem sofrido inúmeros tipos de violências: mortes por epidemias e assassinatos, executados por extrativistas, por soldados da Comissão de Limites para demarcar fronteiras brasileiras, por garimpeiros, por brasileiros que participavam de projetos de colonização agrícola e por missionários.
Essa violência vivenciada pelos yanomami intensou-se desde o período da ditadura militar quando o governo brasileiro criou e executou diversos projetos de desenvolvimento econômico em territórios ocupados tradicionalmente por povos indígenas em todas as regiões do Brasil.
De modo geral, o contato entre os yanomami e os não indígenas provocou uma série de epidemias e desastres ecológico e isto afetou diretamente o mundo espiritual que depende da floresta para sobreviver.
Na cultura yanomami os xapiri – espíritos são seres puros que habitam o plano imaterial que se situa na floresta, no céu, no subterrâneo, quando querem ficar perto dos humanos, caminham pela floresta por um caminho espelhado que eles mesmos projetam e criam, nunca tocando o chão. Eles se comunicam com o xamã quando está em estado de fantasma após beber o pó da yãkoana, os espíritos os ensinam, pelo canto e dança, a caçar, curar doenças, a celebrar a vida.
Atualmente, devido ao aumento do desmatamento a vida dos yanomami está ameaçada por doenças. Para esse povo as doenças são causadas quando um espírito yarori ataca. São os xapiri que intervém e curam. Mas, hoje com as epidemias dos brancos os xapiri pouco podem fazer para ajudar, porque não conhecem essas doenças. A doença física resultante do contato com o não indígena significa doença no plano espiritual dos xapiri.
Kopenawa fala que quando os garimpeiros começaram a invadir a floresta os xamãs tentaram rechaçar suas fumaças de epidemia. Infelizmente, foram os seres canibais da epidemia que, enfurecidos por seus ataques, acabaram por devorar os xamãs. É por isso que os velhos xamãs, antes tão numerosos, são hoje tão raros.
Hoje os xapiri maléficos dos xamãs mortos tornam-se cada vez mais numerosos, furiosos por ver as casas dos espíritos de seus pais destruídas pela ignorância dos brancos. É por isso que os xapiri maléficos irados derrubam árvores em cima dos garimpeiros, enchem as águas dos rios para afogá-los e provocam deslizamentos de terra para sepultá-los. Inclusive derrubam seus aviões na floresta. Se o povo da mercadoria continuar explorando a natureza irão matar os poucos xamãs que restam.
Sem xamãs, a floresta é frágil e não consegue ficar de pé sozinha. As águas do mundo subterrâneo amolecem seu solo e sempre ameaçam irromper e rasgá-lo. Seu centro, firmado pelo peso das montanhas, é estável. Mas suas bordas não param de balançar com estrondo no vazio, sacudidas por grandes vendavais. (KOPENAWA,; ALBERT, 2005).
Maxitari, o ser da terra, Ruëri, o do tempo encoberto, e Titiri, o da noite, ficarão furiosos. Chorarão a morte dos xamãs e a floresta vai virar outra. O céu ficará coberto de nuvens escuras e não haverá mais dia. Choverá sem parar. Um vento de furacão vai começar a soprar sem jamais parar. Não vai mais haver silêncio na mata. A voz furiosa dos trovões ressoará nela sem trégua, enquanto os seres dos raios pousarão seus pés na terra a todo momento. Depois, o solo vai se rasgar aos poucos, e todas as árvores vão cair umas sobre as outras. (KOPENAWA,; ALBERT, 2005).
Nas cidades, os edifícios e os aviões também vão cair. Isso já aconteceu, mas os brancos nunca se perguntam por quê. Só querem saber de continuar escavando a terra em busca de minérios, até um dia encontrarem Xiwãripo, o ser do caos! Se conseguirem, aí não vai haver mais nenhum xamã para rechaçar os seres da noite. A mata vai ficar escura e fria, para sempre. (KOPENAWA,; ALBERT, 2005, p. 494).
Quando todos xamãs morrerem o homem branco irá ficar em sua terra devastada e invadida por multidões de seres maléficos que os devorarão. Por mais que os homens brancos sejam muitos e sabidos, seus médicos não poderão fazer nada. (KOPENAWA; ALBERT, 2005). Todos serão destruídos.
No entanto, enquanto existirem xamãs vivos, eles conseguirão conter a queda do céu. Se morrerem todos, ele vai desabar sem que nada possa ser feito.
REFERÊNCIAS
KOPENAWA, Davi; ALBERT, Bruce. A queda do céu: palavras de um xamã yanomami. São Paulo: Companhia das Letras. 2015.