MULHERES NEGRAS, A LUTA CONTINUA
 
Ser uma mulher negra num país como o Brasil é um exercício de resistência intrínseco à sua existência. A junção de, pelo menos, duas minorias, mulheres e negros, amplifica de modo alarmante os preconceitos sofridos e a invisibilidade forçada.
 
O estudo “O desafio da inclusão”, do Instituto Locomotiva, destaca que mesmo as mulheres negras com ensino superior têm salários muito inferiores aos dos homens e mulheres brancas. Segundo o estudo, a mulher negra graduada ganha cerca de 43% do salário do homem branco graduado: apenas mais um reflexo do racismo e sexismo institucionalizados.
 
Porém o problema começa antes. Mulheres negras figuram como a parte mais baixa da pirâmide social brasileira e as maiores vítimas de violência. Elas são 65,9% das vítimas de violência obstétrica (Fiocruz, 2014); são 68,8% das mortes por agressão (Ministério da Justiça, 2015) e têm duas vezes mais chances de serem assassinadas do que mulheres brancas (Ministério da Justiça, 2015). E o Estado tem o seu papel na manutenção disso:
 
“O racismo institucional e a desigualdade de gênero produzem a falta de acesso ou o acesso de menor qualidade aos serviços e direitos pela população negra, sobretudo pelas mulheres. Mas, para além disso, representa também a perpetuação de uma condição estruturante de desigualdade em nossa sociedade.” (Nilza Iraci - Geledés)
 
Mesmo com a edição de leis como tentativa de combater esses casos, falta a implantação dos aspectos práticos.
 
É responsabilidade da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios capacitar de forma permanente e continuada os profissionais que atuam nos órgãos e áreas dos sistemas de segurança, justiça, saúde, educação e assistência social quanto às questões de gênero e de raça e etnia. Incluindo os direitos protegidos pela Lei 7.716/1989 (conhecida como Lei Caó, ou lei contra o racismo) e o parágrafo 3º do artigo 140 do Código Penal Brasileiro, que tipifica o crime de injúria racial, além das legislações sobre o tema em nível estadual ou municipal. (Dossiê Violência contra as Mulheres)
 
No entanto, a garantia de implementação de políticas públicas para mulheres negras tem sido um grande desafio social das últimas décadas. Juliana Borges, no livro O que é encarceramento em massa? destaca o Sistema de Justiça Criminal com uma profunda conexão com o racismo: “É sobre as vidas negras e indígenas que o sistema acelera sua política do extermínio.”
 
Já nos espaços institucionais da vida política, mulheres negras são, em números, insignificantes. É possível identificar que na Câmara dos Deputados, de 513 parlamentares, 52 são mulheres, sendo apenas 7 mulheres negras (IBGE, 2017). Mas mesmo com essa falta de representatividade, conseguimos destacar uma das mulheres negras e exemplo na política, Benedita da Silva.
 
As cotas raciais, políticas públicas paliativas do Estado, na minha concepção, servem para delimitar espaços. Isso porque muitas pessoas de cor branca burlam as leis, principalmente em cursos mais concorridos, para usarem as cotas destinadas aos negros, pardos,etc. Assim, os negros continuam sem ou com um acesso mínimo à educação.
No âmbito cultural, o grito de liberdade pela literatura mostra à sociedade que o negro e a negra têm voz, apesar de tudo. A nas regiões sul e sudeste, a maioria é de escritores brancos. Depois, mulheres brancas e, raramente, autoria negra.
 
De acordo com a Dra. em Literatura Conceição Evaristo (negra e escritora), em entrevista, a importância da escrita foi, para ela, um lugar de questionamento e que se constitui numa espécie de vingança. De certa forma, em sua colocação, percebo como uma forma de dizer que as mulheres negras estão aqui, sabem a que vieram e chega de nos tratar como escória da sociedade. É hora de mostrar que a mulher negra existe não apenas para ser a “ama de leite” da casa grande, cozinheira ou a sambista. Ela pensa, existe, escreve, fala e tem o seu espaço na sociedade.
 
Segundo Maria da Glória Gohn - Movimentos sociais na contemporaneidade, nos “anos de 1990 grupos de mulheres foram organizados em função de sua atuação na política, criando redes de conscientização de seus direitos e frentes de lutas e discriminação.” A ONG CRIOLA (1992) é exemplo de grupo de mulheres negras que se lançou no combate às desigualdades e racismo. Ela atua em duas vertentes: formulação de estratégias e desenvolvimento de políticas públicas. Promove a igualdade racial e política para mulheres e assessoramento e capacitação para ativistas de diferentes áreas em que acumulam piores indicadores sociais no Brasil.
 
As associações de mulheres negras em protestos diversos pelo país buscam reivindicar políticas públicas e os direitos civis de mulheres negras e de toda a sua descendência. Direitos à educação, saúde, saneamento e principalmente segurança para os filhos e netos. Os descendentes das mulheres negras, na maioria das vezes, são tratados como marginais e não cidadãos de bem, que estudam e trabalham.
 
Atualmente, a ideia de redução dos direitos e de políticas públicas tem sido a medida adotada pelo governo Temer para justificar o ajuste fiscal. A redução de direitos e políticas sociais aumentam a pobreza e desigualdade, cenário já familiar no que se refere às mulheres negras no Brasil, já marcadas por tantas desigualdades sociais e como direitos são conquistados.

REFERÊNCIAS
 
SILEIRA, J. I. O destino das mulheres pobres e negras no Brasil de Temer, 7 abril 2017. Disponível em:<https://www.nexojornal.com.br/ensaio/2017/O-destino-das-mulheres-pobres-e-negras/-no-Brasil-de-Temer> Acesso em: 21 fev. 2018.
 
WERNECK, J. Mulheres negras: um olhar sobre as lutas sociais e as políticas públicas no Brasil. Disponível em: <http://criola.org.br/wp-content/uploads/2017/10/livro_mulheresnegras_1_.pdf> Acesso em: 19 fev. 2018.
 
BELLONI, L. Mulher negra graduada no Brasil recebe 43% do salário de homem branco. Disponível em: <http://www.huffpostbrasil.com/2017/11/16/mulher-negra-graduada-no-brasil-recebe-43-do-salario-de-homem-branco_a_23279872/> Acesso em: 21 fev. 2018.
 
Brasil de Fato. Disponível em:<https://www.brasildefato.com.br/2017/07/31/marcha-das-mulheres-negras-cobra-politicas-publicas-contra-racismo-e-desigualdade/> Acesso em: 21 fev. 2018.
 
GOHN, M. G. Movimentos sociais na contemporaneidade. Disponível em: <https://ava.cefor.ifes.edu.br/pluginfile.php/112530/mod_resource/content/1/Texto%20Movimentos%20sociais%20na%20contemporaneidade.pdf> Acesso em: 19 fev. 2018.
 
CEERT. Políticas públicas de promoção da igualdade racial. Disponível em: <https://ava.cefor.ifes.edu.br/pluginfile.php/112531/mod_resource/content/1/%20Livro%20Pol%C3%ADticas%20P%C3%BAblicas%20de%20promo%C3%A7%C3%A3o%20da%20Igualdade%20Racial%20.pdf> Acesso em: 19 fev. 2018.
 
IPEA. Situação social da população negra por estado. Disponível em:<https://ava.cefor.ifes.edu.br/pluginfile.php/112532/mod_resource/content/1/Livro%20Situa%C3%A7%C3%A3o%20social%20da%20popula%C3%A7%C3%A3o%20negra%20por%20estado%20-%20IPEA%20.pdf>  Acesso em: 19 fev. 2018.

Agência Patrícia Galvão. Dossiê Violência contra as Mulheres. Disponível em: <http://www.agenciapatriciagalvao.org.br/dossie/violencias/violencia-e-racismo/> Acesso em: 21 fev. 2018.