Poe e seu gato preto
POE E SEU GATO PRETO
Miguel Carqueija
Gênio da literatura norte-americana, Edgar Allan Poe (1809-1849) viveu pouco, teve uma existência atormentada e mesmo assim produziu considerável obra, embora constituída principalmente de contos e algumas novelas e poesias. O terror, o mistério, o sobrenatural e o crime são uma constante em seus contos. Poe ia fundo quando penetrava no mundo sombrio da perversidade humana, a mostrar inclusive a gratuidade das más ações.
“O gato preto” é seu conto mais divulgado, pelo menos no Brasil, já esbarrei nele em diversas antologias e pelo menos uma revista. É a conhecida história de um sujeito que narra na primeira pessoa (recurso frequente em Poe) sem revelar o próprio nome e de outros personagens. Só quem tem nome é o gato, Plutão. O protagonista é, de início, um sujeito normal, carinhoso com a esposa e amante de animais domésticos, pois criava diversos, inclusive um coelho e um gato.
O gato era bem peculiar: preto e grande, impressionante. Era o favorito de seu dono, amava-o e era por ele amado. Mas tudo iria mudar com a alteração do comportamento do personagem. Alcoólatra como o próprio Poe, vai se tornando mau, maltratando a esposa e sobrando para os bichos. Por fim ele mata cruelmente o gato, sem razão alguma plausível, só por crueldade mesmo. Atormentado por remorsos passageiros arranja outro gato, semelhante em cor e porte, a partir daí o entrecho penetra decididamente no clima sobrenatural até o terrificante e célebre final.
O conto é genial porém mesmo assim admite questionamentos. Por exemplo, o protagonista e sua consorte aparentemente não têm filhos, apesar dos anos de união, e isso não é explicado. Também não são mencionados outros parentes. Estão os dois isolados, não se fala em amigos, e também não se esclarece o seu meio de vida. Em nenhum momento o narrador-protagonista esclarece sobre o que fazia para ganhar a vida. Viveria de rendas? Um incêndio os reduziu à penúria, mas e antes?
Para os fãs de Poe isso deve parecer irrelevante. Afinal, este grande autor enxugava mesmo as suas histórias, ao contrário de outros autores célebres que explicam até demais. Assim, ele omitia o que lhe parecesse supérfluo, como a infra-estrutura dos personagens.
Antiga e, claro, injusta superstição, afirma que os gatos pretos dão azar. Pelo menos nesse caso, parece que deram.
Rio de Janeiro, 11 a 17 de maio de 2019.
POE E SEU GATO PRETO
Miguel Carqueija
Gênio da literatura norte-americana, Edgar Allan Poe (1809-1849) viveu pouco, teve uma existência atormentada e mesmo assim produziu considerável obra, embora constituída principalmente de contos e algumas novelas e poesias. O terror, o mistério, o sobrenatural e o crime são uma constante em seus contos. Poe ia fundo quando penetrava no mundo sombrio da perversidade humana, a mostrar inclusive a gratuidade das más ações.
“O gato preto” é seu conto mais divulgado, pelo menos no Brasil, já esbarrei nele em diversas antologias e pelo menos uma revista. É a conhecida história de um sujeito que narra na primeira pessoa (recurso frequente em Poe) sem revelar o próprio nome e de outros personagens. Só quem tem nome é o gato, Plutão. O protagonista é, de início, um sujeito normal, carinhoso com a esposa e amante de animais domésticos, pois criava diversos, inclusive um coelho e um gato.
O gato era bem peculiar: preto e grande, impressionante. Era o favorito de seu dono, amava-o e era por ele amado. Mas tudo iria mudar com a alteração do comportamento do personagem. Alcoólatra como o próprio Poe, vai se tornando mau, maltratando a esposa e sobrando para os bichos. Por fim ele mata cruelmente o gato, sem razão alguma plausível, só por crueldade mesmo. Atormentado por remorsos passageiros arranja outro gato, semelhante em cor e porte, a partir daí o entrecho penetra decididamente no clima sobrenatural até o terrificante e célebre final.
O conto é genial porém mesmo assim admite questionamentos. Por exemplo, o protagonista e sua consorte aparentemente não têm filhos, apesar dos anos de união, e isso não é explicado. Também não são mencionados outros parentes. Estão os dois isolados, não se fala em amigos, e também não se esclarece o seu meio de vida. Em nenhum momento o narrador-protagonista esclarece sobre o que fazia para ganhar a vida. Viveria de rendas? Um incêndio os reduziu à penúria, mas e antes?
Para os fãs de Poe isso deve parecer irrelevante. Afinal, este grande autor enxugava mesmo as suas histórias, ao contrário de outros autores célebres que explicam até demais. Assim, ele omitia o que lhe parecesse supérfluo, como a infra-estrutura dos personagens.
Antiga e, claro, injusta superstição, afirma que os gatos pretos dão azar. Pelo menos nesse caso, parece que deram.
Rio de Janeiro, 11 a 17 de maio de 2019.