INSPETORA AKANE volume 1: um anjo no inferno
INSPETORA AKANE volume 1: um anjo no inferno
Miguel Carqueija
Dou início aqui a uma série de resenhas de acompanhamento do mangá “Inspector Akane Tsunemori”, lançado recentemente pela Panini, e que se baseia no fascinante seriado de animação “Psycho-Pass” (senha psíquica), cuja primeira temporada foi inteiramente resenhada nesta coluna.
Vamos acompanhar a trajetória da Inspetora Tsunemori Akane, do Departamento de Investigação Criminal do Ministério da Saúde e Bem-Estar do Japão; una das mais emocionantes heroínas dos animês e mangás. Simples, humilde, moralmente íntegra e dona de exemplar senso de justiça, Akane, desprovida de agressividade, é uma heroína como poucas.
A ação se passa num futuro indeterminado mas que pode estar mais próximo do que parece. No Japão foi criado o Sistema Sybil, que a tudo e a todos controla pela medição, por aparelhos de precisão, das tendências criminosas: o chamado “Psycho-Pass”, ou o coeficiente criminal. Por toda parte drones estão vigilantes e qualquer pessoa que apresente tendências criminosas pode ser presa antes de cometer qualquer crime. No caso das tendências homicidas, detetives e executores (os chamados “cães de caça” ou justiceiros, que fazem o trabalho sujo) portam as armas conhecidas como “dominators” que, ligadas ao Sistema Sybil, podem analisar o coeficiente criminal num instante e comunicar ao seu portador credenciado a autorização para atirar no modo paralisia ou, nos casos mais graves, no modo letal, ou seja, armas que não passam de máquinas sem vida efetuam o julgamento sem direito à defesa, e até condenam à morte.
A população consegue mesmo viver feliz, pois a violência foi jugulada e desfruta-se uma tranquilidade antes desconhecida. O próprio Sistema Sybil analisa as aptidões e indica as profissões que cada pessoa deve seguir, e o emprego é garantido. Em suma, vive-se na utopia.
Na verdade porém o que existe é distopia. Não há mais juízes, promotores, advogados, tribunais. Todos os julgamentos são feitos pelo sistema. E quando conhecer esse sistema por dentro, Akane verá o quanto ele é cruel.
Resenha do mangá “Inspector Akane Tsunemori”. Editora Panini, Barueri-SP.2018. Título original japonês: Kanshikan Tsunemori Akane” – Shueisha, Tóquio, 2012. Tradução: Karen Kazumi Hayashida. Arte: Hikaru Miyoshi. “Storyboard”: Gen Urobuchi. Desenho de personagens: Akira Amano. História original: “Psycho-Pass Committee” (sic). Com base na série de animação “Psycho-Pass”.
“Desculpe, mas a falta de gente no nosso departamento está crítica. Não tenho condições de tratá-la como novata.”
(Inspetor Nobushika Ginoza)
“Não considere as pessoas que vai conhecer agora como humanos iguais a nós.”
(Inspetor Nobushika Ginoza)
“O coeficiente criminal é contagioso. Os jovens de hoje não têm resistência ao estresse, por isso são facilmente afetados por impulsos violentos ou intimidações.”
(Tomomi Masaoka)
“Eu recebi nota “A” em treze ministérios e seis empresas. Mas... nesses outros trabalhos, tinha uma ou duas pessoas que receberam a mesma nota que eu. Fui só eu que recebi nota “A” na Agência de Segurança Pública. Fui só eu... uma só pessoa em mais de quinhentos estudantes.”
(Inspetora Tsunemori Akane)
“Eu sei que é um trabalho perigoso e difícil, mas... sinto que esse é o caminho que vai me fazer viver com orgulho.”
(Inspetora Tsunemori Akane)
“Por isso, eu pensei que haveria algo que só eu pudesse fazer na Agência de Segurança Pública. E talvez eu pudesse encontrar a minha verdadeira vocação aqui. Achei que poderia descobrir a razão de ter nascido neste mundo.”
(Inspetora Tsunemori Akane)
“Eu vou decidir minha própria justiça.”
(Inspetora Tsunemori Akane)
Ao se apresentar no primeiro dia para o Inspetor Ginoza — um sujeito magro e alto, de óculos, carrancudo — Akane descobre que tem de entrar em ação imediatamente, com seu colega e os quatro executores ou cães de caça, três homens (Masaoka, Kougami e Kagari) e uma mulher (Kunikuza).
Um sujeito teve o seu coeficiente alto detectado pelo “scanner” de rua, com o matiz muito turvo. Recusou-se a ser detido e fugiu para um quarteirão abandonado, arrastando uma garota sob ameaça de faca. A equipe — seis pessoas — dirige-se imediatamente ao local, onde os droides não podem entrar por falta de sinal, mas em seguida se separam para cercar o criminoso. Akane segue com Kougami e Masaoka, este tentando orientar a recém-chegada,a quem chama paternalmente de “mocinha”.
Entretanto a situação se complica porque, mesmo o agressor sendo morto, agora é a vítima — a jovem violentada, semi-despida, traumatizada — que tem o seu C.C. aumentado a ponto de ser considerada pelo exame da arma, uma criminosa latente. Masaoka vai atirar pelo modo paralisia mas Akane o detém: atirar em quem não fez nada? A garota porém tenta escapar e, encurralada num depósito de querosene, ameaça explodir tudo com um isqueiro. Seu P.P. (o mesmo que C.C., “psycho pass” ou coeficiente criminal) subiu tanto que a arma de Kougami passa a autorizar o disparo letal. Acostumado a obedecer à máquina, Kougami vai matar a infeliz — mas Akane dispara nele, com o modo paralisia.
É antológica a cena em que Akane se aproxima da mulher e com carinho, com lágrimas nos olhos, convence-a a largar o isqueiro e se entregar para tratamento. A coitada viu a compaixão e a compreensão no olhar de Akane e se deixa convencer. Isso não impediu o Inspetor Ginoza de atirar nela, mas no modo paralisia, pois o P.P. já havia caído. Ginoza, contrariado, pede um relatório a Akane, para que ela se explique.
O desfecho desse caso ocorre no dia seguinte, depois que Akane, resolvida embora a fazer a “sua justiça” (não obedecer à máquina), se desculpa com Kougami e agradece uma palavra elogiosa dita por ele. Kougami admite que é raro uma inspetora agradecer a um justiceiro. E é uma Akane já segura de si que entrega a Ginoza o relatório exigido, e este ainda estranha que ela declare ter agido certo. Akane usa argumentos objetivos. A vítima do sequestro, Chika Chimazu tivera o seu coeficiente aumentado de maneira temporária e estava em tratamento, voltando ao normal (afinal o trauma sofrido explicava isso). Não satisfeito Ginoza pergunta a Kougami o que ele tem a dizer; este porém apoia a jovem: “A Inspetora Tsunemori cumpriu com o seu dever.” E o Inspetor Ginoza tem que engolir seu desagrado.
Duas mentalidades começam a se chocar: o pragmatismo de Ginoza e a humanidade de Akane.
Rio de Janeiro, 23 de agosto a 22 de setembro de 2018.
(imagem do mangá, o justiceiro Shinya Kougami; imagens do animê, Tsunemori Akane e sua equipe, por ela humanizada)