A redescoberta e a remodelagem do planeta no período técnico cientifico e os novos papeis das ciências
1 - REFERÊNCIA BIBLIOGRAFICA:
SANTOS, Milton - Metamorfoses do Espaço Habitado, Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Geografia. Hucitec. São Paulo, 1988
2 - PERSPECTIVAS TEORICA
Na primeira abordagem feita nesse texto o autor espera que compreendamos o papel da Geografia dentro de um contexto global e sua contribuição no que se refere as mudanças que ocorrem nos espaços decorrentes da ação do homem - as quais, ele chama de ‘metamorfoses’ - da expansão capitalista e da globalização. Por ser uma ciência que trata do espaço e do homem tem todo um arcabouço de informações que permite uma melhor compreensão dessas ‘metamorfoses’ nos respectivos espaços. Na segunda abordagem trata da universalização do mundo e das relações sociais contextualizando-as com o capitalismo; do uso da ciência e suas atividades, mostrando que antes a ciência era utilizada com o objetivo de resolver os problemas de sociedade em prol do bem comum, nos dias atuais é usada com um outro objetivo, atender a demanda capitalista como ferramenta no desenvolvimento de técnicas capaz de proporcionar maior produção e consumo. O autor comenta também que a expansão produtiva e consumista, a universalização das relações socioeconômicas, os efeitos da produção e do consumo desordenado seriam os responsáveis pelas distorções socioeconômicas existentes entre alguns países e suas sociedades. Para o autor, cabe agora a geografia reencontrar o seu caminho como ciência do homem e da sociedade e assumir o seu papel de ciência critica. Deixa claro que diferente das outras ciências sociais, a geografia como ciência crítica tem de ter sempre algo a propor, ‘explicita ou implicitamente, sem o que não contribui para o avanço do conhecimento’. Não basta as ciências apenas criticar, tem de fazer uma leitura analítica daquilo que se observa e se faz a crítica. Concluindo o autor chama a tenção para o aumento desordenado da população mundial e suas consequências para os espaços rurais e urbanos; faz também uma ligação entre esse aumento da população e a necessidade de aumento de produção de gêneros alimentícios entre outras necessidades. E chama a atenção para o fato de que o aumento da produção mundial influencia na mudança de configuração espacial, seja urbana e do campo.
3 – PRINCIPAIS TESES DESENVOLVIDAS
Diante da conjuntura sócio econômica mundial e todos os acontecimentos que a envolve – com destaque aqui para a revolução cientifica no início do século XIX, o pós guerra e a Globalização – as ciências do homem e da sociedade gozam de certo privilégio por se tratar de um conjunto de ciências dotadas de conhecimentos capazes de compreender e interpretar as transformações ocorridas no espaço global habitado pelo homem. Por se tratar da dialética entre espaço e homem dentro de um contexto socioeconômico mundial, a ciência geográfica tem importante papel a desenvolver nesse novo mundo reestruturado, pois, as mudanças incitadas pela segunda revolução industrial no início do século XIX, influenciaram por completo a relação entre homem e natureza, gerando com isso, distorções políticas, sociais e econômicas em todos continentes, além das mudanças em suas configurações espaciais. Compreender, explicar e apresentar soluções dinâmicas para esse novo processo de desenvolvimento e suas metamorfoses é um grande desafio para as ciências do homem e da sociedade, visto que, com a utilização da ciência e tecnologia pelo o capital, tais metamorfoses, oriundas das relações homem e espaço tornaram-se mais aceleradas e dinâmicas. Cabe aqui uma pergunta bem oportuna: Está realmente a geografia – e as disciplinas que a compõem – apta a responder as indagações feitas pela actual conjuntura socioeconômica global a respeito das actuais mudanças? Que caminhos tomaram as ciências a partir do início do século XIX? Está ela – a ciência – cumprindo o papel a que se propôs? Na introdução desse livro - Metamorfoses do espaço habitado (Santos 1988) - o autor escreveu que ‘A geografia crítica não se pode contentar em ser apenas crítica. Para ser útil e utilizada, a crítica tem de ser analítica e não apenas discursiva’. No texto ele deixa claro que a crítica tem de ter sempre algo a propor, ‘explicita ou implicitamente, sem o que não contribui para o avanço do conhecimento’; e ainda pergunta se devemos crer que haverá uma nova geografia renovada e se a mesma poderá afirmar-se. A geografia se revestirá realmente de uma nova roupagem ou continuará na inércia que mergulhou? A expansão capitalista trouxe para a sociedade benefícios mas também gerou efeitos colaterais que mudaram a configuração do espaço global e geraram diferenças sócios econômicas consideráveis.
Como já foi dito, a universalização do mundo gerou certa interdependência capitalista, desigualdades sociais e econômicas entre alguns países. Ao fazermos uma leitura da actual distribuição geográfica mundial, perceberemos que estas mesmas desigualdades se reproduzem no interior de suas sociedades, basta olharmos as distorções existentes entre as classes sociais que formam as mesmas. O uso das ciências sociais a serviço do capitalismo levou a alienação do homem e das sociedades, fugindo assim do seu principal objetivo, desenvolver meios capazes de solucionar os problemas da sociedade moderna e lhe proporcionar uma melhor qualidade de vida. Ao serem utilizadas como ferramentas pelo sistema capitalista, as ciências sociais passaram a desenvolver técnicas de marketing capaz de induzir o homem e as sociedades a adquirir produtos que não precisam e consumir o que não tem real necessidade. Gerou-se um vínculo consumista com um único objetivo, o acumulo de capital para alguns e a escassez do mesmo para outros. A condição de produção e consumo a nível mundial só é possível a partir do momento em que a ciência passou a ser utilizada pelo capital no sentido de desenvolver técnicas de produção e consumo. A revolução industrial que aconteceu no início do século XIX, trouxe em sua bagagem todo um arcabouço de informações que proporcionaram o desenvolvimento tecnológico, bem como a corrida voltada para a produção em massa. Como já foi exposto acima, a cientificização da produção gerou uma dependência social e econômica dentro da própria estrutura capitalista. A partir do momento em que o trabalho cientifico passa a ser desenvolvido no intuito de atender aos interesses de instituições privadas comprometidas com o lucro capital, passa também a ser uma ciência contaminada pelo interesse capital, norteadas por intensões pervertidas destituídas de verdades cientificas. O desenvolvimento econômico castrou a autonomia cientifica, a autonomia de disciplinas cujo objetivo desejado sempre foi desenvolver um trabalho cientifico voltado para atender o bem comum, perdeu seu conteúdo teleológico e agora é realizado apenas sobre uma ótica pragmática, no intuito de atender as necessidades daqueles que encomendam pesquisas de cunho utilitarista. Infelizmente a geografia não fugiu a essa regra, e o preço que pagou por esse erro perdura até os dias atuais. Citando M. Bunge (1968) o autor enfatiza que a partir do momento em que o trabalho cientifico é realizado com o intuito de atender a objetivos utilitariamente estabelecidos, cria-se a possibilidade de um sucesso prático das teorias falsas, e afirma que tal prática gera um assoalho para que se fale, e com razão, de perversão da ciência. A cientificização das estruturas capitalistas serviu como base para a promoção de desigualdades sociais existentes entre alguns países e suas classes sociais, diante desses fatos pode-se sim fazer uma ligação entre sociedade global e crise global. Tal situação repercutiu e atingiu a comunidade cientifica e suas atividades, dentro dela a geografia e suas disciplinas.
Uma das características bem notáveis na atualidade é a priorização de atividades quase sempre destinadas a atender questões com resultados imediatos de carácter utilitaristas, e ao mesmo tempo pelo fim de um ciclo de mudanças tendenciosas. A ciência – como já fora exposto – tornou-se uma força a serviço da produção, no entanto, dentro dessa mesma realidade observa-se ao menos um ponto positivo, o saber humano ganhou mais importância e maior destaque em função da capacidade de conhecer mais profundamente o planeta e todas as possibilidades por ele proporcionada. Cabe agora encontrar uma maneira de utilizar dessas possibilidades a serviço da humanidade, a qual, nas palavras de R. Wuthron (1980, p.30) ‘Trata-se de uma tarefa de longo folego, mas não impossível, que supõe a existência de uma ciência autônoma’. Para que isso aconteça o autor faz a seguinte recomendação:
‘As condições locais da economia internacional acabam por dar a primazia ao império tecnológico... cumpre agora chegar a uma liberação desse imperativo tecnológico e subordinar as escolhas técnicas a finalidades bem mais amplas que a própria economia’. (SANTOS, Milton 19880).
Fica claro na recomendação do autor que já está na hora de todo o aparato tecnológico que compõe a estrutura capitalista, ser usado para outras finalidades que não apenas econômica. Também ficou bem explicito que na questão aqui abordada, não trata-se mais de um problema de cunho técnico das ciências exatas, a problemática agora diz respeito às ciências sociais, que vê suas responsabilidades aumentadas. Cabe agora as ciências do homem e da sociedade, dentre as quais destacamos a geografia, assumir o seu papel de ciência crítica, empenhada em compreender os espaços e sua dialética social, afinal, são nos espaços que acontecem as coisas e os fatos, obedecendo a uma dialética própria de funcionamento. O espaço é compreendido como uma condição dos processos sociais e para entender tais processos, tem de se utilizar técnicas capazes de sintetizar o relacionamento que existe entre eles. É a geografia uma ciência crítica capaz de entender e explicar tais processos, propondo melhores opções para as distorções socioeconômicas causadas pela expansão capitalista nesses espaços.
São claras as mudanças decorrentes dos avanços científicos na atual conjuntura mundial, tais mudanças são até passivas de serem mensuradas, tanto qualitativa quanto quantitativamente. As populações sofreram um aumento demográfico sem precedentes, a população mundial dobrou em menos de meio século, esse processo de crescimento demográfico gera um maior consumo e consequentemente a necessidade de maior produção, seja de alimentos ou de gêneros de primeira necessidade. Esse fato repercute nas configurações dos meios urbano e rural, pois, como já foi mencionado, havendo a necessidade de maior consumo haverá consequentemente a necessidade de maior produção. O meio urbano tem sofrido mudanças drásticas na atualidade, as cidades estão cada vez mais crescendo e a paisagem natural torna-se cada vez mais artificial, ou como caracteriza o autor, ‘cultural’. A cada dia a paisagem natural dar espaço a paisagem cultural que por sua vez assume sua forma transformando as configurações dos meios urbanos. A própria paisagem rural não tem a mesma configuração que lhe é peculiar, habitantes naturais desse espaço deslocam-se para os meios urbanos e passam agora a ser cidadãos urbanos. Não muito diferente do que aconteceu na Europa em função da primeira revolução industrial no século XVIII (onde a população migrou do campo para os centros urbanos a procura de trabalho causando o ‘bug’ urbano e o caos no campo) as cidades estão superlotadas e os campos estão cada vez mais vazios de mão de obra. A diferença é que nos atuais dias a falta de pessoal no campo é compensada pelo advento da tecnologia na prática agrícola. Não diferente de outras áreas produtivas, a agricultura também beneficiou-se dos progressos científicos. O desenvolvimento de técnicas bem como a utilização de insumos e implementos agrícola na produção, permite que se produza uma maior quantidade utilizando de menor contingente de mão de obra em um menor espaço. O capital, antes privilegio dos centros urbanos e industriais, agora passa a fazer parte do campo em forma de aparatos tecnológico como implementos agrícola, máquinas, sementes selecionadas, fertilizantes, herbicidas etc. Antes havia certa dificuldade para se escoar a produção, hoje, tem-se a disposição estradas de ferro e rodoviárias que asseguram ao segmento agrícola a circulação mais rápida com um custo relativamente mais baixo. Essa disposição de logística favorece a ligação entre a área rural e os centros urbanos, gerando assim um ambiente propicio ao transporte da produção para suprir as cidades. No entanto tais mudanças tem o seu preço, o ambiente natural sofre transformações em sua paisagem que não podem ser reparadas a curto prazo – e muitas vezes nem podem – influenciando na própria condição de vida humana. É fácil de se observar nas cidades sociedades doentes e uma grande diferença socioeconômica, principalmente se nos atermos aos subúrbios dessas cidades, onde vivem as sociedades de baixa renda. Os efeitos colaterais dessas transformações mostram-se cada vez mais claras ao observarmos o agravamento da saúde física e mental das populações em seus ambiente e sua condição de vida. O homem transformou o meio ambiente natural e saudável em um outro mais artificial e fabricado, gerando com isso um ambiente de natureza hostil, onde sua sobrevivência depende de transformações e adaptação ao meio.
BIBLIOGRAFIA:
• SANTOS, Milton - Metamorfoses do Espaço Habitado, Fundamentos Teóricos e Metodológicos da Geografia. Hucitec, São Paulo 1988