"A tessitura dos personagens negros na literatura infantojuvenil brasileira"

OLIVEIRA, Maria Anória de Jesus. A tessitura dos personagens negros na literatura infantojuvenil brasileira. Disponível em: . Acesso em: 30 nov 2016.

A literatura brasileira sempre foi muito abrangente com diversos escritores que tiveram talento de sobre nas áreas da poesia e da prosa. Percebe-se que a literatura nacional passou por um processo demorado para se declamar de fato sem própria, ou seja, sem reflexos ou influências vindas da Europa, principalmente de Portugal, embora houve certa aparência com elementos externos, como ocorreu durante o Realismo brasileiro por ter utilizado ideais iluministas.
Para Flora Sussekind, a literatura nacional passou por um “processo retilíneo de abrasileiramento”, em que a ideia cronológica da história literária do Brasil passava por uma reta, em que tentava acabar com as tradições europeias na sua produção literária. No início, havia uma produção sobre a terra/natureza da região, assim como houve com a chegada de Pero Vaz de Caminha. Além disso, houve um movimento em direção a uma conquista de suas próprias características que começaram a ser estabelecidas a partir do Romantismo, em que, de fato, começou-se a se definir uma singularidade na literatura brasileira para os escritos se diferenciassem do europeu.
Ao longo dos anos, a literatura brasileira foi se modelando com suas próprias característica a fim de formar seu próprio molde, fato que tornou a produção muito diferenciada em termos de conteúdo, formas e influências, variando a cada século devido às principais temáticas e interferências nas formas. A literatura afro-brasileira, tema principal dos textos resenhados, foi se contornando ao pouco e ganhando espaço entre os escritores, principalmente quando se começou a se discutir temas mais uma conscientização nacional e racial, como ocorreu no século XIX, com a Inconfidência Mineira, e no século XX, quando ocorreu o Modernismo em que alguns escritores elaboraram obras acerca do nativismo, como Mário de Andrade, cuja obra principal, Macunaíma, delineava sobre este de modo bem crítico.
Em seu texto A tessitura dos personagens negros na literatura infantojuvenil brasileira, Maria Anória pretendeu analisar como o negro era descrito nas obras de literatura infantojuvenil, em que foram verificadas três temáticas principais: a pobreza, o preconceito racial e o enaltecimento da beleza negra utilizando palavras como “marrom” e “pretinha”. Segundo a autora, no âmbito escolar havia muitos problemas na produção e divulgação de livros sobre a assuntos afro-brasileiros, no quanto, quando se havia algo já estabelecido, era mal utilizado elos educadores, que apresentavam dificuldades em pôr fim às situações que indicassem algum tipo de racismo, como por exemplo, a escolha de personagens negros em peças de teatro.
Em um país que foi escravocrata por séculos, o negro demorou a ganhar foco na literatura, ainda mais como personagem principal. Um exemplo típico desse caso foi o livro O Mulato, de Aluísio Azevedo, em que o personagem Raimundo teve uma das raras oportunidades para um negro da época: fazer Direito em Portugal. No entanto, a relação dele com a sociedade ludovicence era de embraqueamento por ele mesmo não se considerar negro, principalmente ela condição que tinha. Outro caso que ganhou percussão foi a produção literária de Mário de Andrade, como Macunaíma, a qual destacou a tradição indígena em falou sobre:
 
[...] Lendas de índios, ditados populares, obscenidades, estereótipos desenvolvidos na sátira popular, atitudes em face do europeu, mostrando como cada valor aceito na tradição acadêmica e oficial correspondia, na tradição popular, um valor recalcado que precisava adquirir estado de literatura.

A presença do negro na literatura tornou-se mais notória a partir do Modernismo, cujos ideias implicava em debater sobre temas sociais no contexto nacional. No começo do século XX, o nacionalismo estava mais vigente na produção literária, logo os problemas sociais, como o preconceito, começaram a ser debatidos nos livros.
O mulato e o negro são definitivamente incorporados como temas de estudos, inspiração, exemplo. O primitivismo é agora fonte de beleza e não mais empecilho à elaboração da cultura. Isso, na literatura, na pintura, na música, nas ciências do homem.
Na era modernista, o Brasil passava por diversas modificações em vários setores (sociais, econômicos, políticos), com o processo de urbanização do sul e sudeste, com as mudanças do homem no campo. Monteiro Lobato foi um dos escritores do Pré-Modernismo que criticaram de forma forte os processos socioeconômicos que aconteciam no país, além de haver:
 
[...] uma busca de uma nova identidade cultural. Sabia-se que a literatura de base realista estava desgastada, mas ainda não se sabia o que fazer de fato.

Em relação às questões étnico-raciais, Maria Anória faz uma crítica forte em relação ao lugar do negro na literatura devido à escassez de personagens negros nas produções literárias. Além disso, sempre que há um negro em um livro todos são descritos a partir de uma perspectiva da pobreza. Ela diz que é necessária uma reflexão para:
 
[...] visualizar os fios do racismo à brasileira e do mito da democracia racial, os quais vêm corroborando para a dissimulação e disseminação do preconceito e da ideologia do branqueamento no país, haja vista a influência desses ideários em nosso cotidiano.

E é a partir deste contexto que Maria Anória começa a estabelecer a literatura infantojuvenil como meio de discutir no âmbito escolar o preceito e o lugar do negro. Entretanto, o que se percebe, segundo a autora, é o negro sendo tratado e quase sempre relacionado à pobreza, sujeira, feiura, passividade, etc.
Desde os anos 20 e 70, durante o período da produção literária de Monteiro Lobato, a maioria dos personagens negros continuava sendo exposta como “uma visão racista e etnocêntrica” , sempre por meio de traços que menosprezavam a cultura negra. Logo, para alguns pesquisadores – como Rosemberg (1985), Abramovich (1991) e Saraiva (2001) citados pela autora -, era importante que houvesse uma valorização étnica e racial em relação aos negros que, na maioria das narrativas, eram postos:
 
[...] sem nome, animalizado, em papéis serviçais, desqualificados, além de serem associados a personagens maus, à sujeira, à tragédia, e de ter um acabamento ‘ficcional’ inferior em relação aos personagens brancos, no tocante {a origem geográfica, a religião e à ‘situação familiar e conjugal’.

Percebe-se que o preconceito era muito discutido, no entanto os textos publicados tratavam o negro a partir de estereótipos e fatos baseados no senso comum. A colocação do personagem branco era feita com objetivo de elevá-lo de forma a depreciar o negro, principalmente por sempre estar à margem da sociedade.
A Maria Anória faz uma análise sobre algumas obras produzidas entre 1979 e 1989, nas quais haviam negros com personagens negros protagonistas – masculinas e femininas. Portanto, percebe-se que houve uma inovação por ser difícil um negro tomar o papel central de uma obra, embora ainda continuasse com os mesmos temas de antes ao colocarem os negros sempre com os mesmos problemas sociais. A maior parte dos livros analisados mostrava os seguintes itens ao caracterizar o negro: a aparência, a atividade profissional, o espaço social, a origem familiar e a identificação. Em relação à aparência, as narrativas que denunciam sempre associam o negro a feiura; na atividade profissional, o negro sempre possui um emprego desprestigiado, como funções serviçais; o espaço social é sempre destacado na favela, morro como ambientes do protagonista; na origem familiar, prevalece a ausência do pai/negro e, às vezes, o filho era entregue ao mundo; e em relação à identificação, alguns negros são identificados pelo apelido.
Nota-se, a partir daí, mesmo que tivesse ocorrido alguma inovação, que o negro sempre foi colocado à margem. Por mais que o negro fosse retratado com uma situação melhor, os personagens brancos, mesmo pobres, eram colocados em uma posição social melhor que a do negro. Segundo a autora, as diferenças principais entre os personagens brancas e negras são que:
 
Os protagonistas negros simbolizam, ainda, a perfeição, sendo aqueles que resistem ao meio social corrompido, à marginalidade; são honestos, bondosos, trabalhadores, inteligentes (embora ingênuos alguns). [...]
Os personagens brancos simbolizam duas faces extremas: (1ª) daqueles perfeitos bondosos, atenciosos, preocupados e acolhedores ‘tutores’ dos personagens negros. São os responsáveis pela salvação e até pela educação dos coitados ‘meninos’, abandonados, jogados à própria sorte.

Assim, percebe-se que o negro foi, mesmo que mais suavemente, em posições mais inferiores, sendo tratados com todo sofrimento e humilhação durante o enredo. Um exemplo disso é na obra A história do galo marquês, de Ganymédes José, em que:
 
[...] o narrador tenta criticar o sistema escravocrata brasileiro, procurando evidenciar as diferenças entre os senhores e escravos porém, no desenrolar da trama, ele acaba ressaltando mesmo é a subserviência, inferioridade e passividade do escravo, o qual contatava com senhores patriarcais, ‘amenos’, preocupados com os seus conselheiros e amigos serviçais.

Com tudo isso, pode-se corroborar a ideia de que os personagens negros, por mais que utilizados como protagonistas, foram inferiorizados, embora se tentasse de denunciar todas as mazelas sofridas por eles, como a pobreza, preconceito racial. A autora Maria Anória constatou que os principais temas denunciados foram
 
1) em grande maioria, associados à pobreza, quando não à miserabilidade humana; 2) desamparados, sem família, haja vista a carência do pai e/ou da mãe; 3) tutelados pelo branco bom; 4) tecidos de maneira inferiorizada e sujeitos à violência verbal e/ou física; 5) enaltecidos pelos atributos físicos e/ou intelectuais, com vistas à democracia racial.

Assim, o negro sempre foi utilizado nas obras literárias a partir de um ideal inferior ao branco. Compreende-se que associação do negro sempre foi feita em relação a assuntos negativos ao longo da narrativa, com piadas sempre negativas com teor racista e o negro sempre colocado em ambientes marginalizados, com raras exceções, no entanto, quando colocados em locais mais desenvolvidos, na maioria das vezes o negro era menosprezado.
Na literatura infantojuvenil, esses fatos ainda ocorrem, principalmente quando se tenta debater sobre a relação inter-racial e sobre a identidade do negro. Logo, nota-se nas obras desse gênero que há sempre a diferença entre “preto”, “marrom” e “negros” no teor de mestiçagem para hierarquizar os grupos através da questão étnica-racial. Pode-se constatar isso no livro A cor da Ternura, de Geni Guimarães, publicado em 1989. Em uma parte do enredo, a Geni pergunta ao pai qual a cor de Deus e, ao ouvir “branco” como resposta, Geni questiona por qual motivo Deus não ser negro. Neste diálogo, entende-se que as questões sobre espiritualidade, relações raciais – em que alguns personagens são passivos -, a pobreza em que vivem as personagens, que ainda vivem em ambientes repletos de preconceitos.
Depois de toda esta análise, o objetivo central da autora foi descrever – com presteza – a forma como o negro é visto na produção literária no Brasil, além de tentar esclarecer como este tipo de assunto pode ser abordado no âmbito escolar, com objetivo central de extinguir o preconceito racial e explicitar estes fatos para os alunos.
Ricardo Miranda Filho
Enviado por Ricardo Miranda Filho em 04/12/2016
Reeditado em 04/12/2016
Código do texto: T5843236
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