O GRAFITE EM BELO HORIZONTE: ARTE NO LUGAR DO VANDALISMO

*Sineimar reis

O Grafite é uma arte de rua (urbana) caracterizada por desenhos em locais públicos, (paredes, edifícios, ruas, etc) que surgiu na década de 70, nos Estados Unidos, na cidade de Nova York. O termo Grafite, de origem italiana “graffito” (plural “graffite”) significa a “escrita feita com carvão”.

No Brasil, esta arte surgiu na década de 70, precisamente na cidade de São Paulo, época conturbada da história do Brasil, silenciada pela censura com a chegada dos militares no poder. Paralelamente ao movimento que despontava em Nova Iorque, o grafite surge no cenário da metrópole brasileira como uma arte transgressora, a linguagem da rua, da marginalidade, que não pede licença e que grita nas paredes da cidade os incômodos de uma geração.

As primeiras manifestações artísticas relacionadas com o grafite e a pichação em Belo Horizonte se deram em meados da década de 1980. Segundo relatos, ocorreu sob a influência Norte-americana para com o mundo ao difundir a cultura Hipo Hop e as peculiaridades que envolviam esta nova cultura através de filmes em que se demonstrava o grafite e a pichação pela primeira vez ao mundo.

Os pequenos grupos de hip hop ganharam proporções maiores após o sucesso do filme Beat Street, que retratava o dia-a-dia de jovens do gueto americano ligados ao hip hop, algo que se tornou referência para os jovens dos guetos mundo a fora, não seria diferente no Brasil e em Belo Horizonte.

A cultura hip hop foi um marco inicial para o grafite e a pichação, isso é inegável, não que tal cultura seja incentivadora do vândalo, mas de forma inconsciente os jovens não estadunidenses se viram maravilhados com aqueles desenhos até então nunca vistos, tal forma de expressão artística era estranha ao mundo, o que se via como pichação e grafite nos centros urbanos até então era apenas inscrições de caráter político “abaixo a ditadura”, “fora fulano de tal” e “viva ciclano”.

De acordo com pesquisas relacionadas ao assunto posso dizer que houve em Belo Horizonte um cartunista é apontado como o primeiro a lançar os primeiros dizeres auto-promocionais de pichação nos muros de Belo Horizonte em meados de 1985, o mesmo escreveu por boa parte da cidade as mensagens “Leia Celton” e “Celton”, visando divulgar suas histórias em quadrinhos cujo título é Celton. Depois disso Celton fez sua divulgação pessoalmente pelas ruas da capital, tendo adquirido casa própria e outros bens graças à tamanha divulgação, tendo inclusive participado do programa televisivo Jô Soares da TV Globo contando sua saga.

O primeiro grafite que se viu em Belo Horizonte atribui-se à “Dentinho”, que em meados de 1987, em um local que se praticava o skate como esporte na cidade, o bowl do Anchieta, bairro nobre da capital mineira. Na oportunidade Dentinho expressou-se através da grafitagem do bowl sob os olhares dos primeiros adeptos da cultura hip hop que se tem notícia na capital mineira, que naquele bairro era difundida por ser um ponto de encontro para os adeptos. Outros tantos seguiram o caminho de Dentinho e outros tantos pontos de encontro e grupos de grafiteiros foram surgindo na cidade, valendo destacar os bairros Carlos Prates, Caiçara, Cabana, Planalto, Santa Tereza, Venda Nova, Barreiro e Cachoeirinha, sendo estes bairros os mais influenciados pela cultura hip hop e conseqüentemente pelo grafite e a pichação, não que o hip hop incentive o crime, mas o grafite é elemento essencial desta cultura, juntamente com o rap, break e o dee jay.

Os grafites predominavam perante as pichações isoladas antes da década de 1990, em 1991 os grafiteiros se reuniam para grafitar a escadaria da Sulacap e esta é a primeira notícia de criação de grupos voltados para o grafite na cidade.

Relatos de grafiteiros dão notícia que até a metade da década de 90 os grafites eram realizados apenas sob autorização dos proprietários do imóvel, haja vista a demanda de tempo, a ausência de técnica e o intuito divulgativo da arte urbana. Praticamente não existia a figura do grafite como crime, a sociedade como um todo admirava tal manifestação artística e ainda hoje à vê com bons olhos em detrimento da pichação.

A segunda metade da década de 90 é palco do boom da pichação em Belo Horizonte, até alguns grafiteiros passaram também a pichar sua assinatura para conquistar reconhecimento e divulgar suas marcas.

Aquilo que era disseminação de uma cultura tornou-se uma prática grupal com viés competitivo no decorrer da década de 1990. Alguns grupos passaram a se dedicar exclusivamente ao grafite e à pichação nessa década, eis que surgem as primeiras “galeras”, grupos de pichadores e ou de grafiteiros.

Predominantemente os pichadores e grafiteiros dessa época eram jovens de 15 a 20 anos, de classe média e classe média alta, com o ensino médio em curso ou concluído. Os principais pichadores da época moravam em bairros mais centralizados da capital mineira, tinham família bem estruturada e estudavam em escolas particulares.

Os fliperamas dos shoppings eram considerados como ponto de encontro, o pichador “Jiraia”¹ define bem o perfil dos pichadores dessa época, este foi um dos mais terríveis difusores da pichação em Belo Horizonte, primeiro a adotar a estratégia de pichar o mesmo estilo de escrita para fixar sua marca e primeiro a privilegiar as principais avenidas da cidade para divulgar sua marca, algo similar com o que ocorre com os outdoors”.

O período de 1995 é marcado pelo surgimento de “galeras” de pichadores por toda cidade e região metropolitana, fazendo com que a prefeitura de Belo Horizonte publicasse a Lei 6.995 em novembro de 1995, proibindo a pichação, considerando-a como “ato de inserir desenhos obscenos ou escritas ininteligíveis nos bens móveis ou imóveis, sem autorização do proprietário, com o objetivo de sujar, destruir ou ofender a moral e os bons costumes”.

Contudo, ineficaz, ainda mais diante do relógio da sede da Prefeitura de Belo Horizonte que foi alvo do pichador “Skilo” na mesma época.

Apesar do esforço, a proposta provocativa da pichação predominou, sendo que grupos continuaram a surgir cada vez mais organizados e decididos com seus propósitos, surgindo inclusive grupos de pichadores notáveis, uma espécie de “top pichadores”, entre esses se destaca os grupos pioneiros “Pichadores de Elite” e “Geração Blue Sky”, mas após severa e aprofundada investigação da Polícia Civil (Warley) esses grupos desapareceram após a prisão dos membros no final da década de 1990. Porém, os pioneiros foram sucedidos por outros grupos, tais como “Melhores de Belô” e o mais recente deles “Piores de Belô”.

Em 1999 a pichação já incomodava a sociedade Brasil a fora, especialmente Belo Horizonte, São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador e outras capitais de Estados brasileiros. O Ex-Prefeito de Belo Horizonte, Célio de Castro, nesta época adotou uma política até então diferente, chamou os pichadores e grafiteiros para dialogar, fundando o Projeto Guernica em 1999, com a proposta de desviar a mente dolosa dos jovens praticantes para oficinas de arte.

O projeto Guernica é um programa da Prefeitura de Belo Horizonte, em parceria com o centro cultural UFMG e a FUNDEP, sendo desde o ano 2000, sustentado não só por se constituir em um espaço de estudo e pesquisa, mas também por implementar uma proposta de política pública para a pichação e o grafite na cidade. Nessa proposta, leva em consideração o problema do patrimônio, do urbanismo e da história. Ao perceber a pichação e o grafite como escrita tomada como necessária pelos jovens, propõe, como objetivos, abrir o debate e estabelecer ações que abram o leque de alternativas, que possibilitem aos jovens freqüentar outros discursos e espaços da cidade, buscando ampliar os recursos técnicos e conceituais de cada um. Como metodologia, disponibiliza aos jovens de bairros populares uma passagem pela arte, por meio de oficinas com novos suportes para a escrita e a arte, seminários, palestras, participações em eventos de instituições, apropriação de espaços urbanos e uma grande campanha para a rede escolar. Como resultado, há ampliação das possibilidades da escrita, com o abandono das práticas transgressoras, maior respeito à memória social e o estabelecimento de laços sociais favoráveis ao mercado de trabalho e à participação cidadã. (LODI, 2004, p.1).

No mesmo ano surge a AMG2 (Associação Amiga dos Grafiteiros), com 142 integrantes, entre outras ações que visaram intervir no processo degradante no visual urbanístico da cidade.

Vale trazer à tona, constatações que caracterizam a história e a relação destes grupos no ano de 2000 até o presente momento, policiais civis, pichadores e grafiteiros relatam que muitas pessoas morreram em Belo Horizonte por conta da pichação, quase sempre por afrontarem outros pichadores em nome do reconhecimento, respeito e status dentro e fora de seus grupos. Ser preso não é o maior medo de um pichador, seu maior medo é ser esquecido.

A pichação foi porta de entrada para outros crimes na vida de alguns pichadores, passagens esporádicas pelo furto, homicídio, roubo, consumo de entorpecentes e tráfico também é um deles conforme levantamento de dados junto aos profissionais em segurança pública, contudo, pichadores de quase 40 anos de idade continuam atuando, abandonam os crimes atípicos entre eles, mas a pichação quase nunca.

Atualmente os perfis do pichador e do grafiteiro se diferenciam substancialmente, o pichador geralmente ocupa a classe média e média baixa, já os grafiteiros, geralmente ocupam a classe média e média alta. O pichador raramente conclui o ensino médio, já os grafiteiros normalmente concluíram o ensino médio e estão cursando o ensino superior. Pichadores possuem em média 17 a 25 anos, os grafiteiros em média têm entre 22 e 30 anos.

Na atualidade, o grafite avançou e muito, ganhou espaço e até virou livro.

O livro retrata a cultura do grafite nas ruas de Belo Horizonte, Mariana Gontijo salienta que...

O grafite já era reconhecido como cultura e arte, mas na lei era crime. Partindo desse conflito, em 2010. (GONTIJO. 2015, p1).

Durante cinco meses, Mariana explorou o ambiente cultural do Duelo de MCs, tradicional batalha de rap que, até 2011, era realizada às sextas-feiras debaixo do Viaduto Santa Tereza.

Em meio à mais original manifestação da cultura hip-hop de BH, a autora conheceu os personagens de sua narrativa: 10 grafiteiros e cinco pichadores. Entre eles, o DJ Roger Dee, hoje integrante do coletivo Família de Rua, e um dos pioneiros na cena do grafite da década de 1980.

Mariana Gontijo enfatiza que tanto o ‘pixo’ quanto o grafite são culturas no sentido antropológico. A cultura da pichação é, talvez, até maior do ponto de vista da união do grupo. Existe uma cultura mais coesa. No grafite, eles (artistas) são mais autorais, cada um faz o seu ‘corre’.

Ela pondera que existe um descompasso entre a Lei de Crimes Ambientas – Lei 9.605/98 – e a Constituição de 1988, quando houve uma abertura grande da participação da sociedade na construção do conceito de cultura. “Defendo que, quando o artista vai para a rua, esse ato já é jurídico (de direito). A participação política pode ocorrer fora dos conselhos.

Outro ponto de questionamento do livro da autora é a forte dicotomia na legislação em relação ao tratamento da pichaação e do grafite. Até 2011, as práticas eram definidas da mesma maneira: grafitar ou pichar bem público ou privado era crime. A partir de 2011, deixa de constituir crime o grafite que tem autorização e que, simultaneamente, seja reconhecido como manifestação artística. “E quem vai falar o que é manifestação artística? Pode ser o Estado, por meio do Judiciário, o que é raro – ou o poder público. O que ocorre é que a polícia fala se é ou não”, diz a escritora.

A meu ver, a melhor tentativa para entender isso é o diálogo. Pichação é coisa complexa. Nem eles (pichadores) querem que o ato deixe de ser ilegal. Eles querem a descriminalização e que deixem de ser bode expiatório na rua, mas que continue como um ato transgressor.

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¹ Jiraia é um dos pichadores que atingiram a notoriedade, sua trajetória como pichador é reconhecida até os dias atuais, entrevistados apontam jiraia, paco, skilo, cossi, colhes e fuga como os referências para os pichadores iniciantes da década de 1990.

Sineimar Reis
Enviado por Sineimar Reis em 04/08/2016
Reeditado em 04/08/2016
Código do texto: T5719237
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