A Lenda de Korra - Crítica da Série completa
Muito diferente da grande maioria dos fãs de Korra, eu não assisti a Avatar – a Lenda de Aang quando era uma criança ou adolescente. Eu assisti a série sobre Aang aos 24 anos de idade, aconselhado por dois amigos que gostavam da serie por motivos diferentes.
Não vou me conter aqui, eu ameia a série! A saga de Aang (o Avatar – que é a única pessoa do mundo capaz de dominar os 4 elementos) é maravilhosa em todos os aspectos! Ela é rica em detalhes e crescimento de personagens, é cheia de reviravoltas e referências a diversas culturas de nosso mundo e trata de forma adequada para crianças sobre uma guerra de colonização! Ao mesmo tempo, ela é uma série leve, recheada de boas piadas, belos duelos e, claro, confrontos épicos!
Avatar: A lenda de Aang me marcou muito enquanto escritor, pois tem arcos de história e conflitos explorados com tanta beleza e simplicidade que a possibilidade de eu nunca ser capaz de criar uma história tão boa ainda me assusta!
Mas esta crítica é sobre a Lenda de Korra, a série que se propõe a expandir o universo Avatar e dar continuidade à saga de Aang. Então vamos falar dela!
A primeira temporada, chamada “Livro 1: Ar”, é uma reintrodução ao universo Avatar. Mostra aos expectadores como funciona o poder das “dobras” (a manipulação mística dos 4 elementos), como a vida e o trabalho do Avatar Aang e de seus amigos (em especial, o Senhor do Fogo, Zuko) mudou o mundo. Se antes tudo era dividido em 4 nações, agora, embora as 4 Nações ainda existam (Reino da Terra, Nação do Fogo, Tribos da Água e Nômades do Ar), existe também um novo Reino, onde os povos que dominam os elementos convivem entre si – A República Unida!
A protagonista da série é a nova Avatar, uma menina genial e impulsiva, chamada Korra. Ela veio da Tribo da Água do Sul, onde seus pais e a uma ordem secreta a treinaram nos três elementos mais comuns – Água, Fogo e Terra. Resta a Korra aprender a arte de dominar o Ar, que é uma coisa rara, pois só existe uma família de dobradores de Ar. É o filho de Aang, Tenzin, quem terá de treiná-la nesta arte quase esquecida. E embora você possa imaginar que toda a 1ª temporada seja focada neste treinamento, isso fica em segundo plano, pois uma revolução está para acontecer na Cidade da República!
Como os dobradores tem uma vantagem natural contra quem não é capaz de manipular os elementos, o crime na Cidade da República se organiza ao redor destes dobradores. Os não-dobradores acabam sendo vitimados e oprimidos. Surge então uma figura para liderar um movimento contra a opressão dos Dominadores – Amon – um homem mascarado que afirma ter tido sua família e seu rosto destruídos por um dominador de fogo (que inteligentemente, eram os “vilões” na série anterior!).
O líder igualista tem um grande trunfo em suas mãos. Ele tem o poder de retirar de uma pessoa a capacidade de manipular o seu elemento, para sempre (assim como o Avatar Aang conseguiu no final de sua saga). Korra, que é uma grande aficionada pela manipulação dos elementos, passa a temê-lo após um breve desafio inicial.
O conflito vai se desdobrando conforme o movimento anti-dobra se torna uma revolução armada, que vai escalando, tanto em número quanto em uso de tecnologia. O mundo de Avatar, na série de Aang, estava no limiar de uma sociedade medieval que se tornava steampunk, tendo apenas alguns veículos movidos a vapor. Já na série de Korra ele passa a ser um mundo de tecnologia em desenvolvimento (como o nosso século XX), sempre somada ao uso da manipulação dos elementos. Enquanto escritor, acho o elemento narrativo da evolução tecnológica uma saída interessante, mas conheço algumas pessoas que não gostaram deste traço na série.
Em termos de roteiro e narrativa, a primeira temporada é riquíssima. Há de tudo: Torneios de luta, triângulos amorosos, intrigas políticas e familiares, uma ocupação militar da cidade, também tem perseguições emocionantes e até um bebê nascendo em meio a um ataque!!! Tudo, maravilhosamente animado, com lutas incrivelmente coreografadas, onde os personagens utilizam a manipulação dos elementos contra armas tecnológicas!
O mais legal desta primeira temporada é que Korra (assim como eu) entende e aceita que o movimento anti-dobra está correto ao exigir que os dobradores parem de oprimir os não-dobradores. Mas, como ela é o Avatar e portanto uma dominadora, ela não pode deixar que Amon e os Igualistas simplesmente acabem com a dominação de elementos. Afinal, é isso que confere ao mundo de Avatar seu charme...
Todo o desenvolvimento da primeira temporada está ligado também ao legado que Aang deixou. Foi ele, junto com seus amigos que fundaram a República Unida. Ele estabeleceu o governo misto com representantes das 4 nações, e ele, ao retirar a capacidade de manipular de um importante criminoso, acabou por gerar, indiretamente, a revolução que tenta exterminar a dominação dos elementos! Essas aparições de Aang adulto, em forma de flashbacks, são um imenso prazer para os fãs da série original, sem falar nas incríveis reviravoltas no final da temporada e do esperado encontro entre Korra e Aang (que apesar de morto, habita na memória da Avatar que o sucedeu)!
Em termos estéticos, a série de Korra vai muito além da série de Aang. A música é ainda mais bela, os cenários de tirar o fôlego, os designs dos equipamentos, inicialmente podem parecer estranhos, mas a evolução tecnológica também assusta os protagonistas, então, acaba sendo válida. E o vilão... Bem, ele é um show a parte, sem exageros e com um pano de fundo de fazer chorar!
Acabado o conflito dos Iqualistas, assim que Amon é derrotado, tudo se organiza, até o governo da cidade deixa de ser um Conselho de Dobradores e torna-se realmente uma república democrática.
Começa então a minha temporada favorita, o “Livro 2 – Espíritos”.
Nesta temporada, Korra (que já domina os 4 elementos e o poder Avatar), tem que lidar com as manifestações de criaturas estranhas, chamadas de Espíritos. Na série de Aang, os Espíritos apareciam esporadicamente e muito pouco foi explicado sobre eles. Sabia-se que havia um Mundo Espiritual, onde o Avatar conseguia visitar através da meditação. A Primeira série também nos mostra que a Tribo da Água do Norte era um dos povos mais “Espiritualizados” do mundo Avatar... Isso é uma das grandes sacadas desta 2ª Temporada.
Descobre-se que pai de Korra é o líder da Tribo da Água do Sul, e que ela possui um Tio – Unalock, que é o líder do Norte. As duas Tribos da Água são irmãs e parceiras, mas não tem um governo unificado.
Como nem Korra, nem seus amigos sabem lidar com os Espíritos Sombrios que começam a atacar, a ajuda do tio Unalock é bem vinda, já que ele sabe “acalmá-los” e até despachá-los de volta ao mundo deles (uma outra dimensão no Universo Avatar). Mas é claro que acontecem algumas reviravoltas e em meio à apresentação de novos personagens e à criação de novos conflitos amorosos entre os jovens da série, Korra acaba se envolvendo numa Guerra Civil entre as Tribos da Água, e tendo que lidar com o vilão que pretende liberar o próprio Espírito das Trevas no mundo físico.
A 2ª temporada traz um conflito bem simples e clássico de Luz contra Trevas. O que não é ruim, pois o conflito de caráter social da primeira temporada já tinha estabelecido o tom de seriedade do desenho. Neste conflito, o drama de estar lidando com forças de Luz e Trevas, tão antigas quanto à própria arte da dobra, está sempre permeado pelo bom humor e texto poético que encontrávamos em alguns episódios do primeiro Avatar.
Há nesta temporada o momento máximo da série para mim, um episódio duplo que mostra como surgiu o Primeiro Avatar: Wan, um garoto tão brincalhão quanto Aang, que vivia numa das primeiras cidades humanas, às costas de uma Tartaruga-Leão gigante!!! E que, ao decidir não aceitar as injustiças do mundo em que vivia, começou a burlar as regras, aprendeu a dominar os quatro elementos e acabou se tornando “a ponte entre dois mundos”.
A entrada de Korra e Jinorah no mundo espiritual, também é linda, e a aparição do Tio Iroh – um dos personagens centrais da série anterior ― é emocionante e um presente maravilhoso para os fãs. Iroh, que era o meu personagem favorito, já era velho na série de Aang, mas agora se tornou um espírito imortal que vive em outro plano, ainda aconselhando e guiando os personagens em seus caminhos.
Um ponto não muito atrativo nesta temporada é o arco de história de investigação na Cidade da Republica. Isso leva pouco mais do que um episódio, mas com conflitos tão épicos acontecendo, ver Mako e Assami correndo atrás de bandidos simplesmente não me interessou.
Já o vilão desta temporada, nos surpreende, pela sua magnitude. O Espírito Sombrio Vaatu, é um verdadeiro titã entre os Espíritos, mas quando o espectador percebe que ele quer se tornar um Avatar Sombrio para destruir sua metade-iluminada, é aí que a trama fica realmente assustadora. Nada como dez mil anos de Trevas no mundo para você ter um bom motivo para lutar até a morte!!!
A participação dos primos-gêmeos de Korra é muito divertida, mas quem rouba a cena é o filho mais velho de Aang, Bumi, que faz o papel de alívio cômico de forma escrachada e certeira! Como ele não é um dobrador, a cena em que ele tenta vencer um Espírito sombrio a socos (e acaba detonando sozinho o acampamento ao redor do portal) é impagável de tão hilária!
No final desta temporada, novas mudanças são estabelecidas, e desta vez, Korra decide que o Avatar não vai ser mais a ponte entre os mundos físico e espiritual. Uma decisão certeira de Korra, mas que vai ter repercussões sérias nas duas temporadas que seguem.
A terceira temporada chama-se “Livro 3 – Mudança”. E gira ao redor de alguns criminosos que se libertam de prisões de segurança máxima e organizam um plano para levar o mundo a uma era de anarquia!
É a temporada que tem mais ação e as lutas mais apelativas! Até dominação de lava é usada pelos caras maus! Um exagero bem divertido!
Em geral, foi uma boa temporada. Zaheer, o vilão, que acaba de descobrir que pode dominar o ar, faz uma clara referência a Aang. Ele é careca e muito espiritualizado. É capaz de entrar e sair do mundo espiritual através de meditação e conhece muito da antiga cultura dos Nômades do ar.
A relação entre os personagens protagonistas vai crescendo, eles vão se entendendo e se aceitando e por isso, diminuem as tensões e romances. Sobra espaço para a entrada de novos personagens, mas em geral, o drama nesta temporada diminui. E o conflito parece pequeno perto do que vimos no Livro 2. Desta vez não há possibilidade de termos 10 mil anos de Trevas! Há apenas uns caras loucos que querem acabar com os reis e rainhas do mundo...
Mas a ação, as lutas e a personalidade do vilão compensam isso. Então eu diria que esta temporada foi boa o suficiente para a série não cair de nível. Apenas o final é bastante amargo. O vilão perde, Korra sofre e parece ficar paraplégica, os Nômades do Ar resurgem... Aang ficaria emocionado, mas eu, infelizmente, não fiquei. Até mesmo a luta final, com Zaheer voando e Korra envenenada tentando pegá-lo, não me deixou satisfeito.
A quarta temporada se chama “Livro 4 – Equilíbrio” e mostra as consequências políticas dos eventos iniciados no livro 2 e 3. Com o Resurgimento da Nação do Ar, as coisas parecem melhores, mas com a fragmentação do Reino da Terra, vai surgindo uma ditadora, que levou os 3 anos de hiato entre a 3ª e 4ª temporada para chegar ao poder. Essa personagem é, com certeza, uma vilã aparentemente perfeita: Ela não tem escrúpulos, é fria e decidida, tem objetivos grandiosos e o poder para alcançá-los. Só faltou a ela o carisma que Amon e Zaheer tinham. Acho que a escolha de uma vilã mulher foi certa, afinal, a série tem um forte tom feminista e precisava parar de mostrar sua protagonista apanhando de homens, mesmo quando ela os detonava no final!
Toda essa história de avanço tecnológico finalmente faz sentido nesta temporada, quando as armas tecnológicas da vilão Kuvira se unem à fontes de energias espirituais poderosas, gerando uma ameaça bélica única no universo Avatar. Algo que faz referência ao surgimento da bomba atômica!
Mas infelizmente nada disso é tão épico quanto as duas primeiras temporadas, nem chega aos pés do confronto máximo entre Aang e o Senhor do Fogo Ozai! E essa é a minha única reclamação quanto ao final da série. Toda a beleza e estética perfeita das outras temporadas se mantêm. Os personagens são carismáticos e interessantes. Ver Korra superando um forte stress pós-traumático e confrontando Zaheer na prisão, é incrível. A música e a escala da guerra voltam a impressionar.
O final também é lindo! O romance que é sugerido no prólogo é muito satisfatório para mim, embora possa chocar alguns e ser previsível para outros.
Algo que eu gostaria de ter visto e não aconteceu foi a revelação dos verdadeiros líderes do Lótus Vermelho (na série isso não é abordado e sugere-se que Zaheer e Unalock foram os últimos líderes). Se Zaheer já foi ruim, imaginem o equivalente aos velhos membros do Lótus Branco, só que por trás das ações de Kuvira! Vilões velhos e poderosos, fazendo manipulações políticas e se revelando no momento em que Kuvira caísse! Isso sim traria um fôlego novo para o final da série e daria a oportunidade de Korra mostrar o quão poderosa realmente ficou, ao aceitar-se!
Mas esse é apenas um devaneio meu, coisa de escritor que curte um bom drama!
O grande mérito da série foi o realismo com que os personagens são retratados. Você realmente acredita que Korra, Tenzin e os outros poderiam ser pessoas de verdade, não meros personagens de desenho animado. Os conflitos que os afligem são reflexos dos nossos próprios! O crescimento (e a aceitação) com que Korra chega ao final da série é verossímil e tocante!
Talvez a Lenda de Korra sofra um pouco por ter tido um antecessor tão simples e tão amado. Talvez a mudança de público tenha espremido as escolhas dos escritores. A Série tinha que ser mais adulta, mas não podia ser adulta demais! Entendem o problema?!
Talvez eu esteja errado em querer que o final de Korra fosse tão épico quanto o de Aang, pois toda esta série foi muito mais sensível e complexa que a de Aang.
Talvez o real problema da série foi ela ter sido um pouco mais curta e não ter conseguido ir tão a fundo quanto eu gostaria em seus dilemas mais sombrios! Mas o que realmente me deixa triste foi que estes personagens tão legais e tão humanos já se esgotaram, que o tempo de Korra já acabou e que eu não posso saborear um pouco mais do mundo das dobras, de Aang, Zuko e Korra, que tanto me inspirou quanto escritor e que por algum tempo me fez torcer e vibrar, com a empolgação de uma criança!