A IMPORTÂNCIA DO ESTUDO DO LATIM E DA CIVILIZAÇÃO ROMANA HOJE

Adeblando Alves da Silva (UFMS)

O latim não é uma língua morta, como dizem por aí, e o seu estudo hoje em dia é importante em nossa língua por uma série de fatores, apontados por Tatiany Eliça da Costa Ramos e Yamara Mamed de Souza, acadêmicas do Curso de Licenciatura Plena em Letras da Faculdade Vale do Acaraú, no artigo “A importância do latim”, publicado no site Recanto das Letras, resgatados nesta resenha, em que se demonstrará, igualmente, a importância do estudo da antiga civilização romana para o aprofundamento da nossa visão de mundo, com base no texto de Reinaldo José Lopes, “Roma no auge”, disponível no endereço eletrônico incluído nas referências.

Historicamente, o latim é uma língua indo-europeia do ramo itálico, falada, inicialmente, pelos habitantes da região do Lácio, na Península Ibérica, onde hoje está situada a Itália. Perdurou por vinte e sete séculos como língua universal e foi importante para a expansão do Império Romano, para a construção da literatura latina e sua fase de ouro e para toda a Idade Média, na escrita de etimologias, tratados de música, livros de medicina, de culinária e de conservação dos alimentos, além de textos religiosos, entre outros, em que se destacam as duas formas principais da língua: a “vulgar”, falada pelo povo em geral, como soldados e camponeses, e a “clássica”, de mais apuro gramatical, falada, em sua maioria, por intelectuais, e ligada aos textos literários. Foi esse “latim vulgar”, contudo, que deu origem às línguas neolatinas, da qual a portuguesa faz parte.

Desse modo, afora entender historicamente o processo de formação inicial da nossa língua pela materna, depreende-se do texto de Ramos e Mamed a existência de outras razões deveras importantes para o estudo do latim em nossos dias:

a) o estudo do latim ajuda a entender as expressões latinas utilizadas no cotidiano da vida atual, no direito e na terminologia específicas das ciências exatas e humanas: é muito comum, hoje, ouvirmos as pessoas em busca de emprego dizer ter deixado o curriculum vitae nesta ou naquela empresa, ou dos interessados em melhorar o nível escolar revelar o desejo de fazer uma pós-graduação lato sensu ou stricto sensu; os analistas econômicos falam o tempo todo na mídia sobre renda per capita; frequentemente os noticiários informam deste ou daquele intelectual que recebeu o título de doutor honoris causa em tal universidade. Há ainda as expressões ad hoc, grosso modo, sine qua non, idem, a priori, data venia, etc, utilizadas a todo o momento nas mais diversas situações. O latim também está presente nas propagandas, nos supermercados, nos aparelhos eletrônicos, na internet, nos filmes de época com a temática voltada para a antiguidade romana e a idade média e da série Harry Potter e nas músicas religiosas. No Direito, por sua vez, há inúmeras expressões latinas utilizadas com o fim de se manter uma interpretação única da lei, como ad cautelam, habeas corpus, alibi, conditio júris, corpus delicti, dura Lex sed Lex, etc. Também vemos os usos de expressões latinas nas ciências exatas e humanas, na infinidade de monografias, artigos e trabalhos acadêmicos que são produzidos diariamente nas universidades, a saber: ad referendum, a posteriori, et alii (et al), ipsis literis, modus operandi, entre outras. Entender, pois, essa diversidade de expressões latinas entranhadas na nossa língua é de fundamental para o falante do português, haja vista elas contribuírem, entre outros, para o enriquecimento do vocabulário e para a beleza do texto escrito.

b) o estudo do latim possibilita o conhecimento etimológico da palavra: cerca de 80% das palavras da língua portuguesa vêm do latim. O estudo deste, portanto, nos possibilita saber, por meio dos radicais, prefixos e sufixos, quais são essas palavras, bem como a refletir sobre os seus diferentes significados. Desse modo, temos de recorrer à etimologia para saber por que uma palavra é grafada com “c” e a outra com “s” ou por que o feminino de cavalo é égua, e daí por diante. Assim, podemos explicar que a palavra “comer”, por exemplo, vem do latim comedere (comer junto com outras pessoas) e que os radicais latinos equ-, egu-, caval- e cavalh- formam em nossa língua uma extensa família de palavras, como equino, equitação, égua, cavalo, cavalgar, cavaleiro, etc. Da mesma forma se pode explicar que a palavra “estrela”, que se diz com “r”, vem do latim stella, tem como coletivo “constelação” e a viagem que se faz entre as estrelas é uma viagem “interestelar”, ou que água vem do latim aqua, que nos remete a aquático e aquário. Por outro lado, conhecendo a etimologia das palavras, dificilmente se cometeria erros ortográficos, considerando que a maioria das pessoas tem dificuldade com as irregularidades da língua. Enfim, os exemplos são muitos e só se aprende essas coisas estudando, comparando as duas línguas.

c) o estudo do latim possibilita a aprendizagem de outras línguas com as mesmas raízes: como o latim também é a língua-mãe do italiano, do espanhol e do francês, o seu estudo facilita a aprendizagem dessas línguas, que possuem as mesmas raízes, por isso são tão parecidas. É fácil perceber isso: o termo dignitate do latim, por exemplo, transformou-se no dignitá italiano, no dignidad espanhol e no dignité francês, sendo “dignidade” em português. Centenas de outras palavras sofreram as mesmas transformações, daí o conhecimento do latim servir de base para a aprendizagem dessas línguas, bem como do inglês, de que não é mãe, mas serviu de influência. Muitas palavras inglesas derivam do latim, como “university”, que vem de universitas, ou o verbo “to delete”, que vem de delere (destruir).

d) o estudo do latim possibilita ao estudante desenvolver e aguçar a mente: o latim, como se sabe, pela complexidade dos seus casos, desinências e conjugações, exige do estudante o hábito da análise, o espírito da observação e a educação do raciocínio, meios pelos quais se fará a sua educação, com o desenvolvimento de suas habilidades e a construção de um espírito livre para a prática das atividades intelectuais e científicas.

Por outro lado, se associarmos esse estudo do latim ao estudo da antiga civilização romana, como sugerem as autoras do artigo supracitado, com base nos postulados de Lopes, veremos quanta coisa mudou e quanta continua ainda como antes, se comparamos o ontem e o hoje na vida das megalópoles, como Roma e São Paulo.

Ao ler “Roma no auge”, a impressão que eu tenho é a de um convite explicito para uma viagem no tempo. E por que não? A nave bem que poderia ser a do “carimbador maluco” de Raul Seixas. Partindo da São Paulo do ano 2014 e caindo, num passe de mágica, na Roma do ano 200, deparar-nos-emos com uma cidade igualmente populosa, com um milhão de habitantes, casas humildes e prédios de mármore, crianças e mendigos esmolando por todo canto e nobres com fartura de comida, sujeira por toda parte, homens esfarrapados dormindo em frente aos comércios, propagandas políticas pregadas nos muros e paredes das casas, junto às pichações.

Essa dicotomia, num primeiro momento, parece assustar. Mas depois, quando nos refazemos, entendemos que as cidades, mesmo separadas pelo tempo e pelo espaço, são tristes e felizes à sua maneira. Foi assim, é assim e continuará sendo assim, ad infinitum.

Continuando em nosso passeio, percebemos ainda outras semelhanças: alta taxa de mortalidade infantil, prostituição, jovens ricos em arruaça, desempregados, lixo, esgoto a céu aberto, corrupção política, enriquecimento ilícito, etc. Mas também muita diferença: a educação de meninos livres e de boa família era feita por um par de escravos e voltada para o desenvolvimento da capacidade de impressionar em debates públicos ou disputas judiciais; não existia a maioridade aos 18 anos; o casamento acontecia por um acordo entre famílias; a expectativa de vida era muito baixa, girando em torno dos 30 anos; o lazer coletivo consistia nos banhos das termas, nas corridas de bigas do Circo Máximo e nas lutas de gladiadores do Coliseu; a religião era politeísta, com adoração a vários deuses, como, por exemplo, Baco, o deus do vinho.

Desse modo, os contrastes percebidos na Roma do ano 200 são os mesmos vistos hoje, numa cidade como São Paulo, em que as diferenças entre ricos e pobres e os problemas sociais afetam a vida dos seus habitantes. As diferenças, é claro, são gritantes, levando-se em consideração as facilidades da vida moderna e as diferentes opções de lazer. Entretanto, um estudo desse tipo nos leva a entender melhor a sociedade e a época em que vivemos, nossos hábitos, pensamentos e costumes e a atribuir um valor às sociedades antigas, precursoras das nossas e do nosso modus vivendi.

Enfim, não basta demonstrar a importância do estudo do latim em nossa língua, como o fazem Tatiany Eliça da Costa Ramos e Yamara Mamed de Souza, em seu artigo, e dezenas de outros estudiosos, Brasil afora, sem que, de fato, essa língua não seja ensinada adequadamente nos cursos de letras das universidades, já que ela não consta no currículo do ensino fundamental e médio. Essa qualidade no seu ensino universitário, mesmo que tarde, acabará acontecendo, pois há um movimento em marcha, de seus defensores, na internet e nas redes sociais.

REFERÊNCIAS

ALMEIDA, Napoleão Mendes. Gramática latina: curso único e completo. 23. ed. São Paulo : Saraiva, 1990.

DUARTE, Madalena Parisi. Gramática Escolar da Língua Portuguesa. Blumenau, SC : Todolivro Editora, 2009.

LOPES, Reinaldo José. Roma no auge. Disponível em http://guiadoestudante.abril.com.br/aventuras-historia/roma-auge-436288.shtml, acesso em 28/10/2014.

RAMOS, Tatiany Eliça da costa; SOUZA, Yamara Mamed. A importância do latim. Disponível em http://www.recantodasletras.com.br/artigos/2891489, acesso em 28/10/2014.