O Estruturalismo e a Linguística

PRÉ ESTRUTURALISMO

O ser humano sempre tentou desvendar os segredos da língua: Como surgiu? Por que há tantas línguas diferentes no mundo? Como estudá-la? Existe uma relação necessária entre a palavra e seu significado? Questões como essas já eram discutidas na Grécia antiga.

No diálogo platônico “Crátilo” os filósofos discutiam entre si as relações de motivação ou arbitrariedade do signo linguístico. Sócrates e Platão, os naturalistas, diziam que a denominação de um fenômeno deveria ter uma relação natural e intrínseca com seu signo, como acontece com a palavra ‘au au’. Já os convencionalistas, Crátilo e Hermógenes, contestavam; o som de uma palavra nada tem a ver com o sentido que ela apresenta, e as onomatopeias seriam apenas uma exceção.

Aristóteles desenvolve estudos a parte. A partir de uma análise precisa da estrutura linguística, chega a elaborar uma teoria da frase, a distinguir as partes do discurso e a enumerar as categorias gramaticais.

Nesse mesmo período, os hindus começam a estudar a língua para preservar os textos considerados sagrados. Analisando com exatidão sons e formas do antigo indiano, impulsionam na criação da gramática comparativa das línguas indo-européias.

Os séculos XVII e XVIII vão dar continuidade às preocupações dos antigos. Em 1660, a ‘Gramática de Port Royal’ é aceita como o modelo universal à todas as línguas por conter todos os princípios da arte de falar e de escrever bem. Na metade do século XVIII e início do século XIX, o estudo da língua se dá através do método histórico ou comparativista. A língua é estudada na forma de um parentesco com outras línguas, o que permite descrever as propriedades que existem em comum e retratar sua evolução.

Devemos ter em mente que os métodos vistos até aqui foram apenas tentativas de estudo, portanto, não são formas científicas. Os teóricos continuavam ainda a se deparar com situações inexplicáveis, que impediam um estudo concreto da língua, como por exemplo: a língua pode ser um objeto social (uma convenção), mas também um objeto natural (próprio do ser humano). Desse modo ela se modifica ao longo do tempo e do espaço.

ESTRUTURALISMO

A língua como ciência só foi introduzida no século XX a partir da contribuição dada por Ferdinand de Saussure em seu ‘Curso de linguística geral’. O estruturalismo influenciou não só os estudos da língua, mas também de outras áreas científicas tais como a antropologia, a psicologia e as ciências sociais. Pode ser dividido em duas vertentes - o estruturalismo europeu (focado no estudo da língua como um sistema de signos) e o estruturalismo americano (focado no estudo da fala).

Saussure não tem nenhuma obra publicada por sua iniciativa. O ‘Curso de Linguística geral’ (1916) é uma obra póstuma, construída a partir das anotações de seus dois alunos – Charles Baily e A. Sechehaye e dos manuscritos teóricos do mestre.

Para Saussure a língua é um sistema de signos que só pode ser definido pelas relações de equivalência ou de oposição entre si. No entanto, sua doutrina é estudada através de dicotomias, como veremos no próximo capítulo.

AS DICOTOMIAS DE SAUSSURE

Língua x Fala

Uma distinção importante estabelecida por Saussure é a separação entre língua e fala. Língua é um sistema abstrato, um fato social, geral, virtual. A fala é pois, a realização concreta da língua pelo falante, sendo circunstancial e variável.Como a fala depende do indivíduo, não é sistemática, ele a exclui do campo da linguística.

SIGNIFICADO x SIGNIFICANTE

Para Saussure, a língua é um "sistema de signos", um conjunto de unidades que estão organizadas formando um todo. O signo é uma associação entre significante (imagem acústica) e significado (conceito). O laço que une os dois é considerado arbitrário, convencional e imotivado,ou seja que a língua é formada por unidades abstratas e convencionais.

SINCRONIA X DIACRONIA

No século XIX, os linguistas preocupados com as transformações da língua deparavam-se com a seguinte questão: A linguística era Histórica ou diacrônica?

Saussure estabelece uma separação entre sincronia (o estado atual do sistema da língua) e a diacronia (sucessão, no tempo, de diferentes estados da língua em evolução). O estudo diacrônico estuda as mudanças que a língua sofre através do tempo. O estudo sincrônico é o estudo da língua num determinado período do tempo. Ele exclui a diacronia dos estudos linguísticos, considerando incompatível a noção de sistema e de evolução.

Sintagma X Paradigma

Para Saussure as relações com os elementos lingüísticos se dão em dois domínios distintos: um eixo de seleção (paradigmático), e um eixo de combinação (sintagmático).

No eixo sintagmático, os signos são alinhados um após o outro; já no eixo paradigmático há uma relação de combinação dos elementos.

ESCOLA DE PRAGA

Em 1926, enquanto os estudos de Saussure se pautavam na concepção de língua como sistema de signos, a chamada ‘escola de praga’ desenvolve um estudo sobre a fala. Formada pelos linguistas russos - Nikolai Trubetskoi, Serguei Karcevski e Roman Jakobson- esse círculo salienta a importância do estudo dos sons no sistema da língua.

Os linguistas da escola de Praga fazem uma distinção muito clara entre fonologia e fonética. Segundo eles, a fonologia estuda as funções linguísticas dos sons, os fonemas; enquanto que a fonética se preocupa com a produção e as características dos sons da fala.

O fonema pode ser definido como a unidade mínima do significante. Sistematicamente podem ser caracterizados pelas diferenças estabelecidas através de feixes de traços pertinentes, distintivos ou funcionais que há entre eles.

A noção de “funcionalidade é crucial para o desenvolvimento do modelo estruturalista do Círculo de Praga. Diz Lucchesi:

Antes de conceber o estudo linguístico como a dedução de um sitema, os linguistas de Praga o concebem como a descrição e análise da estrutura que garante o funcionamento da língua... Assim. Para os linguistas de Praga , estrutura e função são duas noções indissociáveis, donde a denominação de sua concepção de língua como estrutural e funcional (id.:89).

O ESTRUTURALISMO E O ENSINO FORMAL

Uma das questões mais importantes para o ensino da língua materna é a concepção de língua e linguagem adotada pelas instituições de ensino formal e seus professores. A concepção da linguagem como um código, com um conjunto de signos que se combinam segundo regras e como um instrumento de comunicação terá grande influência no ensino da língua materna no Brasil, a partir dos processos históricos e sociais e da formação do país.

Até aproximadamente os anos 50, o ensino destinava-se às camadas privilegiadas da população. Esses grupos já vinham pra escola com algum domínio do dialeto de prestígio que era utilizado pela instituição. Assim, a função do ensino da língua portuguesa era levar ao conhecimento das normas e regras de funcionamento desse dialeto prestigiado socialmente. Havia o predomínio do ensino da gramática. Essa função do ensino da língua se iniciou nos tempos da Colônia: até meados do séc. XVIII, o ensino do português restringia-se à alfabetização; após esse período os alunos passavam ao aprendizado da gramática, da retórica e da poética do latim. Quando a Reforma Pombalina (1759) tornou obrigatório o ensino do português, esse ensino seguiu a tradição do latim, se caracterizando como o ensino da gramática da língua.

A disciplina “Língua Portuguesa” só passou a existir nas últimas décadas do séc. XIX; até então a língua era estudada na escola sob a forma das disciplinas Gramática, Retórica e Poética. Mesmo com a criação da disciplina, o ensino da língua continuou sendo entendido como estudo da gramática, e leitura e imitação dos autores clássicos. Até meados da década de 60, a concepção de língua utilizada era a da língua como sistema: ensinar português era ensinar a conhecer o sistema lingüístico, sua gramática e os textos clássicos.

Os anos 50 e 60 apresentam uma nova conjuntura política e social e uma nova concepção de ensino da língua. A escola começa a ser democratizada. As camadas populares conquistam o direito à escolarização e o público da escola começa mudar. Esses grupos apresentam experiências e variantes lingüísticas diferentes do padrão ensinado na escola. Em 64 os militares dão o golpe e começam a implementar políticas que atendiam aos interesses do capital. Assim, a escola buscou desenvolver um ensino basicamente direcionado ao preparo de mão de obra para suprir as demandas das empresas. Os conteúdos ganharam um caráter instrumental. A denominação “Língua Portuguesa” foi substituída por “Comunicação e Expressão”. A mudança do público escolar e a nova conjuntura mudam a concepção de língua da escola. O novo referencial passa a ser a teoria da comunicação; a concepção de língua é a de ‘instrumento de comunicação”, concepção ainda influenciada pelas teorias da língua como sistema, como conjunto de signos que são capazes de transmitir uma mensagem. Busca-se desenvolver nos alunos as habilidades de expressão e compreensão de mensagens, para interpretação dos mais diversos tipos de texto.

Nos anos 80, com o processo de redemocratização do país e o fortalecimento das novas teorias, a concepção de língua muda novamente. As novas concepções ligadas aos estudos lingüísticos começam a chegar ao ensino, e uma nova abordagem se desenvolve na escola, mais ligada ao contexto histórico e social, aos usos da língua e a interação dos indivíduos. A função da gramática no espaço escolar é totalmente questionada. A língua é tomada como enunciação, discurso, não apenas como comunicação. Há a inclusão daqueles que utilizam a língua, o contexto da utilização, e as condições sociais e históricas da utilização nas análises. O ensino é tomado como processo de interação entre autor-texto-leitor, inseridos em um contexto e em práticas socioculturais. O sujeito se torna ativo no processo de construção e utilização da linguagem, oral e escrita.

NOTAS BIBLIOGRÁFICAS

SILVA, Rosa Virgínia de Mattos. “Caminhos da Linguística Histórica – ouvir o inaudível. Parábola Editorial.São Paulo, 2008.

FIORIN, José Luiz. “Introdução à Linguística – Vol. 1 e Vol. 2”, 2003.

ORLANDI, Eni Puccinelli. “O que é Linguística”. SP; Brasiliense, 2009.

MOURA, Heronides / CAMBRUSSI, Morgana. “História dos estudos linguísticos”. Florianópolis, 2008.

SOARES, Magda. Concepções de linguagem e o ensino da Língua Portuguesa.

TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Gramática e Interação: uma proposta para o ensino de gramática no 1° e 2° graus.