O olhar
Você já parou para pensar como será a sua vida com setenta anos?
Onde você estará, e o que estará fazendo, junto de sua esposa?
Garanto que nunca passará pela sua cabeça que vocês estarão numa casa de repouso para idosos. Os dois sentados em suas cadeiras de rodas.
Eu presencie esta triste realidade. Há uns dois anos, conheci o casal. Eles mal se falavam, ficavam sentados lado à lado, em suas cadeiras.
Durante esses anos poucas vezes ouvi a voz dele, ela nunca ouvi.
Ela ficava olhando para gente sem parar, eu tinha que desviar o meu olhar, pois ela nos olhava com tristeza, sofrimento.
Nós ficávamos perguntando o que teria acontecido com aquele casal?
Onde estariam seus filhos, seus familiares, amigos?
Nestas casas a gente encontra vários tipos de pessoas: os que não têm mais família, não se casaram, os separados, os abandonados pelos filhos, netos. Mas um casal relativamente maduros, não idosos, naquela situação. É algo muito triste.
E este ano para aumentar mais a tristeza dele, ela de repente faleceu.
Os médicos diagnosticaram, que foi a depressão, a maior causa de seu falecimento.
Hoje eu voltei lá, e meu coração ficou apertado, com o olhar daquele homem.
Sentando na sua cadeira de rodas olhando para o vazio. E quando cruzamos com seu olhar, a tristeza era tão grande que dava vontade de chorar. De tentar fazer com que ele se abra, grite, brigue, mas saia daquela inercia, daquela tristeza profunda.
Não podemos fazer nada, só ouvir, sem interferir na rotina da casa.
Pois caso contrário, podemos perder a permissão de fazer as visitas na casa.
Eu fiquei pensando uma noite, na minha vida, na minha opção de vida, em não me casar, de ser uma missionária.
Depois de aposentada vou para onde posso fazer meu trabalho, onde encontrarei um irmão necessitado, uma criança abandonada, um irmão excluído, marginalizado. E lá que devo fazer meu trabalho.
Mas quando eu estiver como estes idosos, morando numa casa onde os funcionários serão pessoas estranhas? Quem irá me ouvir?
Quem irá lembrar de meu aniversário?
Essas coisas pequenas, quase sem importância, mas que se tornam muito importante nesta hora. Onde tudo é de vital importância, principalmente à falta da família, o abandono total de tudo de uma forma bem cruel.
Eu já me preparei para quando chegar este dia, mas será que vou ter esta consciência?
Hoje estou muito assustada, triste, com uma vontade de chorar, mas não pude. Comigo tinha uma pessoa que logo estará fazendo parte desta triste estatística.
Nós apenas, saímos, fomos falar nossos rostos por causa também do calor e seguimos adiante.
E lá nós encontramos uma outra realidade, duas irmãs bem mais idosas.
Com uma situação financeira completamente aposta, numa casa maravilhosa, cercadas de conforto, amor por seus familiares.
A mais nova cuidando da mais idosas com todo amor, carinho e atenção.
Então meu coração deu uma acalmada.
Mas no silêncio da noite eu me vejo pensando naquele irmão nosso em Jesus, no seu olhar da mais profunda tristeza.
Será que ele voltará a interagir com os colegas moradores da casa?
Ou terá o mesmo fim que sua companheira?
E a sua família, não fará nada para mudar esta triste realidade?
Então, será que na velhice passamos só a fazer parte desta triste estatística, que quem não produz mais deve ficar só esperando à morte chegar? É muito cruel.