O estranho mangá "Rosário e vampiro"

O ESTRANHO MANGÁ “ROSÁRIO E VAMPIRO”

Miguel Carqueija


Apesar de se afirmar com frequência que no Japão o Cristianismo é uma religião de ínfima minoria, mesmo assim ele impregna uma boa parte dos mangás e animês.
O que pensar de “Rosário + vampire” (Rosario to vampire), publicado originalmente pela Tueisha, de Tóquio, e que no Brasil vem saindo pela JBC? É uma história de fundo católico, assinada por Akihisa Ikeda, e com muitos detalhes infantis ou ingênuos, apesar da classificação “para maiores de 16 anos”.
Isso deve ser por conta do erotismo entremeado. Todavia, há que reconhecer que, nos mangás, com frequência se mistura inocência com erotismo — como ocorre em “Saber marionette” — de um jeito que exclui a malícia ocidental. É um outro povo, com mentalidade muito diferente da nossa. Nos mangás e animês, muitas vezes, cenas que parecem derivar para a pornografia possuem na verdade conteúdo cômico mas não mórbido ou abjeto. É quando, por exemplo, um personagem inocente, pudico e reservado, se vê numa situação embaraçosa com conotações sexuais, sem culpa de sua parte — e ele permanece inocente. É o caso de Tsukune Aono, protagonista de “Rosário e vampiro”, na sua interação com garotas que o idolatram e estão sempre à sua volta, em cenas movimentadas onde até calcinhas aparecem, ou seios volumosos, mas a inocência de Tsukune resiste a tudo.
As “adoradoras” de Tsukune são basicamente três e mais uma especial. São elas Moka Akashiya, uma vampira; Kurumu Kurono, uma súcubo; e Mizore Shirayuki, uma manipuladora de gelo. Correndo por fora, num amor mais platônico, está Yukari Sendo, uma bruxinha que, no início da série, tem apenas onze anos.
Tsukune a todas cativa com a pureza do seu coração, embora ele seja um humano normal. Sim, pois Tsukune é um estudante adolescente que por engano se matricula numa escola de monstros (sic) situada além de uma barreira mística, e à qual se chega num ônibus misterioso. A escola existe para treinar jovens monstros a viverem incólumes no mundo dos humanos, já que estes dominam o planeta. Em função disso, todos são obrigados a usar a forma humana, sendo proibidos de revelar suas formas verdadeiras, o tipo de monstro que são. Isso é a salvação de Tsukune, já que ele não é um monstro.
Desde que ele chegou, passou a atrair a atenção de garotas atraentes porém não-humanas, que se enamoraram de Tsukune com sinceridade e passaram a blinda-lo dos perigos locais, tendo descoberto a identidade humana do rapaz. Moka e as demais rivalizam amigavelmente entre si, e nos diversos incidentes, que incluem combates com elementos nefastos do colégio (diversos tipos de monstros, muito ligados ao folclore japonês), sempre surgem lições de moral como o valor da amizade, da solidariedade etc. É uma história do tipo “harém”, porém platônico, eis que não rola sexo e o garoto é mais inocente e tímido que cada uma das garotas que o rodeiam (e que, diga-se de passagem, não têm nada de tímidas). É curioso como, nas situações de maior intimidade ou apelo erótico, Tsukune fica constrangido (coisas parecidas ocorrem no sanguinolento “Elfen lied”, como a mostrar que a libertinagem não é tudo e nem o apelo sexual é onipotente). De fato, fazendo brincadeiras com a sexualidade, os mangás e animês parecem defender uma linha oposta à do sexo mórbido e nada inocente da cultura pop ocidental.
De resto, para gostar de “Rosário e vampiro” com seu curioso senso de humor, é preciso fazer vista grossa às inverossimilhanças que cercam a “Academia Youkai” e essa estranha associação de monstros.
Com relação ao fundo católico de “Rosário e vampiro”, vemos que Moka, a pequena mas poderosa vampira, selou o seu poder com um rosário preso ao pescoço. Misteriosamente, Tsukune é o único que consegue retirar o crucifixo do peito de Moka, o que faz nas horas de emergência, diante de perigos iminentes. De tanto ter o seu sangue sugado por Moka ele acaba adquirindo alguns poderes, o que inclusive o livra de ser desmascarado, pois a morte é reservada para humanos que venham a penetrar no reduto dos monstros (lobisomens etc.).



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"O estigma do feiticeiro negro", de Miguel Carqueija e Melanie Evarino, é um romance de alta fantasia publicado pela Editora Ornitorrinco, de Petrópolis. Conta a história de uma elfa aventureira, Gislaine Pétala, que entra em luta com as forças do mal.