RESENHA: Se você finge que ensina, eu finjo que aprendo
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Resenha crítica da obra:
Se você finge que ensina, eu finjo que aprendo.
WERNECK, Hamilton. Se você finge que ensina, eu finjo que aprendo. Petrópolis/RJ, Vozes, 1992, 87 p.
Hamilton Werneck é pedagogo, escritor e conferencista, doutorando em educação, reconhecido como professor titular para o ensino superior pelo CNE e ex-secretário de Educação do Município de Nova Friburgo no Estado do Rio de Janeiro. Pertenceu ao Conselho Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro. Sua experiência de magistério envolve as classes rurais em escolas municipais, escolas estaduais, ensino de primeiro e segundo graus e ensino superior. Atualmente trabalha na Universidade Cândido Mendes.
Esta obra tem como método a representação do fingimento, é um livro que questiona de forma muito abrangente os problemas que afligem o país, como a escola vem lidando com a educação nos últimos anos. O livro está dividido por tópicos, que estão assim divididos: fingindo ensinar, aprender e pagar; fingindo educar os filhos; fingindo ser imparcial; o fingimento sociopolítico de “fazer a cabeça” dos alunos; fingindo ser político serio; o conteúdo fingido; avaliação fingida; fingindo sanidade; fingindo ser “mestre”; dicionário, o que não finge; ideologia fingida; fingindo ser forte; fingindo não ser; ocupação fingida do espaço; fingindo ter confiança; pelo sinal do professor.
Possui 88 páginas que estão relacionadas à educação do fingimento, tendo como base norteadora os problemas que esta educação do nada fazer e do nada saber pode provocar no nível educacional dos alunos brasileiros. É um prenúncio da educação do “faz de conta”, onde todos fingem algo que alude o bem ensinar, atormenta os que querem aprender e burlam os que ainda não descobriram o verdadeiro sentido do aprender.
A considerar o texto de Hamilton Werneck, é necessário um profundo questionamento do que se espera da educação brasileira, como se está escolhendo os conteúdos e o que está por trás das ideologias tão difusas e superficialmente discutidas. Concebe-se mediante esta obra tão relevante ao ato de educar, uma maior criticidade do que se espera de uma educação de qualidade, uma reflexão do sistema vigente e de suas falsas filosofias, discursos vazios, pautas inexistentes de conteúdos, horários distorcidos, profissionais frustrados e displicentes, pais equivocados com o que esperam para seus filhos e qual a sua função nesse processo de ensino/aprendizagem.
Há que se buscar uma (re)educação dos profissionais envolvidos neste processo e uma nova possibilidade de mudança do que realmente se quer que o aluno aprenda. Há, na verdade, uma preocupação apenas com o conteúdo, sem querer saber se o que está ensinando e a forma como se ensina é o que realmente o aluno quer aprender.
Segundo Paulo Freire relata em sua obra Pedagogia da Autonomia:
Pormenores assim da cotidianeidade do professor, portanto igualmente do aluno, a que quase sempre pouca ou nenhuma atenção se dá, têm na verdade um peso significativo na avaliação da experiência docente. O que importa, na formação docente, não é a repetição mecânica do gesto, este ou aquele, mas a compreensão do valor dos sentimentos, das emoções, do desejo, da insegurança a ser superada pela segurança, do medo que, ao ser "educado", vai gerando a coragem. (Paulo Freire, 1996, pg.26.)
Os alunos são inseridos num processo de ensino/aprendizagem pré-estabelecido e sem muita dinamicidade, percebe-se que estes não compreendem a verdadeira função da escola, pois o professor não ensina e o aluno realmente não aprende. Não há uma preocupação com o que o aluno espera da escola, apenas colocam os programas, projetos, eventos e os sentimentos do aluno não são levados em consideração, uma vez que o desejo do aluno não pode se sobrepor ao da escola e, assim vão remando, empurrando-os, subjugando, atendendo os desejos e vontades apenas dos que se sentem possuidor dos direitos e das ideologias que regem o trabalho e o ato de educar.
Obviamente, é notório que o professor seja uma referência para seus alunos e isso só será possível se este tiver a confiança de seus alunos. O aluno precisa sentir credibilidade no que seu mestre ensina para que então ele sinta segurança no que aprende.
A priori o que deveria interessar à escola é o posicionamento dos alunos e pais sobre as metodologias, os tipos de profissionais que estão inseridos no estabelecimento escolar. No entanto, se percebe uma banalização sobre a escolha dos profissionais da educação, servindo, muitas vezes, de promessas de emprego em palanques, cabide de emprego para eleger candidatos e, na pior das hipóteses lugar para aqueles que ainda não tem opção do que fazer e não escolheram uma profissão.
O professor não está vetado a ensinar apenas o que está explícito no planejamento, numa aula de discussão ou debate há muito mais informações que, muitas vezes, o conteúdo em si, não é planejar por planejar, mas para a interação
É necessário que repense a forma como se escolhe os profissionais da educação, pois muitas vezes, se tem a impressão que a educação é cabide emprego para os políticos que muito promete e por não terem o que fazer vão entupindo as escolas de pessoas despreparadas e sem muita função nos setores educacionais, até porque neste processo todos são responsáveis por educar, desde o porteiro até a direção da escola, cada um contribui de forma diferente, mas com o mesmo intuito, educar.
Para Hamilton Werneck há uma forma muito clara de solucionar os problemas relacionados aos profissionais da educação:
A solução seria definir os limites do emprego, entregar as tarefas a profissionais competentes e dedicados, aumentar-lhes o salário e acabar com este convívio de “faz de conta”, aos poucos levando o país ao mais desastroso descrédito. (Hamilton Werneck, 1992, pg. 17)
Assim, se define uma classe com valorização profissional, dedicação exclusiva e um maior encantamento pelo ato de educar. Haveria um novo direcionamento para a educação. No Brasil os professores acabam acumulando funções e cargas horárias por não existir uma estrutura educacional bem definida, isso acarreta um cansaço físico e mental que com certeza atrapalha no bom andamento de seu trabalho. O professor se preocupa com o ensino e a pesquisa diária para aulas, mesmo que fingidas.
Há de se lamentar os profissionais que escolhem a sua profissão a partir de pressupostos que nem eles mesmos conhecem ou por falta de opção, pois isso acarreta um problema muito corriqueiro entre as pessoas insatisfeitas profissionalmente. Há de se conhecer as perspectivas profissionais e salariais do que pretende exercer para evitar frustrações e negligências na profissão.
É notória a preocupação do autor com a situação atual da educação brasileira que vem se arrastando com uma pedagogia caótica, profissionais descontentes que nada ensinam alunos que pouco aprendem, conteúdos fragilizados pelo despreparo, muitas vezes, dos profissionais que estão cansados de lutar contra um sistema educacional que perdeu a sua capacidade de ensinar, uma escola desestruturada, projetos ineficazes e pais, muitas vezes, negligentes.
Segundo o educador Freire, a educação deverá servir para libertar e emancipar o conhecimento e o individuo, para que ele se empodere da sua realidade, não há que se permitir uma educação que reprima, oprima ou condene aqueles que estão inseridos no processo.
Werneck, afirma em sua obra de forma bem acentuada o papel da escola na vida da sociedade. “Uma sociedade livre só se constrói com responsabilidade. Uma educação voltada para a formação do caráter responsável é uma imposição desta mesma sociedade.” É contraditório o discurso da real prática e função do educar. Fez-se de um direito, um privilégio.
Este mesmo sistema que forma mal, cobra cidadãos conscientes e plenos de suas obrigações. Quando a escola, segundo o autor, não tem a função de formar um cidadão detentor de saberes que o formem com dignidade, responsabilidade civil, cumpridores de seus deveres, está sendo refutado ao aluno o direito de ser pleno.
A sociedade mudou, com isso temos jovens inseridos num processo mais dinâmico com poucas responsabilidades, as crianças não são mais obrigadas a cumprir com tarefas diárias que os pais consideram muito “pesadas” para serem feitas pelos filhos. ”Assim, os filhos não lavam o carro da família, não limpam alguma coisa dentro de casa, nem arrumam a própria cama pela manhã, não aprendem a fazer a alimentação [...]”. (Werneck, 1992, pg. 17)
Sendo deixada de lado a importância das atividades e responsabilidades do dia-a-dia que norteiam a base educacional e cidadã dos indivíduos, mas esta mesma família que limita, evita os esforços, negam a automação, exigirá de seus filhos uma postura que lhe foi retirada ou pelo menos negada a priori, mas que lhe será cobrada sempre, senão pela família, o fará as instituições que definem as regras que delimitarão as ações desse individuo na sociedade.
Contrapondo-se ao que realmente se espera da escola há uma inevitável comparação com o Mestre Freire que assim como Werneck, preocupa-se com uma educação de qualidade e profissionais preparados para ensinar. Não se pode conceber um ensino deturpado, omisso, ineficaz e, acima de tudo descomprometido com a função que lhe é cabível; formar cidadãos e não meros reprodutores de saberes.
Sendo assim, é necessário que se repense nesse processo educacional que tudo aceita, pouco faz e muito cobra. Faz-se urgente a busca por métodos, profissionais e propostas curriculares que realmente funcionem. Historicamente o país se acostumou a ter um povo pouco instruído, muito submisso e uma educação elitista. Está no momento de mudar esse panorama e buscar uma educação de qualidade e realmente para todos.
Esta obra é indicada para pessoas que querem ter uma visão mais crítica a respeito da educação ideal e a real, pois uma coisa é ensinar, outra, apenas fingir este ensinamento. Há na obra um questionamento muito pertinente sobre o verdadeiro objetivo de educar e a maneira como esta vem acontecendo, principalmente nas escolas públicas.
Não se trata apenas de uma obra sobre educação, mas uma obra que revela os verdadeiros problemas da educação pública e os questionamentos que norteiam essa educação. O quanto os profissionais podem interferir de forma negativa no processo de ensino/aprendizagem, quando apenas fingem ensinar. Óbvio que será um processo longo para que as mudanças realmente aconteçam, mas se houver uma consciência epistemológica do profissional inserido neste processo, será possível se fazer uma educação de qualidade e que resgate a valorização das escolas e haja uma compreensão mais ampla das ideologias sociais e políticas sobre o papel e a função da escola.