Hilário Francisconi analisa O Espelho- Belvedere Bruno

O ESPELHO

de Belvedere Bruno.

Correndo o texto com olhos de um ‘psicanalista’, percebe-se uma protagonista completamente fora de sua época, negligenciando o presente e firmando suas raízes, intransferíveis, no seu passado. A total negação de sua condição presente é o próprio fato de a personagem não apresentar sequer um nome: qual o nome da protagonista? Claro, não há necessidade de apresentá-lo, mesmo porque esse fato só vem reforçar o conteúdo e a mensagem do conto.

‘O espelho’ é o símbolo da procura de si mesma neste mundo, reflexo de uma realidade que, sempre que procurada, não é encontrada. Em seu lugar, isto é, o rosto que se espera encontrar, surge outro, o de Isa – “uma amiga de infância que há anos se fora” (entenda-se como ‘um tempo que se fora’). Mas não é propriamente Isa quem a chama, mas tão somente o tempo passado. É justamente lá, em tempos remotos, ou da infância ou de outras épocas, onde a personagem fincou suas raízes e de onde se recusa a sair.

Em seu tempo atual, a personagem não encontra ecos que, reverberados em um provável feedback, possam lhe devolver algum momento de felicidade.

Não encontrando a sua própria voz (“A voz trava. Um som gutural é o que sai de sua garganta”), a sua comunicação com este mundo se torna impossível (“Tenta ligar para o plantão do marido. Telefone mudo. Ajeita os fios do aparelho e nada. O celular é inútil. Sem bateria”), os obstáculos são imensos (“Nenhuma luz se acende, a porta de acesso não abre, quer pedir socorro, mas quem a ouvirá do décimo andar?”).

Após não mais suportar seus terríveis traumas psicológicos, apela para a religião - o único meio de ligação com a eternidade - (“Ajoelha-se e começa a orar o Pai Nosso”). Desfalece.

É encaminhada à psiquiatria - como se a ciência fosse capaz de elucidar os dilemas e atenuar as tristezas do espírito - que lhe dá alta hospitalar.

Certa noite, na certeza de sua incompatibilidade com esta dimensão, salta da janela em um voo espetacular com asas de um pássaro que deixa a sua gaiola. Compreende, enfim, que o infinito a espera.