Eduardo e Mônica: o casal mais famoso da música brasileira

Muita gente conhece a história de Eduardo e Mônica, por causa da história contada (e cantada) na letra criada por Renato Russo, que fala do encontro e envolvimento amoroso deste casal , onde a figura masculina (Eduardo) é alienada e inconsciente, enquanto a feminina (Mônica) é descrita como mulher forte, “antenada”.

No início da música há um refrão: (Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?), o autor já começa contando com as formações imaginárias do seu interlocutor, pois o chama para um dialogo, lançando uma pergunta que ambos já têm a resposta: as coisas do coração não têm explicação.

Já no começo da letra, o autor é parcial, cita características que engrandece Mônica com relação a Eduardo. Insinua que Eduardo seja preguiçoso e indolente (Eduardo abriu os olhos mas não quis se levantar; Ficou deitado e viu que horas eram), ao mesmo tempo que tenta dar uma imagem independente à Mônica (enquanto Mônica tomava um conhaque noutro canto da cidade como eles disseram). Enquanto Eduardo ainda estaria acordando, Mônica já estava tomando conhaque. Inicia com um intertexto claro com o ditado popular: “Enquanto você está indo, eu já estou voltando”, e o faz várias vezes no decorrer da música.

Dois jovens se encontram por acaso, conversam, se conhecem, trocam telefone e marcam um novo encontro. Ocasião na qual Mônica começa a impor suas preferências, uma constante, em oposição a uma humilde proposta de Eduardo (O Eduardo sugeriu uma lanchonete, mas a Mônica queria ver filme do Godard). Acabam se encontrando em um local neutro, em um parque da cidade. Porém Mônica coloca o rapaz em uma situação inferior. Ela vai de moto ao encontro, enquanto ele comparece de “camelo”, ou seja , de bicicleta.

Em outro momento o autor deixa claro que Mônica estava em um patamar intelectual situado bem acima do que se encontrava Eduardo (Ela fazia Medicina e falava alemão e ele ainda nas aulinhas de inglês. Ela gostava do Bandeira e do Bauhaus, de Van Gogh e dos Mutantes, do Caetano e de Rimbaud. E o Eduardo gostava de novela, e jogava futebol-de-botão com seu avô). Mônica sempre engrandecida, pois fazer um curso altamente concorrido como medicina, falar alemão, gostar de poesia, música, arte , não é para qualquer um. Enquanto Eduardo um “crianção” assiste novela, e joga botão com o avô. Por outro lado, pela primeira vez é mostrado o lado família de Eduardo, o rapaz que dá atenção ao avô. Notamos também como as palavras podem ter diferentes sentidos, conforme o “lugar” que são utilizadas. As palavras “ainda” e “aulinha” aqui (e ele ainda nas aulinhas de inglês) adquirem um significado negativo, que chega quase ao pejorativo. Refletem a idéia de atraso intelectual, coisa sem valor, respectivamente. Eduardo naquela idade ainda está fazendo aula de inglês, enquanto Mônica já falava alemão. Mônica fala de magia e meditação, Eduardo assiste novela, TV e freqüenta clube. O autor aqui faz uso de um discurso dos intelectuais, que aponta como “alienado” quem fica muito preso a TV e a novela. Justamente o que acontece com Eduardo.

Todo dizer está relacionado a uma memória, mobilizando um arquivo, as formações imaginárias, isto é, mobilizando os discursos relevantes que estão disponíveis acerca de uma questão. Aqui o autor se remete ao discurso que os opostos se atraem: “ e mesmo com tudo diferente, veio neles de repente uma vontade de se ver, e os dois se encontravam todo dia e a vontade crescia como tinha que ser”.

Na segunda parte da música os dois já estão muito envolvidos sentimentalmente e é nítida a influência de Mônica em Eduardo. O autor muda o verbo que designa as ações da dupla, o que antes era no singular, agora passa a ser na terceira pessoa do plural. Ou seja, agora fazem as coisas juntos, e também nota-se um certo “amadurecimento”, no Eduardo, pois agora ele tem atitudes de pessoa adulta da época, a bebida, o cabelo grande e o emprego. Ele sofre de uma “subjetivação”, pois passa a assumir uma outra postura e adquire outros valores. Mudando seus hábitos, parece se adaptar à Mônica. Esta, ainda à frente de tudo, está se formando enquanto ele inda passa no vestibular: (Eduardo e Mônica fizeram natação, fotografia, teatro e artesanato e foram viajar... Ele aprendeu a beber, deixou o cabelo crescer e decidiu trabalhar, e ela se formou no mesmo mês , que ele passou no vestibular). No final da estrofe, além do verbo flexionado no plural, a união do casal é reforçada pelo advérbio “juntos”, além das metáforas utilizadas: feijão com arroz e vice-versa (E os dois comemoraram juntos e também brigaram juntos, muitas vezes depois, e todo mundo diz que ele completa ela e vice-versa que nem feijão com arroz). O amadurecimento do casal se consolida com a chegada dos filhos e com a construção da casa, pois juntos vencem as dificuldades financeiras e prosperam. Mas o autor não termina a música sem mais uma prova de sua parcialidade (porque o filhinho do Eduardo tá de recuperação). É interessante notar que é o filho do Eduardo e não de Mônica, que ficou de recuparação. Deve ter herdado a “lerdeza” do pai.

A música termina repetindo o refrão do início que, como no teatro, o autor se vale de um prólogo que antecipa o assunto que será abordado (Quem um dia irá dizer que existe razão nas coisas feitas pelo coração? E quem irá dizer que não existe razão?). Mesmo com inúmeras diferenças, intelectual, cultural, os dois se apaixonam, há certo condicionamento comportamental da figura masculina em relação à feminina, mas nada impede que fiquem juntos e que formem uma família, com filhos gêmeos.

A letra desta música impressiona pelo sexismo estereotipado. Eduardo é salvo de sua vida medíocre graças a uma mulher “evoluída”. Podemos notar no decorrer da letra, que seu discurso é carregado de ideologias. A que fica mais evidente, é ideologia da guerra dos sexos, onde um quer superar, dominar o outro. Na visão do autor, nesta letra, o feminino é superior ao masculino e subjuga-o. Há uma “quebra” da tradicionalidade, pois nesta época, há mais de duas décadas atrás, em plena década de oitenta, quando a letra foi escrita, nossa sociedade era uma sociedade bem mais machista do que é hoje. A música coloca uma mulher não ao pé de igualdade com um homem, mas superior a este. Há um dialogismo de valores, a formação ideológica do autor faz sua formação discursiva colocar em “choque” valores ideológicos distintos. Pois ao mesmo tempo em que há ruptura de uns há a firmação de outros. Rompe com o machismo exarcebado da sociedade, e firma os valores da família, do casamento. Os elementos que nos mostra esse dialogismo refletem um lugar discursivo, caracterizado de um lado pela constituição familiar, pela relação afetiva entre seus integrantes e de outro os embates culturais e sociais que estão no contexto durante a produção da letra, como a firmação social da figura feminina.

A letra não deixa de ser uma metáfora, fala da supremacia dos mais bem preparados intelectualmente, não importando o sexo. Como esse grupo conquista e se impõem sobre o outro. E como o conquistado conquista o conquistador. Como se “mesclam” os conceitos, os valores. Um influenciando o outro. Pois vemos que Mônica se tornou uma mãe de família, e Eduardo mais responsável, amadureceu. E juntos vencem as dificuldades que vão surgindo, como a crise financeira que enfrentaram quando os filhos gêmeos chegaram.

Quanto ouvimos algo, nossa memória discursiva busca em seu “banco de dados” o reconhecimento do discurso, e o compara a discursos já ditos. Assim fica plausível o entendimento. Isso acontece o tempo todo, nesta música, na medida em que vão acontecendo às comparações feitas entre o casal, nós, os ouvintes, vamos relacionando com o nosso conhecimento. Conhecemos muitos Eduardos e muitas Mônicas por aí, não é verdade? Duas pessoas bem diferentes que de repente se encontram, se apaixonam e uma acaba por completar a outra.

A música Eduardo e Mônica, faz parte do álbum "Dois" da Legião Urbana, de 1986.

Meire Boni
Enviado por Meire Boni em 20/04/2013
Reeditado em 22/04/2013
Código do texto: T4250361
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