Ao motivar o aluno a refletir produtivamente sobre a linguagem, as práticas desenvolvidas pelo professor devem ser ancoradas numa língua real ou numa língua idealizada?

No meio escolar, o estudo da sintaxe deve ser permeado por práticas que ajudem ao aluno a depreender os mecanismos de articulação sintagmática necessários à produção de enunciados formalmente gramaticais. Em posse de elementos que o auxiliem nessa depreensão, ele deve ser orientado a refletir produtivamente sobre a adequação das estruturas sintáticas às diferentes normas de uso da língua (com destaque à norma-padrão) e a empregar eficientemente os mais variados recursos de expressão na produção dos seus textos.

É importante o(a) professor(a) ter em mente que a análise dos fatos sintáticos deve ser intuitivamente transparente aos alunos (ou seja, a análise não pode resultar num estudo inconsistente em relação à gramática internalizada dos falantes) e resultar no desenvolvimento de generalizações que contribuam para o estudo produtivo sobre o papel da gramática na construção de sentido dos textos.

No tratamento da sintaxe, é importante fornecer ao aluno subsídios para que ele possa refletir produtivamente sobre o sentido dos enunciados e explorar diferentes recursos de expressão nas mais diversificadas situações de interlocução. Abordagens calcadas na observação de propriedades sintáticas que são irreais do ponto de vista empírico (como o estatuto apassivador do se no português contemporâneo) ou na rejeição de fatos gramaticais do vernáculo (como a variação na realização da marca indicativa de plural (os livro - os livros) não contribuem para o sucesso do aluno no emprego dos mais variados recursos que a língua, em suas diferentes normas, põe a sua disposição.

A polêmica envolvendo um capítulo do livro “Por uma vida Melhor”, destinado a Educação de Jovens e Adultos (EJA) deveu-se ao obscurantismo da mídia, a qual faz apologia ao uso de uma língua idealizada e cria a dicotomia em torno do certo e do errado. Scherre (2005) chama a atenção para a atitude da mídia em relação a fatos linguísticos do português brasileiro, diante dos quais os meios de comunicação social se posicionam estigmatizando certos usos a partir do certo e do errado, o que traz em seu bojo a ideia de superioridade linguística de uma variedade em relação a outras ou de um grupo social em relação a outros grupos sociais, traz também o julgamento de que certos usuários da língua são incapazes de se expressar adequadamente porque utilizam variedades que não são a padrão, isto é, não fazem uso da variedade de prestigio social, a qual, segundo essa visão, seria o suprassumo do português.

No entanto, é importante se levar em conta a bagagem cultural dos alunos em geral e, principalmente, da Educação de Jovens e Adultos (EJA), a quem a publicação “Por Uma Vida Melhor” foi destinada. Mesmo assim, a mídia, chamando de “assassinato a sangue frio da gramática” (NUNES, 2011) recusa as variações linguísticas de maneira totalitária e de modo a sustentar a ideia de subordinação e inferioridade linguística entre os falantes da língua. Nada obstante, as línguas humanas podem ser definidas cada uma como um conjunto de variedades, que podem ser de natureza social, geográfica, temporal e estilística. As línguas humanas são fenômenos dinâmicos, mutáveis e variáveis; portanto, todas as línguas mudam através dos tempos e todas as línguas variam em um mesmo tempo histórico.

A variação linguística é um fenômeno constitutivo de todas as línguas, sendo formas linguísticas alternativas para se dizer a mesma coisa, estando presente nos textos (orais e escritos) e nos gêneros textuais. A variação pode se dar no nível lexical, no nível fonético-fonológico e no nível sintático.

Os usos linguísticos são influenciados por fatores sociais específicos, como: os participantes – quem está falando e com quem está falando; o contexto social da interação; o tópico; e a função ou finalidade.

As línguas também podem variar em função de fatores e dimensões sociais. As dimensões sociais envolvidas na variação linguística são: a escala de distância social definida pelo relacionamento entre os participantes; a escala de status definida pelo relacionamento entre os participantes; uma escala de formalidade definida pelo cenário e pelo tipo de interação; e duas escalas funcionais relacionadas ao propósito ou ao tópico da interação.

As variedades não padrão são aquelas usadas pelos falantes mais pobres e marginalizados da sociedade. Elas também apresentam variações geográficas e sociais. É por meio delas que são veiculados conteúdos de tradição oral. Não sofrem processos de regularização e de oficialização. São associadas à práticas de linguagem (orais ou escritas) de pouco prestígio social.

A variedade padrão é uma das variedades de uma língua e é associada à escrita e a práticas de linguagem (orais ou escritas) de prestígio social. Ela passa por processos de regularização e oficialização e serve para ser usada em funções altas, tais como a escolarização, a elaboração de leis e documentos oficiais e a administração pública.

Sendo assim, os efeitos negativos que a posição preconceituosa da mídia em relação à língua traz são, dentre outros: a idealização de uma língua que só existe nos livros, a desvalorização, o desrespeito e o preconceito em relação às variações linguísticas e às diferenças culturais e regionais e a imposição de uma ditadura linguística, na qual as pessoas, falantes nativas da língua, sentem-se coagidas, encarceradas e de menos valia caso não dominem a norma padrão e de prestígio social.

BIBLIOGRAFIA

AVELAR, J. O. de. Funcionamento da Língua: Gramática, Texto e Sentido; Tema 3: A gramática no texto: procedimentos de análise.; Tópico 2. Campinas, SP: UNICAMP/REDEFOR, 2012. Material digital para AVA do Curso de Especialização em Língua Portuguesa REDEFOR/UNICAMP.

NUNES, A. Os livro mais interessante estão emprestado. São Paulo, 2011. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/augusto-nunes/direto-ao-ponto/os-livro-mais-interessante-estao-emprestado/>. Consulta em: 07 de setembro de 2012.

SCHERRE, M. M. P. Doa-se lindos filhotes de poodle. São Paulo: Parábola Editorial, 2005

Viviane Mirandaa
Enviado por Viviane Mirandaa em 04/12/2012
Reeditado em 04/12/2012
Código do texto: T4018709
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.