A Rotulação de alunos como Portadores de “Distúrbios ou Dificuldade de Aprendizagem”: Uma questão a ser refletida.

Campos, Luciana M. Lunardi_ A Rotulação de alunos como Portadores de “Distúrbios ou Dificuldade de Aprendizagem”: Uma questão a ser refletida. In: Secretaria de Estado da Educação. Governo do Estado de são Paulo. Série Idéias n. 28, São Paulo: FDE, 1997. p. 125-140.

Com mestrado em Educação Especial (Educação do Indivíduo Especial) pela Universidade Federal de São Carlos e doutorado em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho. Atualmente é professora assistente do Instituto de Biociências/Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho.

A autora inicia o seu texto exemplificando a situação de uma criança de classe baixa que não obtinha êxito no seu aprendizado. Sendo rotulada pelos professores como incapaz para aprender devido à imaturidade, retardo mental ou por ser vítima de um contexto familiar desestruturado. Salienta o quanto essas, são justificativas dadas no meio escolar diante do elevado número retenção, exclusão e encaminhamento de alunos das classes populares.

Enfatiza sobre freqüência elevada das atribuições e rotulações dadas aos alunos no que se refere ao seu processo de “não-aprendizagem” sistemática, tais como:distúrbio de aprendizagem, problemas de aprendizagem, dificuldades de aprendizagem, deficiência mental. Supostos diagnósticos que culpabilizam o aluno e o contexto familiar, eximindo responsabilidade da escola nesse processo, mascarando, desviando questões importantes relativas à prática pedagógica.

Isso não significa que não existam alunos com comprometimento significativo no seu processo de apreensão, associação, sistematização, elaboração dos conhecimentos. O questionável que a autora ressalta, é que em um número elevado de alunos das classes populares tem sido identificados com problemas ou distúrbios de aprendizagem. Cabe ao professor romper com essa prática de rotulação (espécie de “profecia do fracasso”), que se torna injusta já que é geradora de maiores exclusões.

Pontua que a reflexão sobre o processo de rotulação em nossas escolas implica na análise e clareza conceitual dos termos frequentemente e (aleatoriamente) utilizados. Na prática pedagógica qual a contribuição, qual o elemento favorável do rótulo? Em que aspecto ele auxilia, favorece, contribui para o desenvolvimento do aluno, bem como para criar vínculos positivos e salutares na relação professor-aluno?

É constatado que os rótulos na verdade desfavorecem o atendimento das necessidades e características dos alunos. Geram expectativas quase sempre negativas, limitando ações e interações. Ou seja, pouco ou em nada contribui para uma prática pedagógica comprometida com o desenvolvimento cognitivo-afetivo do aluno e com a ressignificação-assimilação dos conhecimentos.

A autora explicita sobre a tênue linha da imprecisão conceitual entre “distúrbios de aprendizagem”, “problemas e dificuldades de aprendizagem” encontrada na escola e, sobretudo na literatura disponível. Profissionais de diferentes áreas, como: Psicologia, Neurologia, Lingüística, utilizam terminologias próprias considerando as suas áreas de conhecimento, sendo assim, cabe utilizarmos de forma adequada.

Destaca que distúrbio de aprendizagem não possui uma definição única. É considerado um termo genérico referente a uma gama de distúrbios que se manifestam por dificuldades significativas na aquisição e no emprego da capacidade para ouvir, falar, ler, escrever, raciocinar e calcular. Diversos autores consideram os distúrbios de aprendizagem de origem psiconeurogênica, devido disfunções do sistema nervoso central, interferindo na percepção e no processamento da informação pelo aluno. Não sendo resultantes de condições deficientes ou influências ambientais.

É importante salientar que o fator neurológico é o determinante que esclarece o aspecto conceitual de distúrbios de aprendizagem. Faz referência à Ciasca (1991)*, relatando que em relação às características dos indivíduos com distúrbios de aprendizagem podem ser identificadas, aspectos comuns, como déficit de atenção, falhas no desenvolvimento e nas estratégias cognitivas para aprendizagem, dificuldades motoras, perceptual, dificuldades na linguagem oral e escrita, na leitura, no raciocínio matemático, apresentando inadequação no comportamento social.

A partir da pesquisa de Ciasca, a autora ressalta que no Brasil, o diagnóstico inicial é supostamente aventado pelo professor e posteriormente por especialistas diversos, que muitas vezes são resultados de intervenções estanques, sem a padronização devida das normas, não oferecendo a coesão necessária à contribuição sistemática sobre distúrbios de aprendizagem.

É relevante pontuar a opinião de muitos autores, estudiosos e especialistas no assunto; ou seja, que as avaliações psicológicas e pedagógicas deverão favorecer a identificação do quadro, estimar o grau de severidade e servir de parâmetro para outras condutas. Apesar de alguns autores considerarem relativo o valor do diagnóstico neurológico, essa avaliação faz-se necessária em função do componente neurológico do distúrbio.

A identificação e a classificação de uma criança com distúrbio de aprendizagem é de extrema complexidade e demanda investigação pormenorizada de uma equipe multifuncional. É possível constatar que um número ainda mais expressivo de crianças é “diagnosticado” com dificuldades ou problemas de aprendizagem. A autora ressalta que a rotulação de crianças no meio escolar com essa terminologia a partir de suspeita de disfunção neurológica, demonstra enorme equívoco, já que muitas vezes os termos são utilizados _inclusive por autores diversos_ como sinônimos ou não; alguns desses, enfatizando os aspectos perceptivos, outros, os aspectos afetivos (quanto ao estabelecimento de vínculos: escola, professores, conteúdos, etc). Portanto, nessa abordagem a aprendizagem é compreendida como um sintoma.

A autora sinaliza que a definição do termo dificuldades de aprendizagem depende do enfoque pedagógico, da abordagem metodológica, do modelo de educação sustentado pelo professor e da filosofia da escola. Considerando que, dificuldades ou problemas de aprendizagem de maneira geral designa desordens na aprendizagem global, proveniente de fatores variados que podem ser sanados e não necessariamente tem causas orgânicas.

Um aspecto importante a ser ressaltado diz respeito à relação que geralmente é estabelecida pelos pedagogos entre problema ou dificuldade de aprendizagem e déficit intelectual. É um dado que demonstra um desconhecimento dos termos utilizados, pois embora seja comum uma criança de baixo coeficiente intelectual apresentar dificuldades para aprender, o contrário não é sustentado, visto que problemas de aprendizagem independem do déficit intelectual.

Abordando a questão da deficiência mental, a definição atribuída pela Associação Americana de Deficiência Mental, diz: “compreendida como um funcionamento intelectual abaixo da média, associado a déficits no comportamento adaptativo, evidenciado durante o período de desenvolvimento” da criança. Um dado importante trata do diagnóstico de deficiência mental, que tem sido fortemente marcado pelos resultados de testes de QI (quoeficiente intelectual). É abusivo a conduta gerada pelos diagnósticos distorcidos, visto que muitas crianças são identificadas como deficientes e encaminhadas às classes especiais por razões as mais diversas que não justificam a medida, gerando o fracasso escolar desses alunos, que em sua maioria provêm de camadas socioeconômicas mais baixas. Ou seja, um processo institucionalizado de exclusão social se estabelece para aqueles alunos que não atendem aos padrões e normas estabelecidas pelo sistema escolar vigente.

É fato que as classes populares continuam historicamente sendo excluídas, reprovadas e expulsas da escola sempre com justificativas que atribuem ao sujeito única responsabilidade, atestando a sua “visível” inadequação e incapacidade de aprender os conhecimentos sistematizados pelo programa curricular. A autora cita as teorias vinculadas ao (não) aprendizado das classes populares: no primeiro momento a teoria que tem foco na carência ou deficiência cultural; em seguida o enfoque na teoria da diferença cultural e por último desvia-se o foco em que não é mais o aluno ou o ambiente os vilões do processo, mas sim, a investigação recai nas escolas, seus rituais e práticas pedagógicas.

Levanta-se a discussão sobre a produção do fracasso escolar, diante de trajetórias históricas que revelam a crença generalizada da incompetência das pessoas pobres do nosso país. Sem dúvida, esse é um ponto relevante a ser refletido e que pode ser constatado diariamente na fala, nos gestos, na prática do professor, no currículo, nos rituais e contradições mantidos, reproduzidos na instituição escolar.

O texto ressalta, dentre outras questões pertinentes, as práticas pedagógicas que comprometem o interesse dos alunos pela aprendizagem, minando-lhes o desejo pelo saber, gerando o típico aluno-problema. Sem dúvida, os erros pedagógicos podem não matar como os erros médicos, mas, fazem pior, inviabilizam a vida em sua potencialidade, sobretudo, quando pensamos o quanto é saudável a curiosidade, os caminhos da criatividade e na possibilidade das autorias do pensar do aluno.

Certa limitação é pontuada, no que tange ao domínio do conhecimento e na falta de reflexão dos professores quanto à sua prática. Ressalta-se a questão da competência técnica que é compreendida como o domínio do saber, habilidades adequadas à sua transmissão e compromisso político do professor no que se refere à consciência das implicações sociais de sua prática, bem como a responsabilidade com a transmissão/assimilação de conhecimentos historicamente acumulados _que no meu entender, esses conhecimentos deverão ser frequentemente debatidos, refletidos, contextualizados, transversalizados e constantemente ressignificados. É importante salientar que as condições de trabalho, a valorização do profissional quanto a uma remuneração condizente e sua formação, são questões que influenciam do seu desempenho e na “(des) construção” da identidade profissional.

A autora conclui que é imprescindível compreendermos que a maior parte dos alunos identificados e rotulados como “portadores” de distúrbios ou problemas de aprendizagem é produto do próprio sistema de seletividade da escola, refletindo a sociedade em que está inserida. O olhar, a escuta deve ser desviada do aluno e focalizada em sua abrangência na reflexão das práticas escolares e do modelo de sociedade em que a mesma faz parte. Pois, apesar da constatação de que a estrutura da sociedade é que determina os problemas de educacionais ou seja, de aprendizagem, a educação em si, possui condições de intervenções cabais, diante da sua autonomia para retroagir sobre os “sistemas de crença” aliados ao “poder das elites” que dão manutenção ao sistema.

A leitura desse texto é potencialmente esclarecedora oferecendo condições de reflexão e debate para todos os profissionais ligados à educação, além daqueles que estão inseridos nas clínicas levantando e traçando diagnósticos, tais como: neurologistas, psiquiatras, fonoaudiólogos, psicopedagogos e psicólogos.

*CIASCA, S. M. Diagnóstico dos distúrbios de aprendizagem em crianças: análise de uma prática interdisciplinar. Dissertação (Mestrado em Psicologia) Universidade de São Paulo, 1990.

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Seilla Regina Fernandes de Carvalho - Pedagoga, Psicopedagoga Clínica e Institucional.

Seilla Carvalho
Enviado por Seilla Carvalho em 11/01/2012
Reeditado em 21/01/2012
Código do texto: T3434971
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