O PARADOXO DO BARROCO (RELIGIÃO X HOMEM) ULTRAPASSA AS BARREIRAS DA CONTEMPORÂNEIDADE (RELIGIÃO X CIÊNCIAS).
O PARADOXO DO BARROCO (RELIGIÃO X HOMEM) ULTRAPASSA AS BARREIRAS DA CONTEMPORÂNEIDADE (RELIGIÃO X CIÊNCIAS).
Sayonnara Oliveira Nunes*
MOISES, Massaud. A literatura portuguesa. Editora Cultura. São Paulo, 2003.
Massaud Moisés é professor titular de literatura portuguesa da universidade de São Paulo, lecionou também em universidades dos Estados Unidos e é autor de numerosos e importantes obras de história e teoria da literatura.
O Barroco é uma escola literária que emergiu no final do século XVI e início do século XVII entre os conflitos de natureza política, econômica, social e principalmente religiosos. Este movimento deu início na Espanha e foi introduzido em Portugal durante o reinado filipino. A palavra barroco designa as várias manifestações artísticas da época: arquitetura, literatura, música, escultura etc.
O contexto histórico serve como o pano de fundo que caracteriza as influências que se encontram empreginadas no Barroco, como os paradoxos encontrados nas obras literárias. Portugal vivia sob uma tensão entre dois pólos que seriam os guiadores do destino humano: A Reforma e a Contra-Reforma. A Reforma foi iniciada como um movimento de oposição à Igreja Católica Apostólica Romana determinando o aparecimento das seitas protestantes. Teve o seu apogeu na Alemanha quando Martinho Lutero rompeu com a igreja. A designação de “protestante” propagou-se por toda a Europa e consequentemente para o mundo. Uma das principais causas da luta foi a opinião contra de Lutero acerca de algumas decisões e ações da Igreja Católica como: indulgências; inquisições etc.
A Contra-Reforma é um movimento levado a efeito pela Igreja Católica para fazer face aos progressos da reforma protestante iniciada por Lutero. Tinha como objetivo legitimar uma reforma na Igreja para que os católicos permanecessem ou voltassem a fazer parte dos fiéis desta. Durante muitos anos de luta e morte entre religiosos, Carlos V reuniu uma dieta em Espira para conceber liberdade de culto aos já chamados “reformistas”. A reforma luterana fez com que a igreja se dividisse e deixasse de ser absoluta, de ser a guiadora do destino humano.
O Barroco surge neste contexto e se torna um movimento propício para as entraves entre o TEOCENTRISMO (valores que a igreja tentava reimplantar) e o ANTROPOCENTRISMO (valores que o homem não deseja perder). Dessa forma, o homem barroco tenta atingir uma síntese desses valores, ou seja, conciliar RAZÃO e FÉ; ESPIRITUALIDADE e MATERIALIDADE; CARNE e ALMA. O homem torna-se um ser confuso e paradoxal, e toda a sua personalidade e seus sentimentos se refletem nas manifestações artísticas. O movimento literário traduz a tentativa de conciliar os opostos: bem x mal; Deus x diabo; céu x terra; pureza x pecado; alegria x tristeza; espírito x matéria.
No mundo contemporâneo, o homem também se encontra clivado, agora é entre os dogmas religiosos e os conceitos científicos. Percebe-se que na Idade média os conceitos que prevaleciam eram os religiosos; na Idade moderna os racionais (homem) e na idade contemporânea é a cientificidade, tudo está em torno dos conceitos científicos. O ser humano “moderno” está passando por um contexto social análogo com a época do barroquismo. É como se o homem estivesse voltando ao século XVI, mas com uma visão de mundo do século XXI. Antes, no Barroco, as pessoas eram repartidas entre religião/matéria e na modernidade entre religião/ciência.
Acredita-se que a religião e a ciências são dois campos do saber antagônicos. É perceptível que, muitas vezes, ambas tentam explicar um mesmo fenômeno, só que a ciência lidar com o empírico, por isso ela trata do assunto de forma mais realista, já a visão religiosa vê o mesmo fenômeno de forma mais agradável e fantasiosa. Uma outra significativa diferença entre religião/ciência, segundo Jason Stock é o fato que a ciência está aberta à crítica, que é o oposto da religião. A ciência implora para que você prove que ela está errada - que é todo o conceito - onde a religião o condena se você tentar provar que ela está errada. Ela te diz “aceite com fé e cale a boca”. Portanto, o ser humano vive em um mundo conflituoso, confuso e cheio de indagações acerca dos fenômenos naturais e sociais, mundo este que já existia no século XVI (Barroco).
O seres viventes racionais precisam conviver clivados entre respostas de acontecimentos naturais ou sociais segundo a ciência e outras respostas para os mesmos fenômenos de acordo com as concepções religiosas. Com certeza os cidadãos contemporâneos são confusos semelhante aos cidadãos da época do Barroco. É de se indagar quando comparados os enfoques das teorias científicas sobre a origem do universo e da vida na terra, e as diferenças em relação ao relato Bíblico em Gênesis e as explicações científicas. Em quem acreditar? Quem está certo? Quem tem mais razão, a religião ou a ciência? É neste mundo paradoxal que se vive o homem contemporânea.
Assim como houve convivência entre religião/homem (Reforma e a Contra-Reforma) no Barroco, na contemporaneidade também é possível a convivência entre religião /ciência. Uma vez que as primeiras reflexões sobre a religião foram feitas pelos antigos Gregos e Romanos, logo ela nasceu primeiro que a ciência. Com isso, é possível afirmar que todo conhecimento racional possui como base os dogmas da religião, seja para tomá-las como ponto de partida seja para “refutá-las”.
É perceptível que é possível fazer uma relação entre os conflitos sociais existentes no contexto do barroco e no contexto vigente. O homem de hoje é um retrospecto do homem do século XVI. Ambos possuem características comuns como: são conflituosos, indecisos, clivados, paradoxais etc. Portanto, pode-se afirmar que uma escola literária não surge com o objetivo principal de apagar os conceitos das outras, o máximo que elas podem fazer é refutar, complementar, interpretar os pensamentos. Uma depende da outra e sempre existirá movimentos literários que irão se basear em uma determinada escola ou contexto social. Pois, o mundo continua o mesmo é a maneira de interpretá-los que faz o homem se sentir um ser mais(+) ou menos (-) evoluídos no percurso do tempo.