Resenha - ARENDT, Hannah – Auschwitz em Julgamento, Responsabilidade e Julgamento: Companhia da Letras. 2004.

FACULDADE INTEGRADA DA GRANDE FORTALEZA – (FGF)

CUSO: DIREITO

TURMA: 2011.1

DISCIPLINA: FILOSOFIA GERAL E DO DIREITO

PROFESSORA: MSC. NÁDIA MARQUES GADELHA PRINHEIRO

RESENHADO POR CAIO RODRIGO JOSUÉ DIAS – (rodrigjosue@gmail.com

Auschwitz em Julgamento é uma parte da coletânea Responsabilidade e Julgamento da grande filósofa moderna Hannah Arendt. Nessa coletânea ela faz um profundo estudo filosófico acerca dos regimes totalitários, voltando-se principalmente ao nazismo Alemão, do qual ela fez parte enquanto judia, enquadrando-se portando na classe mais perseguida pelo sistema. Com a publicação dessa coletânea Arendt passou a ser perseguida pelas sociedades judias que alegavam Hannah de defender os crimes nazistas.

Em Auschwitz em Julgamento, Arendt faz uma profunda análise a respeito do julgamento que aconteceu em 1963 em Frankfurt, que visava julgar aqueles mais de dois mil homens que trabalharam no campo de concentração de Auschwitz.

Em suas primeiras linhas a respeito do julgamento de Auschwitz, Hannah confessa que este não é um julgamento fácil, haja vista que existem muitas informações cruzadas, como também poucas provas concretas. Restando aos juristas basear-se nas confissões das testemunhas.

No decorrer da narração detalhada dos acontecimentos, Arendt nos envolve com questionamentos filosóficos profundos, sempre nos instigando a repensar as questões morais, ideológicas e burocráticas que envolviam todos aqueles acontecimentos cruéis protagonizados pela população Alemã do século passado. A pergunta era sempre, de quem é a culpa? Quem deve ser responsabilizado por todos os acontecimentos na Alemanha nazista?

A maioria dos criminosos nazistas, que ainda estavam vivos, conviviam tranquilamente em sociedade até então, parecia mesmo que a coletividade não mais se entusiasmava em realizar julgamentos daqueles criminosos, como bem cita Hannah, as palavras dos promotores de Frankfurt: “A maioria do povo alemão não quer realizar mais julgamentos contra os criminosos nazistas” (ARENDT, Hannah). Considerando essa falta de interesse da população, alguns juristas chegaram a considerar que os “assassinos entre nós fossem deixados em paz”.

É de fato, importante considerar que o real objetivo do Julgamento de Auschwitz, era na verdade punir aqueles que vieram a descumprir as regras do regime, as regras impostas aos próprios soldados dos campos de concentração. Contudo esse objetivo foi distorcido uma vez que a defesa sempre se voltava à questão dos assassinos burocráticos, acusando-os de serem os principais responsáveis por tudo que aconteceu. A partir daí iniciou-se um processo complexo de análise, onde o ápice almejado seria identificar os reais culpados por todos estes procedimentos cruéis na Alemanha nazista.

Arendt nos assegura que o julgamento dos criminosos nazistas era demasiado complexo porque muitos dos tribunais locais não estavam dispostos a processar (exceto o de Frankfurt), como também a sociedade alemã não se mostrava interessada em cooperar.

Apesar de todas as dificuldades que poderiam vir a colocar em risco a credibilidade do julgamento, Arendt nos assegura que os principais problemas estavam na verdade

“na discrepância fantástica entre o testemunho anterior ao julgamento e o testemunho no tribunal, no caso da maioria das testemunhas alemãs; na suspeita menos justificada de que o depoimento de algumas testemunhas judaicas talvez tivesse sido manipulado pelo Comitê Internacional de Auschwitz em Viena; [...] e por fim, no triste fato de que a categoria mais confiável, os sobreviventes, consistia em dois grupos muito diferentes – aqueles que tinham sobrevivido por pura sorte, o que na realidade significava que tinham um trabalho interno no escritório, no hospital ou na cozinha, e aqueles que, nas palavras de um deles, tinha compreendido imediatamente que “apenas uns poucos poderiam ser salvos e eu ia estar entre eles.” (ARENDT, Hannah)

A partir desse último problema citado pela autora, podemos inferir que muitos dos que ali estavam, concluíram que a única saída para não morrer, seria matar.

Hannah nos afirma que o tribunal tentou julgar os acontecimentos como um julgamento comum, contudo, sabemos que esta medida não seria possível, isso porque estes acontecimentos estavam envolvidos por todo um contexto ideológico e burocrático que o transformava em um caso especial. Exigindo que os juristas muito sabiamente utilizassem concepções filosóficas para a apreciação de cada caso específico.

Não podemos julgar os que estavam executando ordens dentro dos campos de concentração como os únicos culpados, haja vista que estes nada mais eram do que seres submissos a ideologia do sistema. A defesa sempre estava recordando os verdadeiros culpados, que para ela eram os assassinos burocratas, que estavam em seus gabinetes encaminhando ordens de homicídio em massa aos responsáveis pelas execuções nos campos de extermínio.

E onde estavam esses assassinos burocratas que não estavam respondendo por seus atos criminosos no julgamento? Supostos responsáveis por todas as crueldades e mazelas da Alemanha da metade do século passado? Como sempre, eles estavam ocupando altos cargos do governo Adenauer, que esteve como chanceler Alemão até o ano de 1963, com nos assegura Arendt: “Não é segredo para ninguém que a administração da Alemanha Ocidental em todos os níveis está eivada de antigos nazistas.” (ARENDT, Hannah)

O que vemos na verdade no interior do julgamento dos que estavam no campo de Auschwitz é a transferência de toda a responsabilidade para os subalternos. A partir desses pressupostos podemos inferir, que na verdade, nesse momento a justiça e sua aplicabilidade não se voltavam à elite, como bem assinala Hannah:

[...] nos termos da hierarquia nazista, os réus de Frankfurt eram todos arraia-miúda: o posto mais alto de oficial da SS era o de capitão. [...] Metade deles provinha da classe operária, tinha oito anos de escola elementar e trabalhava como artesãos. (ARENDT, Hannah)

Contudo, de uma forma espetacular a defesa salienta que estes que executavam ordens não poderiam ser tratados como culpados, uma vez que o verdadeiro crime era planejado cuidadosamente por “assassinos burocratas em posições mais elevadas, que não tinham de sujar as mãos” (ARENDT, Hannah). Outra questão intrigante apresentada pela defesa era o fato do Estado ter dado uma ordem e depois querer punir aqueles que a cumpriram naquele determinado contexto. Não seria isso uma tremenda injustiça? A forma mais adequada não haveria de ser julgar aqueles que encaminharam tais ordens?

Hannah vem considerar que todos os julgamentos pós-guerra estiveram envolvidos por problemáticas legais e morais, pois dificilmente conseguia-se estabelecer quem era realmente culpado, ou quem era mais culpado ou menos culpado. Ela enfatiza que a concepção pública sempre apontava a maior parte da culpa aos assassinos burocratas.

Os julgamentos estavam constantemente em busca da verdade, todavia, para Bernd Naumann, como cita Hannah: “nem os juízes nem o júri descobririam a verdade – em todo caso, não descobririam toda a verdade”. Isso porque esses processos de julgamento estavam submissos a questões polêmicas e contrárias entre si, dificultando e complexificando cada vez mais o encontro de respostas justas e verdadeiras. É importante considerar também, que o código penal que regia todo julgamento não previa penalidades aos crimes de extermínio em massa, outro fator que gerava dificuldade.

De fato, para facilitar o julgamento, segundo o Dr. Heinrich Dürmayer, advogado e conselheiro de Estado de Viena, poderia ser feita uma inversão do processo de julgamento, considerando em um primeiro momento todos como culpados, e por fim estes teriam que apresentar as suas justificativas, como em suas palavras: “Eu estava completamente convencido de que essas pessoas teriam que provar a sua inocência.” Pois como afirmaram algumas testemunhas,

“dentro do cenário de Auschwitz, não havia ninguém que não fosse culpado, [...] significava claramente que a culpa intolerável devia ser medida por padrões não habituais, que não seriam encontradas em nenhum código penal” (ARENDT, Hannah)

Outro argumento importante utilizado pela defesa voltou-se ao Poder Judiciário da época, em que se questionou por onde andara todos os mecanismos de defesa e garantia da cidadania, pois permitiram aos nazistas fazerem tudo aquilo que queriam com o Estado: “Como apontou o Dr. Laternser, não teria sido o dever da promotoria tomar medidas contra as flagrantes violações da lei? [...] A promotoria não sabia na época que esses atos eram crimes?” (ARENDT, Hannah)

Contudo, afirmava-se que todas as atitudes nazistas eram protegidas por todos os segmentos do Estado, então como poderia a justiça penalizar esses atos se ela mesma os protegia?

Apesar de todos os argumentos da defesa, o tribunal mostrava-se preocupado em analisar as questões que envolveram o descumprimento da ordem estatal naquele contexto, ou seja, o descumprimento das ordens pelos que estavam a serviço do Estado no campo de Auschwitz. Partindo dessa análise, Hannah nos assegura que: “Apesar da normalidade dos réus, o principal fator humano em Auschwitz era o sadismo, e o sadismo é basicamente sexual” (ARENDT, Hannah)

Com isso, observa-se que apesar de estarem ali executando ordens, os soldados eram sádicos, explodiam de prazer em ver as suas vítimas se retorcendo no chão, cheias de sofrimento e dor. Eles não mostravam-se arrependidos do que fizeram, muito pelo contrariam, apresentavam-se extremamente orgulhosos por suas atitudes, apesar de incriminados.

A despeito de todas as malvadezas praticadas pelos homens da SS, quase todos afirmavam ter salvado a vida de alguém. Mas, dentre estes destacava-se o Dr. Lucas, pelo qual as testemunhas judias intercederam, afirmando a sua constante colaboração, evitando ao máximo possível a morte desnecessária daquelas pessoas inocentes.

Apesar do polêmico julgamento de Auschwitz, ainda continuamos com as inquietantes indagações. Quem foi realmente culpado? Será estes que executavam ordens ou aqueles que as encaminhavam para serem executadas? Estes criminosos tinham consciência do que estavam fazendo? Ou estavam envolvidos por uma forma ideológica de revolução buscando uma raça pura que viesse favorecer o desenvolvimento da nação?

E o principal questionamento: as penas foram justas? Os verdadeiros culpados chegaram pelo menos a ser réus?

O nazismo foi e continuará sendo um tema polêmico, cabe a nós analisarmos as suas diversas concepções e tirarmos as nossas próprias conclusões a respeito do mesmo. Todavia somos obrigados a admitir que toda a nação Alemã como toda a população mundial tem uma grande parcela de culpa nas atrocidades nazista, haja vista que naquele contexto ninguém se levantou para expressar a sua indignação contra o sistema.

Caio Josué
Enviado por Caio Josué em 02/06/2011
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