Fundamentos da gestão qualitativa em educação

Herick Limoni*

1 - REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

BODGAN, Robert.; BIKLEN, Sari. Fundamentos da gestão qualitativa em educação: uma introdução. In: ____. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos métodos. Portugal: Porto Editora, 1994. (Coleção ciências da educação).

2 - INTRODUÇÃO

As pesquisas qualitativas, em detrimento das inúmeras críticas que tem recebido, têm fornecido contribuições importantes às ciências sócias, como, por exemplo, os estudos em educação. No decorrer dos anos, muitas formas de pesquisas qualitativas foram utilizadas na educação. Os autores apresentam vários exemplos, resumindo que “a investigação qualitativa assume muitas formas e é conduzida em múltiplos contextos”. Nesse sentido, eles conceituam investigação qualitativa como “um termo genérico que agrupa diversas estratégias de investigação que partilham determinadas características” e que “privilegiam, essencialmente, a compreensão dos comportamentos a partir da perspectiva dos sujeitos da investigação”. Argumentam que em virtude dessa ênfase comportamental, os investigadores qualitativos consideram como secundárias as causas exteriores. Salientam, ainda, que as estratégias que mais representam as investigações qualitativas são a observação participante e a entrevista em profundidade. É muito em razão dessas duas estratégias que o pesquisador é considerado o instrumento principal das pesquisas qualitativas.

3 – SÍNTESE DA OBRA

Desde que os estudos qualitativos em educação surgiram no final do século XIX, nos Estados Unidos, visando denunciar vários problemas sociais que ocorriam em cidades americanas e entender suas causas, muitos foram os estudos e estudiosos que contribuíram para seu desenvolvimento. Nos anos finais do século XIX, Frederick LePlay designou, na tentativa de encontrar um remédio para o sofrimento social, o que viria a ser conhecido como “observação participante”. É também dessa época o início do entendimento de que “o povo é constituído por indivíduos”.

Também foi no final do século XIX que surgiram os primeiros estudos relacionados entre sociologia e educação, capitaneados por Franz Boas e seus colaboradores. Os antropólogos dessa época foram os primeiros a residir nos contextos naturais dos sujeitos, ainda que por pequenos espaços de tempo, para auxiliar em seus estudos. Seguindo os passos de Boas, Bronislaw Malinowski foi o primeiro antropólogo cultural a passar longos períodos de tempo na sociedade que desejava estudar, para observar o seu funcionamento. Também foi dele a iniciativa de descrever o modo como obteve seus dados e a experiência que teve no trabalho de campo. Para ele, o importante era apreender “o ponto de vista do nativo”, insistindo que “a teoria da cultura se devia basear em experiências humanas particulares e na observação, e ser construída indutivamente”.

Muitos estudiosos contribuíram para o desenvolvimento e a disseminação dos estudos qualitativos. Dentre eles, ocupam lugar de destaque os sociólogos investigadores da “Escola de Chicago”. Ainda que alguns desses sociólogos diferissem em alguns aspectos importantes, do ponto de vista teórico, todos entendiam que os símbolos e as personalidades emergiam das interações sociais e, do ponto de vista metodológico, todos eles se baseavam em estudos de caso, independentemente do número de indivíduos envolvidos no estudo. Esses sociólogos forneceram, ainda, algumas características essenciais para a compreensão da investigação qualitativa: em primeiro lugar, baseavam-se nos dados recolhidos em primeira mão para suas investigações e, em segundo lugar, davam maior ênfase na vida da cidade, pois, não importa o que estudassem, a comunidade como um todo era sempre o pano de fundo. Daí é que surge a característica de “visão holística” que os estudiosos qualitativos devem possuir. Em que pese sua contribuição, a “sociologia educacional” foi suplantada pela “psicologia educacional” nos estudos relativos à educação, pois, segundo seus críticos, a sociologia não demonstrava interesse pelo tema.

Apesar da inegável contribuição dos estudos qualitativos para o campo da educação, prosseguiam os debates metodológicos entre os investigadores quantitativos e qualitativos. Essa situação somente começou a declinar nos anos setenta, com o aumento dos estudos com base nas investigações qualitativas e o crescente reconhecimento desse método por parte dos investigadores educacionais, chegando até mesmo a obter a adesão de proeminentes defensores do método quantitativo.

Esse embate entre estudos quantitativos e qualitativos, apesar de menos intenso, não deixou de existir nas décadas de oitenta e noventa. É nessa época que surge o computador como importante ferramenta no recolhimento, gestão e análise de dados qualitativos. Muitos foram os programas constituídos com esse objetivo, o que caracteriza um aumento significativo nesse tipo de abordagem. Outros fatores que bastante influenciaram os estudos qualitativos nessa época foram a teoria e prática feministas. Foram as feministas que impulsionaram a investigação sobre as emoções e os sentimentos dos indivíduos e contribuíram para que, no campo, se preocupasse mais com as relações entre investigadores e sujeitos.

4 – REFLEXÃO CRÍTICA

Como vimos, foram muitas as contribuições dos estudos qualitativos para o campo da educação. Esses estudos, guardadas as devidas proporções e ressalvas, podem servir de base para investigações em outras áreas das ciências sociais, que não a educação. Hoje, em que pese ainda não haver solução para esse conflito entre pesquisa qualitativa e quantitativa, muitos foram os estudiosos que se renderam à contribuição científica daquela, tendo em vista que, para a identificação de alguns problemas sociais, necessária se faz uma abordagem mais intimista, capaz de captar variáveis intervenientes que não seriam passíveis de captação por uma abordagem quantitativa, tais como emoções, angústias, desejos, frustrações etc. Apesar dos defensores e adeptos de cada abordagem apontarem diversos fatores contra e a favor das investigações qualitativas e quantitativas, o que não se pode negar é a contribuição de ambas para a ciência, uma vez que este é um campo em constante desenvolvimento, servindo essas discussões como combustível para o crescimento científico. Seria mais prudente que, nesse momento de “revolução científica”, onde o “caldo da ciência” encontra-se em ebulição, os defensores de cada abordagem passassem a dar mais ênfase nas qualidades do método preferido que criticar o método alheio, oferecendo, dessa maneira, “ingredientes mais saborosos” a essa “receita”, que está longe de ser finalizada. Não que a crítica deva ser entendida como algo negativo, pelo contrário, pois ela é uma das grandes impulsionadoras do crescimento científico, mas (que me perdoem os cientistas conservadores), como diz o adágio popular, “muito ajuda quem pouco atrapalha”.

* Bacharel e Mestrando em Administração de Empresas, com ênfase em Segurança Pública e Defesa Social.