PRISONIZAÇÃO: processo deteriorado
*Por Valentina Luzia
O ser humano ao ser condenado à pena de reclusão, não perde somente o direito de exercer livremente suas ações, passa a incorporar uma série de normas que lhe são impostas, faz um novo contexto social, lidando com diferentes aspectos da vida na prisão. Segundo o professor Alvino Augusto de Sá (1998), um dos problemas enfrentados pelos sentenciados à pena privativa de liberdade é a prisonização e seus efeitos. Sobre prisonização Zaffaroni (1991, p.18) asserte: "A prisionização é o processo de deterioro que, opera de modo contrario, ou seja, que normalmente aumenta a vulnerabilidade." É muito difícil imaginar que esse processo possa revestir-se, dado as características estruturais da prisão. De qualquer maneira, não é de todo impossível pensar numa planificação da atividade das agências penitenciárias que se orientem para o tratamento humano sem incrementar a vulnerabilidade, na medida possível, reduzir seus níveis.
Ao falar de vulnerabilidade, propõe Zaffaroni, que a Criminologia Clínica deveria ter como função buscar compreender e caracterizar o estado de vulnerabilidade do encarcerado perante o sistema punitivo, conhecer os motivos pelos quais ele se vulnerabilizou, bem como procurar distinguir o que é que, nessa vulnerabilidade, antecede a intervenção penal e o que ela se segue, como conseqüência.
Mais adiante, como descreve Zaffaroni (1991), o sistema prisional sobrevive, apesar da sua ruína externa, e enfatiza Foucault (1987, p.234), de respeito à prisão: “as prisões não diminuem a taxa de criminalidade pode-se aumentá-las, multiplicá-las ou transformá-las, a quantidade de crimes e de criminosos permanece estável, ou ainda pior, aumenta”.
Portanto, de acordo com os autores, o sistema prisional é um órgão falido, apodrecido e as formas na qual o convívio social são compartilhadas na prisão, faz com que os indivíduos produtores da violência, reproduza-a de forma mais ofensiva, pois de acordo como seus executores, a prisão é um local não só de exercício da violência, como também, de sua produção e reprodução; ela, a violência, danifica, vulneraliza o indivíduo, destrói toda dignidade humana.
Em geral, a prisão é o encarceramento do indivíduo que cometeu um ato ilícito, cuja finalidade é punir, tratando-o, para depois, reinseri-lo ao convívio social levando consigo os efeitos da prisionização. Então, será necessário para que ele reconheça seu crime e admita a sua culpabilidade, se dispor a não delinqüir diante da vulnerabilidade que o cárcere provoca? Enquanto permaneceu em uma prisão, esse indivíduo não pode participar da evolução em que o mundo sofreu? Nesse sentido, está sendo já submetido a diversas formas de violência.
Começa por afastar-se da família e do convívio social, mormente, de si próprio, já não se reconhecendo como pessoa, integrando-se cada vez mais ao convívio prisional, corrompendo sua identidade.
O sistema prisional é seletivo e açambarca sérios problemas econômicos e sócio-políticos. Esse critério seletivo que o sistema prisional exerce, majoritariamente sobre as populações menos abastadas, os pobres, seres prisionizados e com estigma da lei penal, impede que se (re)estabeleça uma relação com a sociedade.
Deve-se observar de forma realista esse processo de prisionização e suas conseqüências provocadas pelo tratamento penitenciário não adequado no retorno do individuo à sociedade, como pensa Augustinis Cohen (2002, p.26): "Considerando que um dos princípios filosóficos que sustentam o sistema prisional é o da defesa social - proteger a sociedade com relação ao individuo que cometeu um ato antijurídico - o que se questiona, porém, é, como na prática, se deve realizar essa proteção social e como se deve tratar de forma humana essas pessoas custodiadas, e ao mesmo tempo, reabilitá-las ao convívio social.
Baseado nos estudos feitos sobre a história da prisão e a prisionização, pode-se ressaltar que os estabelecimentos penais servem ao propósito de “varrer” da sociedade aquilo que a incomoda, que representa um problema, levar para longe o “lixo”, o “entulho” que pode causar mal sem a preocupação como esse “lixo” vai ser tratado.
O exemplo dos leprosos da Idade Antiga e Média ou dos loucos de todo os gêneros, o criminoso deve ser eliminado do convívio social, longe dos olhos de todos, sem lembrar que algum dia estará na sociedade, deformado e mais ofensivo. Nas palavras de Zaffaroni (1991, p.53): "É verdade que no mundo temos sistemas penais seletivos, mais violentos, mais reprodutores de violência e sistema menos violentos, menos reprodutores de violência. Isso é verdade, sem duvida. Como regra geral, poderíamos dizer que, o sistema penal é mais seletivo, mais violento, mais reprodutor de violência quanto mais estratificada seja a sociedade, quanto mais seja a polarização da riqueza numa sociedade, quanto maior seja a injustiça social numa sociedade. A que é menos seletiva, menos violenta, menos reprodutor de violência, quanto menor seja a grande injustiça social da sociedade."
Como já foi citado anteriormente, na prisão existem estruturas sociais, a cadeia reproduz essa estratificação: presos mesmo em sua minoria passam a ser poderosos, de prestígios, os alcagüetes, os traficantes e a maioria dos presos além de sofrer do poder punitivo do Estado, são também submetidos às leis e regras próprias de “xerifes”. Realidade esta evidenciada no sistema prisional, talvez seja esta uma forma para a sobrevivência provocada pela prisionização.
Daí, Cohen (2002, p.1), ilustra muito bem quando se refere ao fenômeno da prisionização:
[...] aparentemente funciona como um sistema repressor da autonomia dos indivíduos que cometeram ato ilícito, tipificado pelo Código Penal brasileiro, tendo como finalidade puni-los ou tratá-los. Esta atitude heterônoma visa reenquadrar o individuo infrator ao convívio social, segundo normais legais. Mas se olharmos para presídios, veremos lá, se estrutura uma sociedade autônoma, com funções sociais o fenômeno da “prisionização”, ou seja, o aparecimento de uma cultura própria dos diferenciadas e leis próprias.
Todavia sabe-se que a prisionização é o cerne do problema provocado pelo cárcere para Thompson (1980, p.43):
"Todo encarcerado, sofre em alguma medida, o processo de prisionização. A começar com a perda de “status” ao se transformar de um momento para outro “numa figura anônima de um grupo subordinados. Todo encarcerado sucumbe, de alguma maneira, a cultura da prisão. Mesmo porque a cadeia é um sistema de poder totalitário formal, pela qual o detento é controlado 24horas por dia."
Atualmente é evidenciada que um grupo nas cadeias implante o seu poder sobre a minoria, muitas vezes com a conveniência de dirigentes, para que o sistema permaneça “sossegado”, uma paz aparente.Todavia nem sempre a prisionização é só privilégio dos detentos, ela pode atingir também aos agentes penitenciários, pois a vida carcerária é uma vida em massa, sobretudo para o preso, a prisionização desorganiza a personalidade, reforça a perda de identidade, aquisição de nova identidade, sentimento de inferioridade, empobrecimento psíquico, infantilização, regressão, busca de proteção (religião), enfim tornando adicto, o individuo.
Pode-se concluir que existe o enfoque equivocado e desumano, através da repressão, “enquadrar” o sentenciado, quando na verdade o que a segregação possibilita é apenas a exclusão formada do suposto reeducando que, por sua vez, para poder sobreviver nessa comunidade terá que se identificar com seus colegas, consolidando-se na micro cultura do seu grupo - o que o fará distanciar-se cada vez mais da sociedade como um todo.
Nesse labirinto perde-se a oportunidade que em realidade já existe em função do contexto jurídico legal e ético e até mesmo dentro de algumas comunidades, o de transformar o sistema penitenciário de um órgão mediador desses dois universos sociais, intervindo diretamente no fenômeno da prisionização.
(*)Valentina Luzia de Jesus é Pedagoga, com especialização em Psicopedagogia Clinica/Institucional e Gestão Educacional. Agente penitenciária com pós graduação em Gestão Prisional, além de estudante de Direito e gestora municipal de Ensino.