Análise de A medida dos dias
A medida dos dias" apresenta-se como uma narrativa, através da qual, a autora consegue fazer ver o isolamento e o vazio em que a personagem narradora se afunda. Trata-se de uma situação de ruptura consigo própria, com os outros e o mundo... ("... Para onde fui, onde escondi meu eu, em que abismos mergulhei, para cair neste ostracismo?") Verifica-se uma perda de identidade que a vai transformando numa espécie de marionete movida pela fatalidade do destino ("... Adapto-me de forma que já não tenho personalidade...").
À primeira vista, o leitor poderá, eventualmente, ser levado a pensar que o clima neurótico deste conto nada pretende comunicar, mas, a verdade é que ele levanta uma questão que não deixa ninguém indiferente. Uma questão profunda e universal: o sentido da vida. Uma questão mais ampla do que as próprias questões científicas. "Sentimos que, mesmo que fossem dadas respostas a todas as possíveis questões científicas, ainda não teríamos sequer tocado os nossos problemas vitais", disse, com razão, L. Wittgenstein. E o Homem revolta-se contra o naufrágio no nada, porque ele é, ontologicamente, procura de sentido.
Perante este "ser amorfo", que se entrega "passivamente", de boca e alma secas, presumo que a vida lhe terá prometido algo que muito desejou, mas que não aconteceu. No entanto, perante um "espelho lateral" que denuncia as "inúmeras mudanças ocorridas em meu corpo, à medida que, inconscientemente, fui me desenvencilhando de meu eu (...)", a personagem tem um assomo de revolta ("... Sinto vontade de reagir, quebrando-o..."). É como se a alma tivesse ficado incapaz de assimilar emoções e as transferisse para o corpo, provocando-lhe estragos visíveis que a levam a esta reacção.
Porém, a personagem narradora sente a vida como uma coisa alheia e entediante, como um fato alugado que não lhe serve, onde o vazio pousa tão insuportavelmente, que... "Nada tenho a anunciar. Desconecto-me. Fecho as cortinas e, imersa na escuridão de meu quarto, penso em como essa vida é sem sentido".
Obrigada por este texto, Bel. Gostei de o ler.
Um abraço
Maria João