A LENDA DE SÃO CIPRIANO
São Cipriano, o mago.
São Cipriano é das figuras mais controvertidas da tradição religiosa ocidental. Venerado tanto na religião católica, que o elevou a um dos santos mais famosos do seu panteão, quanto nas tradições afro-brasileiras, onde ele é um poderoso babalorixá, sua história está envolta em lendas e mistérios.
Tudo que se sabe sobre sua verdadeira identidade está envolto em mistério e lendas. As informações mais confiáveis(sustentadas por documentos escritos) dizem que seu nome era Tascius Caecilius Cyprianus, e que nasceu na cidade de Antioquia, na Síria em 250 dC.
Antioquia era uma cidade erguida na margem esquerda do rio Orontes, na Turquia, por Antioco, general de Alexandre, o Grande, no terceiro milênio a C. Era uma das maiores cidades do império romano, só superada por Roma e Alexandria. Sendo uma cidade onde se fundia a cultura ocidental, grega por excelência, e a oriental, oriunda principalmente do Egito e da Mesopotâmea, Antioquia era conhecida pela sua extrema licenciosidade de costumes e tolerância religiosa. Na "Antioquia, a bela", chamada a "rainha do Oriente", praticamente todos os deuses do Oriente e do Ocidente encontravam ali os seus seguidores. Os cultos mais difundidos eram aqueles associados aos deuses do amor, da beleza e do prazer, de tal modo que Eros, Afrodite, Bacco, Dionísio, etc. eram dominantes nessa cidade, além do culto à Mitra, a divindade dos Grandes Mistérios iniciáticos. Nessa época o Cristianismo ainda não era uma religião dominante no Império Romano e seus seguidores, considerados sectários, intolerantes e fanáticos, eram perseguidos e torturados pelas autoridades.
O século III da era cristã foi um período de grande efervecência cultural, resultante da globalização promovida pelo Império Romano. Era a época das grandes discussões filosóficas e da fusão das ideias desenvolvidas pela filosofia grega com as tradições religiosas dos povos orientais. Desse caldo cultural, misto de espiritualidade e superstição, surgiu a Gnose, o Neo-Platonismo, a Cabala, a Alquimia, o Hermetismo de uma forma geral, e os grandes sistemas de pensamento que aliavam a cultura racionalista do helenismo com as tradições religiosas do Oriente, fundamentadas principalmente no simbolismo, na metafísica e revelação espiritual.
Era grande a influência do pensamento mágico na vida dos cidadãos da época e os filósofos mais respeitados eram justamente aqueles que se ocupavam de assuntos místicos.
Embora a Igreja de Roma não reconheça como verídica essa informação, a maioria dos estudiosos concordam que o religioso canonizado com o nome de São Cipriano, Bispo de Cartago, e o mago conhecido Cipriano de Antioquia,(apelidado de «o feiticeiro», ou «o mago dos magos»), sejam a mesma pessoa. A recusa da Igreja católica em aceitar esse fato seria a dificuldade de reconhecer que um dos seus grandes santos, antes de se converter ao cristianismo, teria sido um notório bruxo e feiticeiro.
Na verdade, os únicos registros históricos que se tem desse personagem, antes de ele se tornar um grande prelado da Igreja, falam dele como sendo um praticante de artes mágicas, incluindo bruxaria e alquimia. Seus pais se chamavam Edeso e Cledônea, os quais desde cedo o encaminharam para estudos místicos e religiosos, já que eles mesmos tinham ligações com seitas místicas da época e eram dados a essas práticas religiosas.
Logo o jovem Cipriano se tornou perito em ciências ocultas, estudou profundamente as tradições relativas à bruxaria e rituais considerados satânicos pelos cristãos. Tornou-se também profundo conhecedor de astrologia, de forma que seus conterrâneos o tinham como um grande oráculo. Estudou com os grandes mestres e hierofantes do Egito Babilônia e Grécia, angariando profundos conhecimentos da cultura da época.
Com cerca de 30 anos de idade, Cipriano conhece uma mulher chamada Èvora, que tinha a fama de ser uma grande sacerdotisa e bruxa. Foi com ela que ele desenvolveu sua capacidade mediúnica e a habilidade, que lhe era fartamente reconhecida, de fazer premonições. Vem dessa época a sua fama de satanista, amigo íntimo de Satanás. Como mago e feiticeiro acumulou uma grande fortuna, pois era procurado por pessoas ricas e influentes de todo Império Romano.
O bruxo vira santo
A conversão de Cipriano, o bruxo, está cercada de lendas e mistério. Dizem que ela ocorreu porque o bruxo Cipriano não conseguiu fazer com que uma jovem cristã, chamada Justina, abandonasse sua fé em Cristo para se casar com um jovem chamado Aglaide, que lhe havia pago grande soma em dinheiro para enfeitiçar a moça e fazê-la abandonar a sua intenção de tornar-se freira. Vendo que a fé em Cristo era mais forte do que suas artes mágicas, Cipriano desiludiu-se de sua sabedoria, e passou a estudar a fé cristã, na tentativa de descobrir o que fazia a sua força. Foi assim que ele conseguiu a sua iluminação e converteu-se ao Cristianismo. Em consequência, abandonou sua antiga vida e se tornou sacerdote, sendo, mais tarde, guindado à alta posição de Bispo de Cartago.
Diz a lenda que a fama de Cipriano, mesmo depois da sua conversão, continuava muito grande. Ele agora fazia milagres, segundo a ótica cristã, e sua paróquia era muito procurada pelas pessoas. Era tão grande o numero das pessoas que ele convertia ao Cristianismo que isso começou a preocupar o Imperador Dioclesiano. Preso e levado à presença do Imperador, Cipriano foi violentamente torturado para que renunciasse a sua fé. Juntamente com Justina, a quem devia a sua conversão, foram ambos flagelados e lapidados( apedrejados), mas mesmo assim se recusaram a abjurar a fé em Cristo. Em consequência ele e Justina foram perseguidos, aprisionados e levados ao imperador, diante do qual foram forçados a negar a sua fé. Naquele tempo, muitas das perseguições contra os cristãos visavam fazer os fiéis abjurar, ou seja, renunciar á fé em Cristo. Mas eles persistiram em sua fé. Por fim, eles foram decapitados em 304 d.C, juntamente com outros mártires cristãos que adotaram a mesma conduta. Isso era ocorrência comum nesse tempo, por isso o governo de Deoclesiano ficou conhecido como a Era dos Mártires.
Mais tarde os restos mortais de Cipriano, Bispo de Cartago, já guindado a condição de santo, foram removidos e sepultados na Igreja de São João de Latrão, em Roma, por iniciativa do Imperador Constantino.
A história de São Cipriano é claramente um exemplo da ambiguidade que existe em todas as tradições religiosas. Reflete a dualidade do espirito humano que oscila, concomitantemente, entre a luz e a sombra, entre o bem e o mal, Deus e o Diabo. E mostra também que nada pode ser julgado a partir de visões unilaterais que comportam um único julgamento. São Cipriano é hoje cultuado como santo e como bruxo. Os que creem na virtude da beatitude encampada pela Igreja Católica podem invocá-lo como intermediário entre as coisas do céu e da terra para realizar os seus desejos, e os que acreditam nas sutilezas do mundo mágico podem tê-lo como arauto de suas necessidades junto às divindades que governam esse território de mistérios e lendas onde todos os sonhos se realizam. Por isso o encontraremos tanto nos nichos da Igreja quanto nos altares dos terreiros de umbanda.
A tradição sustenta que São Cipriano escreveu diversas obras que ainda hoje orientam bruxos e feiticeiros em todo o mundo. A maioria está depositada na biblioteca do Vaticano. Mas há também uma vasta literatura apócrifa que diz reproduzir os seus mais profundos conhecimentos. Seu livro é usado tanto para piedosas orações cristãs quanto para macumbas e feitiçarias, brancas e negras.
O que ressalta em tudo isso é todo conhecimento tanto pode ser usado para o bem como para o mal. E que mal e bem são apenas questão de ponto de vista. O mal está na mente de quem vê mais que isso nessas tradições e procura impô-las aos outras como a única verdade.
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O LIVRO DE SÃO CIPRIANO- ED. ÁTICA, SÃO PAULO, 1987
São Cipriano, o mago.
São Cipriano é das figuras mais controvertidas da tradição religiosa ocidental. Venerado tanto na religião católica, que o elevou a um dos santos mais famosos do seu panteão, quanto nas tradições afro-brasileiras, onde ele é um poderoso babalorixá, sua história está envolta em lendas e mistérios.
Tudo que se sabe sobre sua verdadeira identidade está envolto em mistério e lendas. As informações mais confiáveis(sustentadas por documentos escritos) dizem que seu nome era Tascius Caecilius Cyprianus, e que nasceu na cidade de Antioquia, na Síria em 250 dC.
Antioquia era uma cidade erguida na margem esquerda do rio Orontes, na Turquia, por Antioco, general de Alexandre, o Grande, no terceiro milênio a C. Era uma das maiores cidades do império romano, só superada por Roma e Alexandria. Sendo uma cidade onde se fundia a cultura ocidental, grega por excelência, e a oriental, oriunda principalmente do Egito e da Mesopotâmea, Antioquia era conhecida pela sua extrema licenciosidade de costumes e tolerância religiosa. Na "Antioquia, a bela", chamada a "rainha do Oriente", praticamente todos os deuses do Oriente e do Ocidente encontravam ali os seus seguidores. Os cultos mais difundidos eram aqueles associados aos deuses do amor, da beleza e do prazer, de tal modo que Eros, Afrodite, Bacco, Dionísio, etc. eram dominantes nessa cidade, além do culto à Mitra, a divindade dos Grandes Mistérios iniciáticos. Nessa época o Cristianismo ainda não era uma religião dominante no Império Romano e seus seguidores, considerados sectários, intolerantes e fanáticos, eram perseguidos e torturados pelas autoridades.
O século III da era cristã foi um período de grande efervecência cultural, resultante da globalização promovida pelo Império Romano. Era a época das grandes discussões filosóficas e da fusão das ideias desenvolvidas pela filosofia grega com as tradições religiosas dos povos orientais. Desse caldo cultural, misto de espiritualidade e superstição, surgiu a Gnose, o Neo-Platonismo, a Cabala, a Alquimia, o Hermetismo de uma forma geral, e os grandes sistemas de pensamento que aliavam a cultura racionalista do helenismo com as tradições religiosas do Oriente, fundamentadas principalmente no simbolismo, na metafísica e revelação espiritual.
Era grande a influência do pensamento mágico na vida dos cidadãos da época e os filósofos mais respeitados eram justamente aqueles que se ocupavam de assuntos místicos.
Embora a Igreja de Roma não reconheça como verídica essa informação, a maioria dos estudiosos concordam que o religioso canonizado com o nome de São Cipriano, Bispo de Cartago, e o mago conhecido Cipriano de Antioquia,(apelidado de «o feiticeiro», ou «o mago dos magos»), sejam a mesma pessoa. A recusa da Igreja católica em aceitar esse fato seria a dificuldade de reconhecer que um dos seus grandes santos, antes de se converter ao cristianismo, teria sido um notório bruxo e feiticeiro.
Na verdade, os únicos registros históricos que se tem desse personagem, antes de ele se tornar um grande prelado da Igreja, falam dele como sendo um praticante de artes mágicas, incluindo bruxaria e alquimia. Seus pais se chamavam Edeso e Cledônea, os quais desde cedo o encaminharam para estudos místicos e religiosos, já que eles mesmos tinham ligações com seitas místicas da época e eram dados a essas práticas religiosas.
Logo o jovem Cipriano se tornou perito em ciências ocultas, estudou profundamente as tradições relativas à bruxaria e rituais considerados satânicos pelos cristãos. Tornou-se também profundo conhecedor de astrologia, de forma que seus conterrâneos o tinham como um grande oráculo. Estudou com os grandes mestres e hierofantes do Egito Babilônia e Grécia, angariando profundos conhecimentos da cultura da época.
Com cerca de 30 anos de idade, Cipriano conhece uma mulher chamada Èvora, que tinha a fama de ser uma grande sacerdotisa e bruxa. Foi com ela que ele desenvolveu sua capacidade mediúnica e a habilidade, que lhe era fartamente reconhecida, de fazer premonições. Vem dessa época a sua fama de satanista, amigo íntimo de Satanás. Como mago e feiticeiro acumulou uma grande fortuna, pois era procurado por pessoas ricas e influentes de todo Império Romano.
O bruxo vira santo
A conversão de Cipriano, o bruxo, está cercada de lendas e mistério. Dizem que ela ocorreu porque o bruxo Cipriano não conseguiu fazer com que uma jovem cristã, chamada Justina, abandonasse sua fé em Cristo para se casar com um jovem chamado Aglaide, que lhe havia pago grande soma em dinheiro para enfeitiçar a moça e fazê-la abandonar a sua intenção de tornar-se freira. Vendo que a fé em Cristo era mais forte do que suas artes mágicas, Cipriano desiludiu-se de sua sabedoria, e passou a estudar a fé cristã, na tentativa de descobrir o que fazia a sua força. Foi assim que ele conseguiu a sua iluminação e converteu-se ao Cristianismo. Em consequência, abandonou sua antiga vida e se tornou sacerdote, sendo, mais tarde, guindado à alta posição de Bispo de Cartago.
Diz a lenda que a fama de Cipriano, mesmo depois da sua conversão, continuava muito grande. Ele agora fazia milagres, segundo a ótica cristã, e sua paróquia era muito procurada pelas pessoas. Era tão grande o numero das pessoas que ele convertia ao Cristianismo que isso começou a preocupar o Imperador Dioclesiano. Preso e levado à presença do Imperador, Cipriano foi violentamente torturado para que renunciasse a sua fé. Juntamente com Justina, a quem devia a sua conversão, foram ambos flagelados e lapidados( apedrejados), mas mesmo assim se recusaram a abjurar a fé em Cristo. Em consequência ele e Justina foram perseguidos, aprisionados e levados ao imperador, diante do qual foram forçados a negar a sua fé. Naquele tempo, muitas das perseguições contra os cristãos visavam fazer os fiéis abjurar, ou seja, renunciar á fé em Cristo. Mas eles persistiram em sua fé. Por fim, eles foram decapitados em 304 d.C, juntamente com outros mártires cristãos que adotaram a mesma conduta. Isso era ocorrência comum nesse tempo, por isso o governo de Deoclesiano ficou conhecido como a Era dos Mártires.
Mais tarde os restos mortais de Cipriano, Bispo de Cartago, já guindado a condição de santo, foram removidos e sepultados na Igreja de São João de Latrão, em Roma, por iniciativa do Imperador Constantino.
A história de São Cipriano é claramente um exemplo da ambiguidade que existe em todas as tradições religiosas. Reflete a dualidade do espirito humano que oscila, concomitantemente, entre a luz e a sombra, entre o bem e o mal, Deus e o Diabo. E mostra também que nada pode ser julgado a partir de visões unilaterais que comportam um único julgamento. São Cipriano é hoje cultuado como santo e como bruxo. Os que creem na virtude da beatitude encampada pela Igreja Católica podem invocá-lo como intermediário entre as coisas do céu e da terra para realizar os seus desejos, e os que acreditam nas sutilezas do mundo mágico podem tê-lo como arauto de suas necessidades junto às divindades que governam esse território de mistérios e lendas onde todos os sonhos se realizam. Por isso o encontraremos tanto nos nichos da Igreja quanto nos altares dos terreiros de umbanda.
A tradição sustenta que São Cipriano escreveu diversas obras que ainda hoje orientam bruxos e feiticeiros em todo o mundo. A maioria está depositada na biblioteca do Vaticano. Mas há também uma vasta literatura apócrifa que diz reproduzir os seus mais profundos conhecimentos. Seu livro é usado tanto para piedosas orações cristãs quanto para macumbas e feitiçarias, brancas e negras.
O que ressalta em tudo isso é todo conhecimento tanto pode ser usado para o bem como para o mal. E que mal e bem são apenas questão de ponto de vista. O mal está na mente de quem vê mais que isso nessas tradições e procura impô-las aos outras como a única verdade.
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O LIVRO DE SÃO CIPRIANO- ED. ÁTICA, SÃO PAULO, 1987