Zii Zie: um show de Caetano
Nunca eu tinha estado antes diante de Caetano Veloso, o cara que começou lá em meados de 60, vindo da terra onde os orixás foram se instalar, e agora chega aos sessenta e oito anos de idade cheio de muita energeia e expressão corporal.
É claro, meus caros, que o show poderia ter sido muito melhor. Conheço a discografia do Caetano e se ele tivesse feito um apanhado de músicas muito boas, teriam sido duas horas de êxtase. Acontece que se tratava da gravação do DVD do álbum "Zii Zie", em que também tocou músicas do "Cê", e não de um revival, de um show falar do passado, como faz Roberto Carlos, que sempre recebe homenagem e isso sempre vai me incomodar (se você não sabe ou não se importa com a ideologia e as práticas por trás da Jovem Guarda, é um problema sério e nosso, ao contrário do que parece, porque desde que resolvemos viver em sociedade, amigo, que essa coisa de "minha vida" é muito relativo).
Admito que até "Perdeu", fiquei apenas contemplativo, mas foi em "Por quem?" que o cara me ganhou. Canta-a toda no falsete, achou uma melodia linda. Adorei os silêncios da música, a maneira como o bumbo soa nos espaços, tem alguma coisa de ingênua, mas não do tipo que desperta raiva no espectador, o tipo que tira um sorriso no canto da boca. Há uma grande pausa na música, em que a banda vai conduzindo a percepção para um universo de pouca sonoridade e muita reverberação. "Deixa soar", deve ser o comando.
Meus amigos e eu, no entanto, concordamos que "Eu sou neguinha", da Vanessa, foi o ponto alto. Uma versão com peso e pausa, com o timbre bonito de Caetano, ao contrário daquela coisa que me irrita um pouco no fim de cada verso de da Matta. Grande expressão corporal a do velho baiano. O chifre que fazia com as mãos tinha uma força inegável, coisa de quem vê o diabo, na luz do palco, o bode, não o mal, mas a fertilidade. Dançou, girou, fez cena. Foi muito agradável ver alguém de quase setenta anos tão em forma.
Ao fim, fez uma parceria com o Jorge Mautner: ambos trocaram abraços ao fechar "Manjar dos reis", onde o tempo se manifestava na força dos vincos que o corpo colheu, e que se traduzia em sabedoria, experiência, ciência do espetáculo que se oferece e que se quer ver repercutir. O artista não morre até que lhe cortem os vínculos com a imaginação.
Foi um momento bastante agradável, de poucos deslumbramentos, mas quem é que precisa viver de frissons? Eu mesmo vejo a Arte, hoje, de um outro nível, de uma forma que tenho menos euforia e mais emoção, de verdade, por não apenas sentir, mas por poder contemplar um pouco da propagação do ato dentro de mim. Não é só o que se sente, é o que se recolhe depois do vendaval.
Já vi Gils, já vi Miltons e Caetano. Falta o Buarque. Será que rola?