DIANTE DA DOR DOS OUTROS - SUSAN SONTAG

“As ideologias criam arquivos de imagens comprobatórias, imagens representativas, que englobam idéias comuns de relevância e desencadeiam pensamentos e sentimentos previsíveis.”

Susan Sontag

11 de março de 2004. Amanheço com a triste notícia do atentado em Madrid. As fotos dos vagões explodidos entre mortos e sobreviventes ganham todos os espaços midiáticos. A percepção do atentado nos preenche de terror.

O dia passa e o número de mortos e feridos aumenta. Somos dominados pelo pânico, pela estupefação, pela indignação... As autoridades discursam nos tons acusatórios, enquanto enfrentamos a triste visão de nossa vulnerabilidade exposta em carne viva, em pedaços, em aço retorcido...

A ilustração da capa do livro “Diante da dor dos outros” de Susan Sontag prende minha atenção: um homem enforcado e outro sentado, serenamente contemplando a morte estendida em sua frente, uma pintura de Francisco José de Goya y Lucientes. Percebo que estou presa, como o espectador ilustrado, nas inúmeras imagens veiculadas sobre o terrorismo mundial.

A narração começa nas elaborações de Virginia Woolf na publicação “Três guinéus”, de junho de 1938, quando a escritora reflete sobre as raízes da guerra e escreve sobre algumas fotos que o governo sitiado da Espanha publicava duas vezes por semana. Woolf conclui que a guerra é genérica, assim como são genéricas, as vítimas anônimas.

Susan Sontag faz uma profunda análise no papel da fotografia de guerra no mundo contemporâneo. “Agora, guerras são também imagens e sons na sala de estar.” Os conflitos são processados pelos espectadores a partir do choque das fotografias e na interpretação das respectivas legendas: “A compreensão da guerra entre pessoas que não vivenciaram uma guerra é, agora, sobretudo um produto do impacto dessas imagens.”

A escritora norte-americana afirma a existência do sofrimento, contudo questiona se ainda é possível protestar diante da banalização da morte e da dor. Discorre sobre a força das palavras e das imagens, para demonstrar como o mundo de imagens é mais real. “Enquanto a imagem, como toda imagem, é um convite ao olhar, a legenda, na maioria das vezes, insiste na dificuldade exatamente de olhar.” A consciência atormenta o espectador...

Os argumentos se sucedem. No curso da narrativa, verificamos as contradições e ambigüidades dos participantes de uma guerra, quando exigem o sagrado direito de seus mortos não terem os rostos descobertos, contudo, mostram seus inimigos em fotos deprimentes e encenadas. Susan incita a reflexão: “É mais fácil pensar no inimigo apenas como um selvagem que mata e depois levanta a cabeça de sua vítima para que todos vejam.”

Quem não viu as fotos dos filhos de Saddam Hussein mortos pelas forças aliadas? Ou as fotos de soldados iraquianos carbonizados nas precárias trincheiras?

Quantas fotos não são armadas para remontar a seqüência histórica de acordo com os interesses encobertos? Quantas palavras não camuflam as legendas das imagens?

As fotografias do atentado terrorista em Madrid, expostas nos principais veículos de comunicação, cicatrizam nas memórias individuais em carne viva e em aço retorcido. Nosso olhar é atraído pela dor e pelo sofrimento e se torna uma ferida de indignação. Mas será que nós percebemos os cheiros e os sons, a dor e a apatia...? Susan Sontag conclui:

““Nós” – esse “nós” é qualquer um que nunca passou por nada parecido com o que eles sofreram – não compreendemos. Nós não percebemos. Não podemos na verdade, imaginar como é isso. Não podemos imaginar como é pavorosa, como é aterradora a guerra; e como ela se torna normal. Não podemos compreender, não podemos imaginar. É isso o que todo soldado, todo jornalista, todo socorrista e todo observador independente que passou algum tempo sob o fogo da guerra e teve a sorte de driblar a morte que abatia outros, à sua volta, sente de forma obstinada. E eles têm razão.”

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 25/01/2005
Código do texto: T2397