VERDES ANOS DE UM MENINO DE ENGENHO José L. Rego

“As gerações não falam e não comem pela mesma boca. As leis que regem a linguagem, quando se cristalizam e se fecham em intransigências radicais, aniquilam a expressão e desmantelam o ritmo.”

Discurso de posse na ABL

José Lins do Rego

José Lins do Rego, homem marcado por suas raízes nordestinas e vivências na “casa grande”, inova o conceito da linguagem e da literatura como um legítimo instrumento de expressão. Toda a sua obra é marcada pela autenticidade e pela coragem de se expor, como, por exemplo, quando proferiu a sentença no artigo intitulado “Lima Barreto”: “Os grandes escritores têm a sua língua; os medíocres, a sua gramática.”

No livro Meus verdes anos, o autor apresenta a necessidade de escrever como forma de elaborar a realidade, de demonstrar o quanto é personagem nos diversos romances que publicou. José Lins do Rego, o menino criado pelo avô e pelas tias num engenho com todas as angústias de uma criança órfã e sensível num mundo marcado por muita desigualdade, recria o universo primitivo em histórias que imortalizam a realidade da casa grande e senzala, a convivência dos senhores de engenho e dos ex-escravos alguns anos após a abolição da escravatura no Brasil e as novas relações oriundas dos novos contratos sociais e da decadência dos engenhos.

Será que as posições de senhores de engenhos e escravos se extinguiram ou apenas foram redefinidas?

“Fiz livro de memórias, com a matéria retida pela engrenagem que a natureza me deu. Pode ser que me escape a legitimidade de um nome ou de uma data. Mas me ficou a realidade do acontecido como o grão na terra. A sorte está em que a semente não apodreça na cova e que o fato não tenha o pobre brilho do fogo-fátuo. É tudo o que espero dos “verdes anos” que se foram no tempo, mas que ainda se fixam no escritor que tanto se alimentou de suas substâncias.”

Otto Maria Carpeaux, amigo do escritor e crítico de artes, escreveu o prefácio da 1ª edição de Fogo Morto, apresentando o amigo José Lins e seu valor literário. “A obra de José Lins do Rego é ele mesmo. É profundamente triste. É uma epopéia da tristeza, da tristeza da sua terra e da sua gente, da tristeza do Brasil. Na tremenda saúde física de José Lins do Rego há a consciência desesperada de todas as doenças possíveis e da morte certa. Há na sua obra a consciência de que tudo está condenado a adoecer, a morrer, a apodrecer. Há a certeza da decadência dos seus engenhos e dos seus avôs, de toda essa gente que produziu, como último produto, o homem engraçado e triste que lhes erigiu o monumento. É grande literatura.”

Os romances do autor servem como ricos documentos para reconstrução a história do nordeste brasileiro. José Lins do Rego, nascido em 1901, conta as histórias de sua infância, apresenta-nos o mundo reminescente de que trata o livro “Casa grande e senzala” de Gilberto Freyre, também neto de senhor de engenho e amigo do escritor. A literatura dá alicerces para uma interpretação sociológica da formação do nosso povo. José Lins do Rego e Gilberto Freyre são autores e personagens desse rico e ilimitado enredo.

Surpreende-nos a confissão do escritor sobre a dificuldade de aprendizado das primeiras letras. O primeiro professor a vaticinar: “-Nunca vi menino mais burro do que este!” e o aluno, ainda iletrado, e sua família a receber tal afirmação como verdade. O menino José Lins incorporou a fala do mestre e, durante algum tempo, aprendeu com sofrimento, certo de sua debilidade, apesar de ter sido descoberto que o Dr. Figueiredo, professor e autor de tão infundado julgamento, era um louco que fora àquele lugarejo para se curar.

A dificuldade decorrente das palavras – algumas recriam o universo paralelo, enredos de nossas aventuras literárias, enquanto outras podem esterilizar nossos solos, tornando-os em veredas mortas nos sertões do desconhecimento.

Quantas pessoas se deixaram cristalizar nos julgamentos precipitados e perderam o ritmo para concretização do papel no mundo! Quantas se fecharam em intransigências radicais e viveram com as leis de uma linguagem que talvez não compreendessem! Quantas...

A extensão da travessia só pode ser avaliada depois de algumas tentativas. Não devemos deixar que os julgamentos alheios sejam definitivos na determinação de nossas atitudes. Devemos acreditar na conquista dos caminhos para ter a certeza do encontro com o nosso maior tesouro – nosso eu desbravado e explorado em suas potencialidades.

Se “as gerações não falam e não comem pela mesma boca” não devemos deixar que nossas verdades sejam proferidas por bocas alheias, que nossos desejos saciem a fome de outras gerações. Enfim, devemos sempre acreditar em nós para não deixar nossa capacidade se cristalizar na limitação do outro.

José Lins do Rego, o menino de engenho, cresceu e se tornou num dos maiores escritores brasileiros, com uma extensa obra reconhecida, além de ter se formado em Direito e exercido diversos cargos públicos, entre eles o de promotor público em Manhuaçu – Minas Gerais; fiscal da Inspetoria Geral de Bancos do Estado de Alagoas, e agente fiscal de imposto de consumo do Estado do Rio de Janeiro.

A obra literária de José Lins do Rego retrata seu povo com as vivas cores de experiências do autor. As alegrias e tristezas, apogeus e decadências, erros e acertos... são demonstrados sem grandes metáforas, são demonstrados tal como são na realidade. A obra imortaliza o lugar do autor no mundo – o menino de engenho sempre será José Lins do Rego. Não há mais um professor, há um número ilimitado de leitores a julgar o trabalho e a vida de nosso imortal escritor.

Devemos nos deixar influenciar por José Lins do Rego e erigir uma construção no mundo, com engenhos próprios, como retrato de nossa capacidade. Vamos deixar viva nossa experiência de luta e realização escrita com o ritmo e a expressão de um eu consciente do que é.

Helena Sut
Enviado por Helena Sut em 24/01/2005
Reeditado em 13/05/2005
Código do texto: T2347