Lascia ch'io Pianga
Essa é uma das árias mais indicadas para quem quer sentir um suicídio virtualizado.
Lascia ch'io Pianga está presente na ópera Rinaldo, de Händel, mas já estava em Almira ,uma ópera mais antiga do mesmo autor, na forma de sarabanda.
O seu ritmo atrai imediatamente a atenção. As duas primeiras notas soam como um vocativo e um convite. É de tamanha singeleza o convite, que não ousamos recusar, movidos por um sentimento de piedade. É como se fossemos ouvir as últimas palavras de quem está prestes a deixar nosso mundo.
A sua melodia, construída relativamente com poucas notas, sem prezar pela agilidade, e sim pela segurança, tem o poder de manter nossa atenção, já evocada pelo ritmo. A atenção fica tão dependente da melodia, que não é possível nenhum tipo de desvio quanto ao tempo, ou seja, não se prende a consciência à percepção das notas já executadas, nem tensiona-se as que estão por vir. Mesmo que já se a tenha ouvido por várias vezes, o desejo sempre é o de ouvir cada uma das notas no momento exato em que são executadas, como se a posição certeira delas passasse algum tipo de segurança psíquica. Certeza essa que se confirma com o desfecho da execução, momento em que se termina em cadência perfeita.
O trecho do libreto que é cantado nesta ária é quase que uma prece para que o sofrimento acabe o quanto antes. E como todas as preces deste tipo, mostra-se que quando não se perde a lucidez no sofrimento, a vida se torna impossível. Mesmo que o contexto indique um sofrimento amoroso, este vai além disso. É o sofrimento de quem está injustamente impedido de viver (no caso, o romance). Por outro lado, esta ária, quando ouvida fora de seu contexto, continua exibindo o mesmo sofrimento, mas este mostra-se mais elevado, ou interiorizado: Sofre-se pela injustiça do mundo. Isso não é o mesmo que um deprimido prestes a cometer suicídio pensa?
A voz exigida para executar esta ária deve ser perfeitamente limpa. Principalmente para executar os agudos cortantes. Sim, são agudos cortantes! A natureza da voz nesta ária é o fio da lâmina.
Lascia ch’io pianga mia cruda sorte,
E che sospiri la libertà!
E che sospiri, e che sospiri, la libertà!
Lascia ch’io pianga mia cruda sorte,
E che sospiri, la libertà!
Il duolo in franga queste ritorte
De’ miei martiri sol per pietà
De’ miei martiri sol per pietà.
Gabriel Dorio.