CONFESSO QUE VIVI - PABLO NERUDA
“Talvez não tenha vivido em mim mesmo, talvez tenha vivido a vida dos outros.
Do que deixei escrito nestas páginas se desprenderão sempre – como nos arvoredos de outono e como no tempo das vinhas – as folhas amarelas que vão morrer e as uvas que reviverão no vinho sagrado.
Minha vida é uma vida feita de todas as vidas: as vidas do poeta.”
Pablo Neruda
Biografias são sempre interessantes, ainda mais quando o escritor é um grande poeta que consegue transmitir suas vivências com as metáforas do mundo e os versos reticentes que contagiam o leitor e o impulsionam a completar a oração com atitudes estimuladas.
As primeiras e grandes impressões do mundo: a morte da mãe, esgotada pela tuberculose um mês após dar à luz; o pai operário e maquinista – José Del Carmem; a madrasta que o autor intitula o anjo tutelar de minha infância... A chuva é a presença mais constante na infância do jovem provinciano no cenário do bosque chileno. “Daquelas terras, daquele barro, daquele silêncio, eu saí a andar, a cantar pelo mundo.”
A sensibilidade do menino é demonstrada na grandeza do relato da “casa das três viúvas”, escrito quarenta e cinco anos após, registrando o jantar maravilhoso servido pelas três senhoras francesas e a conversa sobre a poesia de Baudelaire.
“Que se passou com as três senhoras desterradas com suas Fleus du Mal no meio da mata virgem?... Deve ter acontecido o mais simples de tudo: a morte e o esquecimento...”
Depois dos anos de Liceu, o poeta vai para faculdade em Santiago do Chile e incorre em novas descobertas e desconhecimentos. Assume a timidez inimaginável para o autor dos Cantos Gerais:
“A timidez é uma condição estranha da alma, uma categoria e uma dimensão que se abre para a solidão. Também é um sofrimento inseparável, como se a gente tivesse duas epidermes e a segunda pele interior se irritasse e se contraísse diante da vida. Entre as estruturações do homem, esta qualidade ou este defeito são parte do amálgama que vai fundamentando, numa longa circunstância, a perpetuidade do ser.”
A nomeação de Pablo Neruda para ser cônsul do Chile em Rangum inicia uma nova fase na vida do poeta que conhece um novo mundo nos lugares remotos que vive e passa a ter uma percepção mais ampla do homem:
“O poeta não pode temer o povo. Pareceu-me que a vida fazia uma advertência e me ensinava para sempre uma lição: a lição da honra oculta, da fraternidade que não conhecemos e da beleza que floresce na escuridão.”
Sua relação com Federico Garcia Lorca e com a Espanha estão sacramentadas no caderno “Espanha no coração”. O poeta vive a guerra civil espanhola e tais vivências influenciam de forma marcante sua literatura e o seu ingresso no Partido Comunista. Neruda sente necessidade de escrever para os seus semelhantes, no caminho do humanismo enraizado nas aspirações do ser humano. Assim começou a escrever os “Cantos Gerais”.
Seu encontro com a União Soviética, os escritores em ebulição em Moscou, a esperança de que o grande continente alçasse o grande vôo de uma nova verdade. “A revolução é a vida e os preceitos buscam seu próprio túmulo.” E a sua critica, quando visitou a China, ao culto ao Mao Tsé Tung. “... implantava-se de novo diante de meus olhos a substituição de um homem por um mito. Um mito destinado a monopolizar a consciência revolucionária, a concentrar em uma só mão a criação de um mundo que será de todos...”
Neruda nunca esqueceu suas raízes, sempre esteve ligado aos acontecimentos políticos e sociais de sua pátria. Aliás, em sua poesia podemos observar sempre a alusão às raízes, desde as tenras da infância nos bosques chilenos aos alicerces de convicções que nosso poeta construiu e floresceu em seus poemas.
As estações também são usadas constantemente como referências nos textos do poeta, principalmente, a primavera.
O último capítulo é sobre a vida e a morte de Salvador Allende, primeiro marxista eleito presidente da República na América Latina em 1970, morto durante o golpe que do depôs em 11 de setembro de 1973. Neruda escreveu-o poucos dias após aos fatos que culminaram na morte do governante e morreu no mesmo mês, em 23 de setembro de 1973.
Pablo Neruda, pseudônimo criado por Neftali Ricardo Reyes ainda na juventude para esconder a autoria dos poemas de seu pai, viajou o mundo inteiro e divulgou sua poesia e seus ideais humanísticos pelos diversos povos e culturas.
Como o próprio poeta afirmou em sua autobiografia: “...a história é escrita pelos vencedores ou pelos que desfrutaram da vitória.” Pablo Neruda é uma vitorioso, venceu os preconceitos e as tantas perseguições políticas e criou uma obra literária lida no mundo inteiro - uma leitura obrigatória para toda a humanidade.