Maria JOão analisa DESCOMPASSOS
Análise de Maria João
Em "Descompassos", estamos perante a dor da perda que a autora transmite numa linguagem poética simples, aparentemente "piegas", mas com efeitos estilísticos interessantes que se adaptam,perfeitamente, à expressão deuma experiência de dor, de mágoa, de perda.
Trata-se de um tema que nunca se esgota. Nos temas revisitados, o que importa, verdadeiramente, é a maneira como eles são tratados.
É de realçar, neste texto, a expressividade dos adjectivos (..."ondas do mar revoltas" (...) "vida (...) monocromática" (...) "convite inebriante"..), assim como o valor das reticências ("Vazio...") e ainterrogação retórica ("... O que foi feito da alegria que teci amorosamente para os dias que nunca chegariam a existir para nós?").
É notável o tom dramático provocado pela tensão que fervilha no íntimo de um eu-lírico que se recusa a viver de esperança (" Esperança sempre me pareceu coisa sem sentido") e que se debate entre o vazio e a saudade provocada pela separação.
Não há harmonia entre o "locus amenus" e o estado de espírito do eu-lírico.
As manhãs são de sol, mas "não mais refletem o antigo brilho", o pôr-do-sol não tem poesia, "os pássaros já não mais me despertam com os seus cantares".
. No entanto, o sujeito da enunciação identifica-se com o mar ("ondas do mar revoltas como meu coração") e acaba por se deixar seduzir pelo "convite inebriante do bailado" das suas ondas.
É tão bela e poética esta frase que a minha memória já a gravou : " (...) O orvalho se mistura às lágrimas quando, subitamente, vislumbro estrelas e o convite inebriante do bailado das ondas do mar."
Gosto também deste desenlace ambíguo: "Simulo voos. Chegarei a algum lugar".
Trata-se de um texto em aberto que dá ao leitor a possibilidade de preencher os espaços em branco, com as suas hipóteses. Neste contexto, penso que não há porta mais bem fechada do que aquela que se deixa aberta...
Acrescento ainda que a autora é exímia na arte de cortar palavras sem as reduzir drasticamente, sem as levar à depuração extrema que as torna obscuras e vazias de significado.
Bel, este texto é muito belo. Parabéns!
Maria João