As Veias abertas da América Latina
I – OBRA
GALEANO, Eduardo. As Veias abertas da América Latina 30 edição. tradução de Galeno de Freitas. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990.
II – CREDENCIAIS DA AUTORIA
Eduardo Galeano nasceu no Uruguai, em 1940. Jornalista e escritor.
III – CONCLUSÕES DA AUTORIA
Os metais arrebatados aos novos domínios coloniais estimularam o desenvolvimento europeu e pode-se até mesmo dizer que o tornaram possível.
A economia colonial latino-americana dispõe da maior concentração de força de trabalho até então conhecida, para possibilitar a maior concentração de riqueza que jamais possuiu qualquer civilização na história mundial.
Os índios padeceram e padecem – síntese do drama de toda a América Latina – a maldição de sua própria riqueza.
Segundo as fontes britânicas, a entrada de ouro brasileiro alcançava as 50 mil libras por semana em alguns períodos. Sem esta tremenda acumulação de reservas metálicas, a Inglaterra não teria podido enfrentar, posteriormente, Napoleão.
Quanto mais cobiçado pelo mercado mundial, maior é a desgraça que um produto traz consigo ao povo latino-americano que, com seu sacrifício, o cria.
O Nordeste brasileiro, é na atualidade, uma das regiões mais subdesenvolvidas do hemisfério ocidental. Gigantesco campo de concentração para 30 milhões de pessoas, padece hoje a herança da monocultura do açúcar, de suas terras nasceu o negocio mais lucrativo da economia agrícola colonial na América Latina.
O açúcar do tropico latino-americano deu um grande impulso à acumulação de capitais para o desenvolvimento industrial da Inglaterra, França, Holanda e, também, dos Estados Unidos, ao mesmo tempo que mutilou a economia do Nordeste do Brasil e das Ilhas do Caribe e selou a ruína histórica da África. O comercio triangular Europa, África e América teve por viga mestra o trafico de escravo com destino ás plantações de açúcar.
Nos Estados Unidos o café proporciona trabalho a mais de 600 mil pessoas: os norte-americanos que distribuem e vendem café latino-americano ganham salários infinitamente mais alto do que os brasileiros, colombianos, guatemaltecos, salvadorenhos ou haitianos que semeiam e colhem o grão nas plantações. Por outro lado, a Cepal nos informa, por incrível que pareça, que o café despeja mais riqueza nas arcas estatais dos paises europeus, do que a riqueza que deixa em mãos dos paises produtores.
Os latino-americanos que produzem, em jornadas de sol a sol, os alimento, sofrem normalmente de desnutrição: suas rendas são miseráveis, a renda que o campo gera gasta-se nas cidades ou emigra para o exterior.
A reforma agrária já não é um tema maldito: os políticos aprenderam que a melhor maneira de não fazê-la consiste em invoca-la continuamente.
As treze colônias do norte tiveram, pode-se bem dizer, a dita da desgraça. Sua experiência histórica mostrou a tremenda importância de não nascer importante. Porque no norte da América não tinha ouro nem prata, nem civilizações indígenas com densas concentrações de população já organizada para o trabalho, nem solos tropicais de fertilidade fabulosa na faixa costeira que os peregrinos ingleses colonizaram.
O aço se produz nos centros ricos do mundo, e o ferro nos subúrbios pobres; o aço paga salários de “aristocracia operaria”, e o ferro diárias de mera subsistência.
O comercio livre enriquecia os portos que viviam da exportação e aumentava em muito o nível de esbanjamento das oligarquias, ansiosas por desfrutar de todo o luxo que o mundo oferecia, porem arruinava as incipientes manufaturas locais e frustrava a expansão do comercio interno.
O comercio inglês não dissimulava sua inquietação, não só porque aquele ultimo foco de resistência nacional no coração do continente era invulnerável, mas também, e sobre tudo, pela força do exemplo que a experiência paraguaia irradiava perigosamente para os vizinhos. O país mais progressista da América Latina construía seu futuro sem inversões estrangeiras, sem empréstimo do banco inglês e sem as bênçãos do livre comercio.
Do Paraguai derrotado não só desapareceu a população; também as tarifas aduaneiras, os fornos de fundição, os rios fechados ao livre-comércio, a independência econômica e vastas zonas de seu território.
A guerra que selaria o destino colonial da América Latina nascia ao mesmo tempo em que concluía a guerra que tornou possível a consolidação dos Estados Unidos como potencia mundial.
Este não era o caso, por certo, das colônias latino-americanas, que proporcionavam o ar, a água e o sal ao capitalismo ascendente na Europa, e podiam nutrir com abundância o consumo luxuoso de suas classes dominantes importando do ultramar as manufaturas mais finas e mais caras. As únicas atividades expansivas, na América Latina, eram as que se orientavam á exportação; e assim foi também nos séculos seguintes: os interesses econômicos e políticos da burguesia mineira ou latifundiária não coincidiam nunca com a necessidade de um desenvolvimento econômico para dentro, e os comerciantes não estavam ligados ao Novo Mundo em maior medida do que aos mercados estrangeiros dos metais e de alimentos, que vendiam, é às fontes estrangeiras dos artigos manufaturados, que compravam.
As inversões que convertem as fábricas latino-americanas em meras peças da engrenagem mundial das corporações gigantescas não alteram em absoluto a divisão internacional do trabalho. Não sofre a menor modificação o sistema de vasos comunicantes por onde circula os capitais e as mercadorias entre os paises pobres e os paises ricos. A América Latina continua exportando seu desemprego e sua miséria: as materias primas de que o mercado mundial necessita e de cuja venda depende a economia da região. O intercambio desigual funciona como sempre: os salários de fome da América Latina contribuem para financiar os altos salários
O talismã foi despojado de poderes nas decisivas derrotas do século passado, quando os portos triunfaram sobre os paises e a liberdade de comercio arrasou a indústria nacional recém-nascida. O século vinte não engendrou uma burguesia industrial forte e criadora que fosse capaz de repreender a tarefa e leva-la as ultimas conseqüências. Todas as tentativas ficaram a meio caminho. À burguesia industrial da América Latina ocorreu à mesma coisa que acontece com os anãos: chegou à decrepitude sem terem crescido.
O crescimento fabril da América Latina fora iluminado, em nosso século, de fora. Não foi gerado por uma política planificada em direção ao desenvolvimento nacional, nem coroou a maturação das forças produtivas, nem resultou das explosão dos conflitos internos, já “superados”, entre os latifundiários e um artesanato nacional, que morrera pouco depois de nascer. A indústria latino-americana nasceu do próprio ventre do sistema agroexportador, para dar resposta ao agudo desequilíbrio provocado pela queda do comercio exterior.
Podem dar-se ao luxo de perder em dinheiro durante um ano, ou dois, ou o tempo que for necessário. Baixam, pois, os preços, e sentam, esperando a rendição do acossado. Os bancos colaboram no cerco: a empresa nacional não é tão solvente como parecia: se lhe negam viveres. Encurralada, a empresa não tarda em levantar a bandeira branca. O capitalista local se converte em sócio menor ou funcionário de seus vencedores. Ou conquista a mais ambicionada das sortes: cobra o resgate de seus bens em ações da casa-matriz estrangeira e termina seus dias vivendo nababescamente uma vida de rendas.
A América Latina proporciona a saliva além da comida, e os Estados Unidos se limitam a pôr a boca. A desnacionalização da indústria se tornou um presente.
IV – DIGESTO
Temos Guardado Um Silêncio Bastante Parecido Com A Estupidez...
As bactérias e os vírus foram os aliados mais eficazes. Os europeus traziam consigo, como pragas bíblicas, a varíola e o tétano, varias doenças pulmonares, intestinais e venéreas, o tracoma, o tifo, a lepra, a febre amarela, as caries que apodreciam as bocas.
As colônias americanas foram descobertas, conquistadas e colonizadas dentro do processo da expansão do capital comercial.
A rapinagem dos tesouros acumulados sucedeu a exploração sistemática, nos socavãos e jazidas, do trabalho forçado dos indígenas e escravos negros, arrancados da áfrica pelos traficantes.
A Bolívia, hoje um dos países mais pobre do mundo, poderia vangloriar-se – se isso não fosse pateticamente inútil – de ter alimentado a riqueza dos países mais ricos.
Não faltavam justificativas ideológicas. A sangria do Novo Mundo convertia-se num ato de caridade ou uma razão de fé. Junto com a culpa nasceu um sistema de álibis para as conseqüências culpáveis.
Desterrados em sua própria terra, condenados ao êxodo eterno, os indígenas da América Latina foram empurrados para as zonas mais pobres, as montanhas áridas ou o fundo dos desertos, à medida que se estendiam a fronteira da civilização dominante.
As matanças dos indígenas começaram com Colombo e nunca cessaram.
Não se salvam atualmente, nem mesmo os índios que vivem isolados no fundo das selvas. No começo deste século, sobreviviam ainda 230 tribos no Brasil; desde então desapareceram 90, aniquiladas por obra e graças das armas de fogo e micróbios. Violência e doenças, pontas de lança da civilização: o contato com o homem branco continua sendo, para os indígenas, o contato com a morte.
Em ritimo de conquista, homens e empresas dos Estados Unidos lançaram-se sobre a Amazônia como se fosse um novo Far West.
A febre do ouro, que continua impondo a morte e a escravidão aos indígenas da Amazônia, não é nova no Brasil; muito menos seus estragos.
Ao longo do século XVIII, a produção brasileira do cobiçado minério superou o volume total do ouro que a Espanha tinha extraído de suas colônias durante os dois séculos
Portugal não se limitou a matar o embrião de sua própria indústria, mas também, de passagem, aniquilou os germes de qualquer tipo de desenvolvimento manufatureiro no Brasil.
...Minas Gerais tinha um coração de ouro num peito de ferro, porem a exploração de seu fabuloso quadrilátero ferrífero corre por conta, atualmente, da Hanna Mining Co. e a Bethlehem Steel, associadas no projeto: as jazidas foram entregues em 1964, ao fim de uma sinistra história. O ferro em mãos estrangeiras, não deixará mais do que o ouro deixou.
A busca do ouro e da prata foi, sem duvida, o motor da conquista. Porem, em sua segunda viagem, Cristóvão Colombo trouxe as primeiras raízes de cana-de-açúcar, das ilhas Canárias, e as plantou nas terras que hoje ocupa a Republica Dominicana.
Durante pouco menos de três séculos a partir do descobrimento da América, não houve para o comercio da Europa, produto agrícola mais importante que o açúcar cultivado nestas terras.
Os incêndios que abriam terras aos canaviais devastaram a floresta e com ela a fauna... A produção extensiva esgotou rapidamente os solos.
Ate a chegada de Castro ao poder, os Estados Unidos tinham em cuba uma influência de tal maneira irresistível que o embaixador norte-americano era a segunda personalidade do país, e às vezes mais importante do que o presidente cubano.
O testemunho ilustra cabalmente as dificuldades que a revolução encontrou desde que se lançou à aventura de converter a colônia em pátria.
Em 1888, aboliu-se a escravidão no Brasil, porém não se aboliu o latifúndio...
O boom da borracha e o auge do café implicaram grandes levas de trabalhadores nordestinos. Mas também o governo faz uso deste caudal de mão-de-obra barata, formidável exercito de reserva para as grandes obras públicas.
Na concepção geopolítica do imperialismo, a América Central não é mais do que um apêndice natural dos Estados Unidos.as empresas apoderam-se de terras, alfândegas, tesouros e governos; os marines desembarcavam por todas as partes para “proteger a vida e os interesses dos cidadãos americanos”, álibi exato que utilizaram, em 1965, para apagar com água benta as marcas do crime da Republica Dominicana.
Ao ataque de lança ou golpes de facão, foram os expropriados os que realmente combateram, quando despontava o século XIX, contra o poder espanhol nos campos da América Latina.
A idéia de “nação” que o patriciado latino-americano engendrou parecia-se demasiado à imagem de um ponto ativo, habitado pela clientela mercantil e financeira do império britânico, com latifúndios e socavãos à retaguarda.
Exatamente um século depois do regulamento de terras de Artigas, Emiliano Zapata pôs em pratica, em sua comarca revolucionaria do sul do México, uma profunda reforma agrária.
Em 1845, os Estados Unidos tinham anexado os territórios mexicanos de Texas e Califórnia, onde restabeleceram a escravidão em nome da civilização.
Em 1919, um estratagema e uma traição terminaram com a vida de Emiliano Zapata. Morreu com a mesma idade de Che Guevara.
No Brasil, as esplendidas jazidas de ferro de ferro do vale do Paraopeba derrubaram dois presidentes – Jânio Quadros e João Goulart – antes que o marechal Castelo Branco, que tomou o poder em 1964, os cedesse a Hanna Mining Co. Outro amigo anterior do embaixador dos Estados Unidos, o presidente Eurico Gaspar Dutra (1946-51), tinha concedido a Bethlehem Steel, alguns anos antes, as quarenta milhões de toneladas de manganês do estado do Amapá, uma das maiores jazidas do mundo, ..
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A imperiosa necessidade de materiais estratégicos, imprescindíveis para salvaguardar o poder militar e atômico dos Estados Unidos, está claramente vinculada à maciça compra de terras, por meios geralmente fraudulentos, na Amazônia brasileira.
Para os Estados Unidos sai mais barato o ferro que recebem do Brasil ou da Venezuela do que o ferro que extraem de seu próprio subsolo.
O petróleo é, com o gás natural, o principal combustível dos países que põem em marcha o mundo contemporâneo, uma matéria-prima de crescente importância para a indústria química e o material estratégicos primordial para as atividades militares.
A febre da independência fervia em terras hispano-americanas. A partir de 1810, Londres aplicou uma política ziguezagueante e dúplice, cujas flutuações obedeceram à necessidade de favorecer o comercio inglês, impedir que a América Latina pudesse cair em mãos norte-americanas ou francesas e prevenir uma possível infecção de jacobismo dos novos países que nasciam para a liberdade.
A Guerra da Tríplice Aliança contra o Paraguai aniquilou a única experiência, com êxito, de desenvolvimento independente.
A invasão foi financiada, do começo ao fim, pelo Banco de Londres, a casa Baring Brothers e o banco Rothschild, em empréstimos com juros leoninos que hipotecaram o destino dos países vencedores.
Os capitalistas norte-americanos se concentram, na América Latina, mais agudamente que nos próprios Estados Unidos; um punhado de empresas controla a imensa maioria das inversões.
Os Estados Unidos, que empregam um vasto sistema protecionista – taxas, cotas, subsídios internos – já mais mereceram a menor observação do FMI. Em compensação, com a América Latina, foi inflexível: é para isso que existe.
Levando muitos dólares do que trazem, as empresas contribuem para aguçar a crônica fome de divisas da região; os países “beneficiados” se descapitalizam ao invés de se capitalizarem.
O capitalismo de nossos dias exibe, em seu centro universal de poder, uma identidade evidente dos monopólios privados e do aparato estatal.
V – METODOLOGIA DA AUTORIA
O autor utiliza o método dedutivo, recorrendo aos procedimentos analíticos e interpretativos fornecidos pela sociologia e antropologia. A modalidade é especifica, intensiva e analítica.
VI – QUADRO DE REFERÊNCIA DA AUTORIA
O autor dispôs de inúmeras fontes de pesquisa, inclusive in loco, as quais tem suas referências citadas ao rodapé das paginas que acompanham as citações e menções a fatos históricos no decorrer da leitura.
VII – QUADRO DE REFERÊNCIA DO RESENHISTA
HOBSBAWM, Eric J. A Era das Revoluções: Europa 1789-1848, 9ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1994.
FREITAS, Marcos Cezar de.Historiografia Brasileira em Perspectiva. São Paulo: Editora Contexto, 1998.
ADAS, Melhem. A Fome: crise ou escândalo? São Paulo: moderna, 1988.
WILSON, Edmund. Rumo a Estação Finlândia, 9ª ed. São Paulo: companhia das Letras, 1986.
CLASTRES, Pierre. A Sociedade Contra o Estado. Rio de Janeiro: Francisco Alves, 1978.
GUARESCHI, RAMOS, Pedrinho e Roberto. A Máquina Capitalista, 2ª ed. Petrópolis: Vozes, 1988.
BORDA, Fals. As Revoluções Inacabadas na América Latina. S. Paulo: Global Editora, 1979.
BOSI, Alfredo. Dialética da Colonização. S. Paulo: Companhia das Letras, 1993.
VIII – CRÍTICA DO RESENHISTA
Trata-se de uma obra que explora e conclui através da quebra da cronologia linear da historiografia oficial para desnudar o saque ao continente que persiste desde o descobrimento. Analisando os mecanismos de poder, os modos de produção e os sistemas de expropriação, a obra descreve a história da América Latina e, expõe os quinhentos anos de exploração econômica e miséria total. Galeano nos mostra um continente oprimido, humilhado, e lhe sugere dizer não à indignidade, à miséria, à mentira, à resignação de um destino medíocre.
Leitura essencial para a compreensão da nossa realidade, com seus paradoxos e contradições, Galeano lança um olhar inclemente sobre o nosso continente nas suas mais variadas facetas. Desde uma visão de Cuba, 30 anos depois da revolução, o decantado fim do socialismo e das ideologias até à submissão dos países devedores ao FMI.
IX – INDICAÇÔES DO RESENHISTA
A obra apresentada é interessante para estudantes e pesquisadores nas mais variadas áreas do saber, sociologia, antropologia, etnografia, história etc. Pode ser consultada tanto a nível de graduação como pós-graduação, a mesma apresenta uma linguagem simples e concisa da história do ponto de vista dos vencidos e não dos vencedores.