Insustentáveis lembranças - crítica
Num texto bem estruturado, claro e preciso, a autora levou-me a reflectir sobre questões que dizem respeito a todos. Questões que sempre inquietaram o ser humano: a efemeridade da vida e o problema da morte e do esquecimento (a segunda morte...), por exemplo. Quer sejamos crentes, quer não, fazemos as mesmas experiências (a experiência da finitude, da interrogação, do sentido da vida, etc.). A interpretação que fazemos delas é que será necessariamente diferente.
Nós somos vontade ontológica de viver. Por isso, me recuso a naufragar no nada. Por isso, me insurjo contra a morte como aniquilação absoluta. Os sonhos, os projectos das jovens que Marina admirava terminaram numa morte precoce ("...Marina pensava na brevidade daquelas vidas ..."), mas elas só morreram completamente, quando a "fotografia emoldurada" foi retirada da parede, quando os ventos arrastaram as memórias para o abismo da indiferença ("... os mais novos nem olhavam para aquele quadro empoeirado..."). Valter da Rosa Borges tem razão ao dizer que "o esquecimento é maior que a morte, porque termina o que a morte começou".
Faço minha a lágrima que Marina deixou cair ("... Marina sentiu uma lágrima escapar que, disfarçadamente, enxugou ...").Não posso deixar de me meter na pele desta personagem, até porque, noutras circunstâncias, já me senti também muito triste e impotente, perante paredes aflitivamente nuas.
No entanto, penso que a "pior" morte será aquela em que o corpo persiste e o nome desaparece, embora se trate de uma questão subjectiva. Há mortos-vivos que, infelizmente, não são uma construção da mitologia ou da superstição.
Concluo este comentário, com alguns versos do poema de Manuel Bandeira, intitulado "Morte Absoluta":
"(...) Morrer sem deixar um sulco, um risco, uma sombra,
A lembrança de uma sombra
Em nenhum coração, em nenhum pensamento,
Em nenhuma epiderme.
Morrer tão completamente
Que um dia ao lerem o teu nome num papel
Perguntem: "Quem foi?..."
Morrer mais completamente ainda,
- Sem deixar sequer esse nome.
Este conto tocou-me, Bel. Obrigada por ele.
Abraço
Maria João Oliveira