Cruz e Sousa: O cavador do infinito

(Por Onofre Ferreira do Prado)

João da CRUZ E SOUSA nasceu em Desterro, hoje Florianópolis (SC), a 24 de novembro de 1862. Filho de escravos, foi amparado por uma família aristocrática que o ajudou nos estudos. Estudou no Ateneu Catarinense, onde lecionou. Juntou-se a uma companhia teatral, como ponto e secretário, percorrendo todo o País. Empenhou-se na campanha abolicionista. Redigiu, com Virgílio Várzea, a Tribuna Popular. Fundou O Moleque. Viajou para o Rio Grande do Sul, com outra companhia de teatro. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, onde conheceu B. Lopes, Luís Delfino e Nestor Vítor, aderindo por completo ao Simbolismo. Colaborou na Folha Popular, Cidade do Rio e Novidades. Foi nomeado arquivista da Estrada de Ferro Central do Brasil. Recebeu a visita de Alphonsus de Guimaraens, que foi ao Rio de Janeiro especialmente para conhecê-lo. Foi alvo de preconceito racial. Na juventude sofreu uma desilusão amorosa, ao apaixonar-se por uma artista branca. Terminou casando-se com Gavita Rosa Gonçalves, também de cor, que mais tarde ficaria louca. Viveu entre a loucura da esposa e a tuberculose de todo o lar, tendo perdido dois dos seus quatro filhos. Foi cognominado Cisne Negro. Em razão da tuberculose, foi para Sítio (MG), falecendo no dia seguinte ao da chegada, a 19 de março de 1898. Seu corpo foi transportado fora do esquife, para o Rio de Janeiro, num vagão de cavalos, tendo José do Patrocínio custeado o enterro. Obras publicadas: Tropos e Fantasias (em parceria com Virgílio Várzea), 1885; Missal e Broquéis, 1893; Evocações, 1898; Faróis, 1900; Últimos Sonetos, 1905; Obras Completas, 1923-1924; Obras, 1942; Poesias Completas, 1944; Obras Poéticas, 1945; Poesia Completa, 1981.

Cruz e Sousa é considerado o mais importante poeta simbolista brasileiro e um dos maiores poetas nacionais de todos os tempos. Seu valor, entretanto, só foi reconhecido postumamente, depois que o sociólogo francês Roger Bastide colocou-o entre os maiores poetas do Simbolismo universal.

Sua obra poética apresenta diversidade e riqueza. De um lado, encontram-se aspectos noturnos do Simbolismo, herdados do Romantismo: O culto da noite, certo satanismo, o pessimismo, a morte, etc. Veja estes versos do poema - Inexorável:

Ó meu Amor, que já morreste,

Ó meu Amor, que morta estás!

Lá nessa cova a que deceste

Ó meu amor, que morreste,

Ah! Nunca mais florescerás?

Ao teu esquálido esqueleto,

Que tinha outrora de uma flor

A graça e o encanto do amuleto

Ao teu esquálido esqueleto

Não voltará novo esplendor?

De outro lado, há certa preocupação formal que o aproxima dos parnasianos pela forma lapidar, o gosto pelo soneto, o verbalismo requintado, a força das imagens; de outro, ainda, a inclinação à poesia meditativa e filosófica, que o aproxima da poesia realista portuguesa, principalmente de Antero de Quental.

- A poesia metafísica e a dor de existir -

Juntamente com o poeta português Antero de Quental e o pré-modernista brasileiro Augusto dos Anjos, Cruz e Sousa apresenta uma das poéticas de maior profundidade em língua portuguesa, quanto à investigação filosófica e à angústia metafísica.

O drama da existência, em sua obra, revela uma provável influência das ideias pessimistas do filósofo alemão Arthur Schopenhauer, que marcaram o final do século XIX. Além disso, certas posturas de sua poesia - o desejo de fugir da realidade, de transcender a matéria e integrar-se espiritualmente no cosmo - parecem orginar-se não apenas do sentimento de opressão e mal-estar trazido pelo capitalismo, mas também do drama racial e pessoal que vivia.

A trajetória de sua obra parte da consciência e da dor de ser negro, em Broquéis, à dor de ser homem, em busca da transcendência, Faróis e ùltimos Sonetos, obras póstumas. Observe a dor existencial nestes versos de "Cárcere das Almas":

Ah! Toda a alma num cárcere anda presa

Soluçando nas trevas entre as grades

Do calabouço olhando imensidades,

Mares, estrelas, tardes, natureza.

Ó almas presas, mudas e fechadas

Nas prisões colossais e abandonadas,

Da Dor no calabouço atroz, funéreo!

- Cavador do Infinito (soneto) -

Com a lâmpada do Sonho desce aflito

E sobe aos mundos mais imponderáveis,

Vai abafando as queixas implacáveis,

Da alma o profundo e soluçado grito.

Ânsias, desejos, tudo a fogo escrito

Sente, em redor, nos astros inefáveis.

Cava nas fundas eras insondáveis

O cavador do trágico Infinito.

E quanto mais pelo Infinito cava

Mais o Infinito se transforma em lava

E o cavador se perde nas distâncias...

Alto levanta a lâmpada do Sonho

E com seu vulto pálido e tristonho

Cava os abismos das eternas ânsias!

- Os escritores negros e mulatos -

Embora quase metade da população brasileira seja negra, poucos foram nossos escritores negros e mulatos. E, dentre eles, poucos foram os que escreveram em favor da causa negra. Cruz e Sousa, por exemplo, é acusado injustamente por isso. Apesar de a poesia social não fazer parte do projeto poético do Simbolismo, nem de seu projeto particular, o autor, em alguns poemas, retratou metaforicamente a condição do escravo, como nestes versos de "Pandemonium":

Uma visão gerada do teu sangue

Quando no Horror te debateste exangue.

Uma visão que é tua sombra pura

Rodando na mais trágica tortura

A sombra dos supremos sofrimentos

Que te abalaram como negros ventos.

Referências bibliográficas: - PORTUGUÊS: LINGUAGENS - Literatura, Gramática e Redação, 2ª ed. Atual Editora, pág. 300/301 e De Gregório a Drummond, André Quicé Editor, pág. 86, do escritor Napoleão Valadares.

Onofre Ferreira do Prado
Enviado por Onofre Ferreira do Prado em 29/08/2009
Reeditado em 18/07/2011
Código do texto: T1781672
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