O povo brasileiro e os brasis atuais

O antropólogo Darcy Ribeiro foi considerado dos maiores intelectuais que o Brasil já teve em sua história. A sua maior contribuição foi com a obra “O povo brasileiro” onde disserta de modo direto e profícuo acerca da formação da cultura e povo brasileiros. Trata da cultura crioula, desenvolvida nas faixas do litoral nordestino; caipira, na área ocupada pelos mamelucos paulistas; sertaneja, área que se desdobra desde o Nordeste árido até os cerrados do Centro-Oeste; e cabocla, população amazônica e, gaúchas, nas áreas sulinas brasileiras. Traz forte tendência nacionalista tratando da valorização do nordeste pelo seu povo e tradições mudando aquela concepção de pobreza dessa região que muitos brasileiros têm.

A nação brasileira, com sua estrutura e povo foi formada pelo trabalho dos índios, dos negros, das novas etnias que foram surgindo. O cerne do livro é também explicar como a marginalidade foi gerada no Brasil, vez que quando da alforria os negros acabaram por ocupar morros e formar favelas, pois não tinham habilidades e formação suficientes para se integrar à sociedade. Daí se origina um verdadeiro fluxo de pessoas excluídas da sociedade, as famílias sem formação acabaram por transmitir o mesmo ritmo de vida e estrutura mental a seus filhos.

À medida que as etnias criavam vínculos por meio do trabalho, ainda que subserviente e dominado, também foi sendo formado um povo devido ao “cruzamento das raças” isso gerou a miscigenação. Os senhores não assumiam os filhos que tinham com escravas ou índias daí a insegurança que também foi desencadeada nessa nova gente brasileira, seriam filhos de ninguém? A diferenciação no tom da pele e traços físicos já os faziam díspares da comunidade que viviam ultrapassando a rejeição social acabaram por criar um modo próprio de vida fazendo uma miscelânea entre as culturas européia e indígena ou africana. Assim, é notória a existência de expressões e costumes dos povos originadores do Brasil até os dias atuais.

I. O Brasil Crioulo

A grande mestiçagem de portugueses, negros e índios deu origem a uma gente que desencadeou uma massa analfabeta e pobre, mas que conseguiu fazer uma miscelânea na cultura e língua sendo o estopim para a formação do povo brasileiro.

Os portugueses tinham a intenção de lucro com a cana-de-açúcar e estavam preparados para gerir um engenho a fim de auferirem lucro. Subordinavam nativos e impunham uma rotina degradante aos seus dominados a fim de trabalharem cada vez mais e com maior velocidade, ações brutais e labor massacrante. O primeiro impedimento para que os portugueses conquistassem sua riqueza por meio do açúcar foi o fato de os índios serem arredios ao trabalho braçal e não submissos ao senhor de engenho o que acabou por dar maior desgaste à civilização opressora para que trouxessem negros da África o que demandou mais dinheiro e esforço por parte dos colonizadores que não dispensaram esforço para fazer da escravidão um momento sanguinário na história do Brasil.

Os canaviais já tinham muitos empregados com quem os portugueses se preocuparem. Eram os mestres do açúcar, o banqueiro, o soto-banqueiro etc. Nas senzalas o ritmo de vida ficava cada vez mais mesclado e os escravos passavam a absorver detalhes da cultura dos neobrasileiros.

Ora, havia uma gente que vivia aos arredores da senzala que não era branca ou preta, mas crioulos. Já tinham estabelecido uma forma diferente de vida, uma neocultura dos brasileiros que dariam origem à população predominante do Brasil. Tanto os negros da senzala quanto a nova etnia que habitava ao seu redor são considerados crioulos. A gente aguerrida ainda trabalhou após a Revolução Industrial quando o mercado açucareiro já estava em crise e as senzalas eram geridas por administradores. As táticas usadas para o açucareiro também o foram para o salineiro, o cacau e o tabaco. A partir dos movimentos gerados a partir do séc. XIX os que submetiam os escravos ficavam meio inseguros com as revoluções de libertação dos escravos e mesmo após a alforria de todos os escravos eles ainda ficaram submetidos aos capatazes e apenas nos idos de 1960 foram revistas as condições de trabalho rural estabelecendo-se o mínimo de um salário-mínimo para pagar-los. Assim, foi estabelecida, mesmo com a oposição do patronato, uma dignidade que aos poucos vem sendo recuperada.

II. Brasil Caboclo

Sua formação deu-se na região da Amazônia onde houve grande emigração a fim de ser feita extração dos seringais. Essa ocupação de uma das regiões mais ricas do mundo também foi estopim para dizimação de certos povos indígenas e devastação da floresta mais densa da Terra.

A principio os lusitanos que desejavam fazer a exploração da região e juntamente com mestiços e negros tomaram posse do território para impedir as invasões estrangeiras. Vendo oportunidade de lucro não dispensaram a escravização indígena fazendo-os até cristianizados pelos jesuítas. Expulsando os catequizadores sobrou na região um povo mestiço e explorado traumaticamente.

A despeito da ocupação dos portugueses houve uma desintegração cultural e minoração de muitas etnias indígenas. Contudo, muitos povos se adaptaram com as doenças dos brancos e seu ritmo de vida para que a própria cultura e gente não fossem fragilizadas. Aqui, o processo de aculturação também ocasionou uma nova etnia, os cablocos.

III. Brasil Sertanejo

Uma subcultura com seus rituais próprios e costumes definidos foi levada à existência devido a um processo de ocupação do nordeste árido e penetração nas matas a fim de pastorear o gado e domá-lo. Sendo um modo de sobrevivência mais agradável que a vivida com os senhores de terra uma grande leva de pessoas mestiças bem como um fenômeno brancóide vez que trabalhar com o vaqueiro e sua família era menos desgastante. Com as comemorações a integração do povo foi ficando cada vez mais alinhavada e a expansão pelo território a procura de gado e pasto acarretou também em uma população que foi surgindo com essa unificação.

IV. Matriz indígena

“O povo brasileiro” retrata a origem de diversas realidades existentes no Brasil. A miscelânea na constituição do povo, da língua, cultura e aspectos sociais como a pobreza e a falta de terra.

Os portugueses com o impulso para que uma nova nação fosse constituída, também trouxeram uma dizimação de cerca de 800 povos indígenas, cultura de desmatamento e escravidão. Os índios de perplexos pela nova gente que conheceram passaram a um estado de medo. Da admiração para o temor. O intuito de enriquecimento pela extração do pau-brasil foi alcançado pela mão-de-obra mais barata que poderiam encontrar, já que a africana era mais cara devido às viagens necessárias para obtê-la, o povo indígena só foi valorizado pela força de trabalho. A inocência que tinham face à cultura dos brancos os tornou presas fáceis sendo tirados das próprias terras e famílias a força.

O interesse português torna-se fácil quando passam a casar-se com as índias o que quase obriga as tribos a trabalhar para os brancos, esse foi o denominado “cunhadismo” por Darcy Ribeiro. É aí que o povo brasileiro começa a ser formado: os filhos das índias que não eram brancos nem índios. Eles que começaram a criar uma identidade para o Brasil abarcando também os sentimentos de inferioridade e não-aceitação que acabaram interiorizando pelo fato de não serem aceitos pelos “pais” brancos.

Dos 5 milhões de índios que existiam aqui sobejaram 270 mil. Entretanto, isso também deu-se pela sua inclusão no meio urbano por meio da miscigenação. Simplesmente foram se integrando e formando famílias com brancos, negros, mestiços. Desde a instalação dos portugueses recepcionaram diversos elementos em sua cultura como as casas de taipa e telhado, os animais para auxiliar na lavoura, as ferramentas como o monjolo. Dantes, foram persuadidos por presentes como espelhos e artefatos e ainda tendo sofrido diversos abusos pela invasão cultural que tiveram também contribuíram de forma decisiva na formação da cultura brasileira com inclusão de palavras no vocabulário, a cultura da mandioca etc.

A forma de comunicação dos povos escravizados entre si era difícil, pois os brancos não tinham interesse em que aprendessem o português. Todavia, no século XVII os padres jesuítas criaram uma linguagem denominada nheengatu, fala tupi com boca de português.

São Paulo, como das cidades mais antigas e atrativas teve crescimento rápido. Uma das formas mais rápidas de obtenção de recursos financeiros por parte desse povo foram as conhecidas bandeiras. Assim, saíam pelas matas para capturar índios, inclusive os catequizados, e vendê-los para os senhores de engenho. Eles desbravaram o território em que passavam, terras nunca dantes conhecidas foram descobertas pelos bandeirantes.

O aumento da população e a necessidade maior de mantimentos fez das novas descobertas algo ainda mais frequente. A dimensão do Brasil só foi conhecida pelos europeus após muitos anos da descoberta do Brasil. E quanto mais se conhecia o território tanto mais se entendia a infinitude de povos indígenas que já faziam parte de um Brasil que ate agora não existia para o mundo.

Com o passar do tempo, o novo povo que se ia formando com a mistura das etnias foi também agrupando a cultura religiosa de seus pais. Foi daí que surgiu uma religião católica bem diferente da adotada pelos europeus. Misturava-se o culto aos espíritos afro com os chamados “santos católicos” e a religião que não era muito bem aceita pelos africanos ou índios nativos foi incorporada na cultura desse novo povo que surgia.

Hodiernamente podemos visualizar uma mistura que revela por um lado criatividade, mas por outro, insegurança por parte de um povo que muitas vezes se sente indefinido. O vídeo mostra que dessa indefinição e mistura o brasileiro forma uma personalidade que está em constante mutação justamente por sermos a prorrogação daquela gente que sustentou o Brasil com seus braços e mãos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Documentário "O povo brasileiro"

RIBEIRO, Darcy. O povo brasileiro: a formação e o sentido do Brasil. Editora Companhia de Bolso. 2006