CD "FEITO BICHO" (Sacha Arcanjo)
Sacha Arcanjo é da Bahia e está radicado em São Paulo há mais de trinta anos. Dono de uma poesia de textura elaborada e voz suave e malemolente, em certos momentos se aproxima (e muito) de um hibridismo que, grosso modo, reporta a Djavan e Dorival Caymmi. Em outros, sua canção desfila num paisagismo que nos vemos através dela viajando num trem pelos sertões mineiros, qual um Bob Dylan (mais bem humorado, é verdade), mas tão sensível quanto. Não por acaso já citou algumas vezes que o Clube de Esquina mineiro, e em especial Beto Guedes, muito influenciaram suas investidas artísticas.
O seu primeiro cd, Feito Bicho, lançando quando já passara dos cinquenta, é assim recheado de boas surpresas. A própria música que lhe empresta o título já é uma introdução sutil ao universo de Sacha, com recorte que transita pelo tênue fio entre o erótico e o piegas. Prosseguindo, passamos por “Desconfiado”, rock rural básico vindo dos anos 70, do Festival de Águas Claras. Depois repassamos por uma geografia idílica retratada em "Mirorós", o afortunado documento urbano em “Filho da Ânsia”, ou num velho blues sutil de “Nesses Dias de Viver”: ´nesses dias de viver / carrego uma marmita / pego o trem, pego metrô / mas você não acredita / vejo caras diferentes / bocas sujas de batom / uns que tomam aguardente / e ainda dizem que é bom´.
Chegamos na segunda metade da obra, que reserva os melhores momentos, com "Chão Americano", que tem um refrão forte, daqueles que colam facilmente em nossos ouvidos: ´pousei no colo da serra / ganhei a brisa e o trovão / a luz do sol e o luar / estrelas na palma da mão´; "Jangadeiro", com seu balanço seguro, e a melhor, "Projeção", com a guitarra de Ronaldo Ferro dialogando intuitivamente com a poesia seca de Arcanjo: ´pés cansados, calos vivos / alparcata em couro cru / sopram os ventos do norte / se equilibram os urubus´. A audição então caminha para o fim com as sossegadas “Você Não Gosta Mais de Mim” e “O Maior Carente”, a penúltima flertando descaradamente com um clima retrô de rádio-fm melô.
Vale lembrar também que Sacha Arcanjo é um dos mentores intelectuais do MPA (Movimento Popular de Arte), orquestração artística e multicultural que surgiu e fez muito agito na periferia leste de Sampa no início dos anos 80, especialmente no bairro de São Miguel Paulista, e que tinha entre suas figuras de proa artistas como Edvaldo Santana, Zulu de Arrebatá, Akira Yamasaki, Raberuan (parceiro mais constante de Sacha), Severino do Ramo e outros.
Feito Bicho é disco de quilate raro, para várias audições, sempre com o encarte na mão. Obra que não se encontra mais nas mãos do artista, só em sebos. Se achar um, porém, não pense duas vezes, compre logo, pois pérolas como essa são daquelas que nos fazem acreditar que a música brasileria tem jeito e vai muito bem, obrigado; apesar do silêncio da imprensa que eu, humildemente, neste espaço, espero estar revogando. Mantenha contato com ele. O cara é boa prosa.
‘Feito Bicho’, Sacha Arcanjo, 2000, Independente, sacha_arcanjo@hotmail.com