Sotero pólis: A Lagoa que engoliu o sapo do Aedes aegipt.
Em meio às inúmeras e pouco elucidativas razões para explicar os últimos fenômenos endêmicos em Salvador, eis aqui um manifesto:
Antes de tudo, o compadecimento e a compreensão diante de familiares, vizinhos, colegas de trabalho, namorados e amigos infectados e nauseabundos. Outro grupo merece este ou maior compadecimento, desta vez, os predadores naturais do mosquitinho hematófilo: os sapos¹ . Estão desaparecidos, pelo menos das florestas e da cadeia alimentar. Eles e seus familiares, as rãs, pererecas (que não estão na frente, atrás e em lugar algum), os cururus, isso sem falar nas pobres centopéias, aranhas e outra gama de insetos da nossa tão ilustre e desfalcada cadeia alimentar.
Analogias jocosas à parte, as tentativas unilaterais e pouco convincentes da comunicação de massa em explicar os últimos fenômenos endêmicos na cidade assusta a inteligência de alguns.
Já há algum tempo a administração pública da cidade investe em campanhas e ações informativas, mas pouco afirmativas. Pouco eficazes, as campanhas estampam títulos ameaçadores e fotos “simpáticas” do mosquito. Na verdade, essas campanhas retiradas da estratégia “faça o cara sentir o drama”, não renderam muito sucesso, pois os “soteras” realmente não sentiram... Os resultados realmente não alcançaram amplitudes necessárias para a conscientização e a utilização do bom senso dos soteropolitanos.
Neste manifesto, é possível estampar algumas questões relevantes e um tanto reflexivas sobre este fenômeno endêmico tão comentado ultimamente. As análises começam na administração pública, vista como uma das grandes responsáveis pela falta de controle da catástrofe. É possível perceber que a engrenagem política se empenha em justificar seus investimentos em ações informativas, campanhas, e nas atuações em suas cinco Secretarias e agentes de saúde. Aí, a constatação: enquanto houver epidemias, haverá verba federal para atender a Secretaria. Pois bem. As administrações convivem com esta eterna escolha da “impossibilidade” de resolver a questão. A não-resolução do problema gera receita, e se carece dela, não a perderá de vista. Melhor perder os sapos e centopéias...
E assim segue a “cadeia” de impossibilidades. Vê-se a ineficácia de campanhas publicitárias imersas em ações de comunicação não integradas a questões como: sustentabilidade e equilíbrio ambiental, inclusão econômica, social e cultural. A noção espacial e ambiental dos espaços urbanos, assim como a maneira que estes espaços são ocupados e distribuídos interferem e atuam sobre suas sustentabilidades, suas operações e sua organização.
A comunicação, integrando as campanhas publicitárias institucionais, as ações comunitárias de saúde, a imprensa em geral, a população e a administração pública deve partilhar e englobar a noção de “cidade sustentável”, sem restringir os aspectos sociais e humanos que também compreendem todo o processo. Estes aspectos envolvem a reeducação sobre a questão ambiental numa amplitude maior, que impere sobre a noção de exclusão vigente. A partir da participação e valorização dos espaços urbanos, entendidos como espaços de criação e produção é que as comunidades se enxergam como realmente participantes de um processo de desenvolvimento, evolução e crescimento humano e social.
Ver-se como semelhante² e não à margem é um ponto colaborativo nesse sentido, pois a exclusão gera alienação³ e indiferença. A comunidade ou os conjuntos urbanos que não participem ou pelo menos não entendam e acessem papéis sociais importantes e referentes às demandas de construção e desenvolvimento econômico, educacional, socializador e humano das cidades não podem ser colaborativos. A distribuição de espaço e renda são pontos não menos cruciais a serem revistos. Portanto, quem não se vê no “processo” não participa dele, não o sustenta. Consequentemente, o senso de colaboração explorado pelas campanhas não repercute devidamente.
Por sua vez, as ações de comunicação que pressionam os indivíduos só evidenciam e sustentam confusos posicionamentos, opiniões e preocupações em torno do tema. Não há como comunicar apenas colaborativamente dentro de um espaço que não se vê como tal ou pelo menos não atinge os mínimos pressupostos de qualidade e equidade de ocupação e distribuição espacial.
As campanhas colaborativas podem contribuir muito desde que sejam amparadas por iniciativas e campanhas de Educação e revalorização ambiental e ecológica permanente . Isto inclui desde projetos de reaproveitamento de lixo, reciclagem de materiais não biodegradáveis, melhorias em saneamento básico, além do aproveitamento e qualificação do espaço urbano e integração de várias formas de controle, entre elas os agentes de controle biológico . Logicamente, as ações e as campanhas publicitárias devem priorizar a importância dos temas descritos com esforços de comunicação permanentes e integrados a outras instituições, sejam elas de iniciativa pública, ONGs, associações de moradores e iniciativa privada.
Portanto, mudar as estratégias de comunicação com a população e com a sociedade também é uma forma de interagir, acompanhar e observar como ela se configura. Enquanto o ato de ocupar o “topo”, seja nas decisões sobre as receitas públicas ou na “cadeia alimentar” deixar brechas, o homem estará condicionado ao planejamento irracional do seu meio-ambiente, refém das piores espécies de mosquitos oriundos dos desequilíbrios dos quais é responsável.
¹Sapos, rãs e pererecas são também conhecidos predadores de insetos alados, e adicionalmente seus girinos têm sido indicados como tendo potencial predador sobre larvas de mosquitos. Tal é o caso de Rana tigrina predando Cx. Fatigans, Ptychadena sp predando larvas de Ae. vittatus.
i Alhear-se, malquistar ou Indispor-se.
²O que antes era no início desigualdade foi se transformando em diferença e hoje ameaça se tornar dessemelhança. O aumento da distância econômica rompe a teia social. A distância ficou tão grande que o burguês de sua cobertura não reconhece aquilo que se move nos lixões, não o reconhece como um ser da mesma espécie, como semelhante. Na mesma lógica, o pivete descalço não reconhece nos semáforos que a “madame” no carro importado é uma mãe; por isso, se ela abrir a janela e resistir ao assalto, ele não vacilará em cortá-la com um pedaço de vidro. (BENFICA, Gregório. Educação e Contemporaneidade, Revista da FAEEBA, vol 11, nº 17- Jan/jun 2002, pg 128).
3-A falta de fornecimento de água tratada e saneamento básico são indicativos de miséria e, portanto, de exclusão. Na Bahia, quarta economia do país, 56,3% de sua população não tem serviço regular de abastecimento de água. (BENFICA, Gregório. Educação e Contemporaneidade, Revista da FAEEBA, vol 11, nº 17- Jan/jun 2002, pg 128).
4-Nos últimos 25 anos muitos fatores levaram ao aumento no número de casos de dengue em todo o mundo, entre eles o aumento no uso de embalagens descartáveis, a falta de uma política em reciclar o lixo urbano e a pouca eficiência no controle dos mosquitos vetores. (Gubller & Clark, 1996 apud pesquisa intitulada “O Uso de Predadores no controle biológico de Mosquitos, com destaque aos Aedes”, Unicamp, 2004).
Ainda sobre a estruturação de combate à dengue em países de terceiro mundo, “uma vigilância epidemiológica mais rigorosa têm permitido baixas prevalências nos EUA, por exemplo, e a redução extrema de criadouros em escala local permite o óbvio, não criar o vetor. Porém em países de terceiro mundo onde a vigilância epidemiológica é pouco estruturada e eficiente, e os programas contra dengue são mais verticalizados, tem sido dado maior ênfase ao controle do vetor”. (O Uso de Predadores no controle biológico de Mosquitos, com destaque aos Aedes”, pg 1, Unicamp, 2004).
5-O uso pelo homem de inimigos naturais (predadores e patógenos) é o que chamamos de controle biológico, (Ibidem, pg 3)