dor

desde domingo que não escrevia. desta vez não fiquei sem voz. como também não fiquei sem palavras. escrever sobre a dor quando a sinto é conceder-lhe uma importância que a alimenta, dando-lhe mais poder. e quando ela se sente mais forte torna-se humana, armando-se de instrumentos de tortura e vingando-se dos momentos em que a ignoro e estou para o mundo.

ela invadiu-me este fim-de-semana. chegou de mansinho, sem sinais, e foi tomando conta de cada parte do meu corpo. tornou o meu pensamento nubloso e as minhas emoções demasiado turbulentas. instalou-me a ansiedade, que é um bicho que começa por morder devagarinho e rapidamente me consome.

se no sábado as palavras demoravam a surgir, no domingo ausentaram-se. vivi muda todo o dia. não porque me disponibilizasse para tal, mas porque estava incapacitada, presa na minha dor.

o jorge também silenciou. não um silêncio de palavras. mas quase uma desistência. um luto que só eu e ele percebemos. deixou-me estar. eu senti o abandono dele como uma intolerância, um egoísmo desumano. ele sentiu a minha apatia como uma provocação.

acabei por sair. deambulei pelas ruas de lisboa completamente cega. não aguentei os olhares das pessoas que passavam por mim e que pareciam reprovar-me. como pareciam feias e importantes. como era eu pequena. como seria tão fácil esmagarem-me e prosseguiram com a mesma tranquilidade e frieza com que me examinavam.

já só pensava no meu fim. atravessei algumas vezes as ruas sem olhar para os lados. conheci a solidão em toda a sua grandeza.

lunapensativa
Enviado por lunapensativa em 07/05/2005
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