A Sociedade do Risco. Até uma nova realidade
Tradução e resumo dos primeiros capítulos do livro de Ulrich Beck.
Lógica da divisão da riqueza e da divisão do risco (capítulo 1)
As forças produtivas e tecnológicas do homem trabalham para excluir socialmente a miséria material autêntica. Esse processo de modernização traz consigo os potenciais riscos que se voltam para a nossa sociedade como uma auto-ameaça.
O conceito de sociedade aos moldes de Marx Weber, coincide com o paradigma da sociedade do risco. Conviver com a iminência do risco e expor-se ao mesmo é um risco que essa sociedade tem que correr por conta do seu desenvolvimento técnico-industrial e econômico que antes era visto como solução e agora é observado como problema.
A globalização vem afetando o convívio social: delineando a partilha de bens, criando paradigmas na divisão tanto das riquezas criadas pela modernidade quanto os seus malefícios, conseqüências implícitas da industrialização.
Os perigos que antes nos acometiam eram perceptíveis aos olhos, aos nossos sentidos. Hoje os perigos que nos cercam são intangíveis, invisíveis. Apenas os olhos da ciência podem observá-los e constatar a globalidade da ameaça que nos oferece. Não apenas a nós, sociedade, todavia ao planeta, porque tais riscos causam danos irreversíveis e permanecem ainda invisíveis. Os riscos da modernização afetam, cedo ou tarde, a quem mais produz e se beneficia dessa produção, produzindo, dessa forma, novas desigualdades internacionais.
A sociedade industrial produz o aproveitamento econômico dos riscos causados pelo perigo e pelo potencial político da sociedade do risco. Nas situações de classe o ser determina a consciência, enquanto nas situações de perigo a consciência (o conhecimento) determina o ser. É possível saciar a fome no mundo ou satisfazer as necessidades mais básicas, porém, o que se ganha com isso?
A sociedade do risco é uma sociedade catastrófica. Nela, o estado de exceção se torna o estado de normalidade.
Enquanto em lugares pessoas morrem de fome outros combatem a obesidade. Não existe meio termo em situação de perigo socialmente desigual. A indústria causa danos à natureza, a saúde e a convivência dos seres humanos. Neste posto é que se pode perceber que o prejudica a saúde e destrói a natureza não está perceptível a nós. Até mesmo não nos afeta no presente, mas afetará os nossos descendentes. São riscos previstos em um futuro que não se sabe quando, se perto ou longe, há de nos afetar como sociedade. Porque para nos desenvolvermos assumimos um risco não pessoal, mas social. Um risco universal, que é ao mesmo tempo especifico e inespecífico localmente.
A constatação desses riscos é uma simbiose entre a ciência da natureza e a ciência do espírito, entre a racionalidade cotidiana e a racionalidade dos especialistas.
A racionalidade dos riscos se descreve sobre um castelo de cartas de suposições e especulações. Baseiam-se em possibilidades matemáticas que se limita a valorar determinados riscos quantificáveis no caso de acidentes prováveis. Muitas coisas poderão ser confirmadas ou não. Até que possam se confirmar terão que sustentarem-se entre a dúvida sistemática e permanente.
A bomba relógio já foi ligada os riscos se referem a um futuro que precisa ser evitado, que contraditoriamente soa como real e irreal. As atenções parecem não se voltarem para a detenção da bomba, mas o que fazer quando a bomba explodir, por isso, o prognóstico de destruição do meio ambiente e a ameaça atômica intranqüilizam essa sociedade.
A miséria é hierárquica. Com a extensão dos riscos da modernização se relativizam as diferenças e os limites sociais. É como num efeito bumerangue, os riscos afetam, cedo ou tarde, quem produz e se beneficia dessa produção. Nem os ricos e poderosos estão livres desse destino.
A modernidade destrói e desvaloriza o seu entorno, por isso as indústrias de riscos se mudaram para países subdesenvolvidos. Para estes humanos, estes complexos são símbolos de êxito, uma esperança de futuro.
Existe uma força de atração entre pobreza extrema e risco extremo. Na disputa da ameaça visível da morte por fome com a ameaça invisível da morte por intoxicação, vence a evidência da luta contra a miséria material. A pobreza do terceiro mundo soma-se ao medo do desencadeamento das forças destrutivas da indústria desenvolvida do risco. E mesmo que os países ricos tenham se distanciado dos perigos produzidos por eles mesmos, continuam consumindo os produtos agrícolas do terceiro mundo. Dessa forma, concretiza-se o efeito bumerangue.
De nada adianta um país combater as substancias nocivas à sua agricultura, às suas florestas, à saúde de seus compatriotas, porque as substancias tóxicas não respeitam fronteiras, barreiras, limites traçados pelo homem. Devemos continuar espoliando a natureza e considerarmos isso como um conceito de progresso? Será assim o caminho correto da modernidade?
O risco fez parte do progresso e não é uma invenção da idade moderna. Todavia, o risco é um negócio, é oportunidade de mercado, e se define por quem está afetado por ele e quem está ganhando com ele. Também cresce de maneira similar no significado social e político do saber. Quem tem o poder sobre os meios que o configuram e o difundem podem estabelecer contrastes entre os riscos. Ocultar ou desvendar os riscos com a conseqüência de que no fim ninguém sabe se o “problema” não seria a “solução” ou vice e versa?
Todos estão expostos à pressão igualitária dos riscos civilizatórios que se potencializam. A sociedade do risco supera a dinâmica da ameaça que põe em seqüência as fronteiras dos estados nacionais e os sistemas de aliança de blocos econômicos. Enquanto que as sociedades de classe são organizadas na forma de estados nacionais a sociedade de risco fez surgir comunidades objetivas de ameaça que em última instância só se pode alcançar no marco da sociedade mundial. Assim, a utopia de uma sociedade mundial se torna um pouco mais real, ou ao menos, mais urgente.
Porém a força impulsora da sociedade de classe pode ser resumida na frase: Tenho fome! No movimento que se tem inicio na sociedade de risco é expressa a frase: Tenho medo!
A solidariedade surge por medo e se converte numa força política que colide com os egoísmos dos estados nacionais e com as organizações de partidos e de interesses predominantes dentro da sociedade industrial. E hoje, os ricos e os pobres tem que apreender a se sentarem numa mesa e acima de qualquer objetivo pessoal ou preconceito sócio racial, encontrarem e impor soluções para as ameaças que eles mesmos causaram.
Teoria política do conhecimento na sociedade de risco (capítulo 2)
Os riscos criados por nossa evolução técnico-industrial existem, todavia nos encontramos acomodados em uma sociedade de abundância e consumismo massivo. As pessoas fazem idéia dos riscos que existem, entretanto, como não há evidencias disso... Parta crermos em tais perigos carecemos da opinião de especialistas, pois estes novos riscos estão no ar, mas ao podemos vê-los.
Há de se ter dúvidas acerca das observações e dos dados que os cientistas e os especialistas nos divulgam. A sociedade industrial se nutre dos próprios riscos que produz. O risco dá lucro. Se o risco desaparecer leva o lucro consigo. A ciência fixa os riscos e a população os percebe.
Entretanto há pessoas que mesmo fazendo parte da sociedade não vêem o risco com a mesma forma dogmática que os cientistas os expõem, pois sentem os “riscos” à flor da pele, posto que ela não está na tela da televisão, mas sim batendo à sua porta, acometendo o seu filho. Estas pessoas descobrem que os valores limites de tolerância fixados para substâncias contaminantes são muito altos.
Quem limita a poluição também a consente. O que se percebe é que as regulamentações e os valores limites ditos por especialistas, cientistas e reforçados pelos governos, não tratam de impedir o envenenamento, todavia sim a medida tolerável de envenenamento. Se se tolera o envenenamento geralmente se precisa, pois, de uma regulamentação sobre valores limites de tolerância, mas então, o que não está contido nela terá maior importância que aquilo que está?
“Aquilo sobre o que não se fala é o mais nos ameaça”. A regulamentação sobre quantidades máximas toleráveis se baseia então em uma fraude tecnocrática altamente duvidosa e perigosa.
Os valores limite de tolerância são tranqüilizantes simbólicos contra as notícias que vão se acumulando sobre as toxinas. Os efeitos destas toxinas nas pessoas só podem ser estudados, com fidelidade, nas pessoas. Os resultados dos experimentos com animais só contém respostas a perguntas limitadas sob condições artificiais.
Os experimentos em pessoas têm o lugar, mas certamente de forma invisível, sem controle científico sistemático, sem recolhimento de dados, sem estatísticas, sem análise de correlação em condições de desconhecimento dos afetados. O monopólio do juízo científico sobre a verdade obriga que os próprios afetados façam uso de todos os meios e métodos de análise científica para a obtenção de suas pretensões.
A consciência do risco não é nem uma consciência tradicional nem laica, se não uma consciência essencialmente orientada e determinada pela ciência. Já que, para reconhecer os riscos como riscos em geral e para configurá-los como pontos de referência do próprio pensamento e ação, é necessário crer, a princípio, nas relações invisíveis de casualidade entre condições objetivas, temporais e espaciais, bastante divergentes na maioria dos casos, assim como mais ou menos nas projeções especulativas, que têm que estar diretamente imunizadas contra as, sempre possíveis, contra-argumentações.
Com a sociedade do risco começa uma época especulativa da percepção e do pensamento quotidiano. Admitir, hoje, que se tem errado na constatação dos valores limites para a tolerância de pesticidas, gases poluentes, nocivos, níveis de radiação, etcétera..., equivale ao desencadeamento de uma catástrofe política (ou econômica) e que só por esse motivo deve ser impedida. Mas os desmentidos dos responsáveis soam cada vez com mais força e as argumentações são cada vez mais frágeis.
Por nosso desenvolvimento, temos hoje de conviver com dilemas como: onde e como preservar os dejetos nucleares de usinas? Como protegermos de um outro acidente nuclear? Como evitar que os lixos despejados nos rios os poluam mais? Como não sofrer câncer por conta da radiação que os objetos eletrônicos, que produzem um campo eletromagnético, emitem ao nosso redor? Como evitar que nossas florestas desapareçam por causa da poluição emitidas pelos grandes centros urbanos e pelas fábricas? Como evitar que se usem pesticidas nas nossas lavouras, nossos grandes celeiros? Como combater as doenças que acometem os nossos filhos, os nossos idosos e a nos mesmos, doenças estas advindas de toxinas que não temos a mínima idéia de como são compostas? Por meio destas perguntas que a nossa sociedade vem criando, por conta destes problemas estarem mais latentes ao observarmos a natureza morrendo, antecedendo-nos neste destino, a sociedade do risco molda-se ao medo de que estas catástrofes venham realmente a ocorrer.
No texto, os riscos da modernidade que ele aborda são problemas nucleares com usinas nucleares, com usinas termoelétricas, os pesticidas utilizados nas lavouras, os gases tóxicos (como CFC, Dióxido de Carbono, DDT, etc.) que são emitidos pelas indústrias e pelos carros.
Ele menciona que as mulheres estão contaminadas com DDT e que passam isso aos seus filhos durante a amamentação. Conta que também encontraram toxinas no organismo de pingüins. As florestas estão sendo devastadas na Escandinávia, lugar onde o senso de proteção à natureza é forte e eles controlam a quantidade de contaminantes que eles produzem, todavia não podem controlar o que outros países produzem.
Todas as pessoas que ele cita no texto são alemães, bem como lugares que ele cita. Lugares (em termo de solo e regiões que eram próprias para a plantação) na Alemanha que estão totalmente improdutivos e intoxicados.
Os perigos que atingiam a sociedade e tirava-lhe o sono eram assuntos como: fome, miséria social, desgraça, falta de saúde e saneamento básico. Problemas estes que saltavam-nos aos olhos. Hoje o medo de problemas como o de Shernobiu, na Ucrânia; a devastação da Floresta Amazônica, no Brasil; os piratas da Somália, na Somália e costa leste da África, Guerras onde nas quais se podem usar armas nucleares, bacteriológicas ou químicas. O medo da destruição da camada de ozônio e do aquecimento global é que tiram o sono da sociedade do risco.
Sociedade esta que quanto mais instruída mais tem consciência desses riscos. Pois para os países em desenvolvimento ainda lhes é latente a mentalidade da sociedade que antecede a sociedade do risco: Eles querem desenvolver-se e com isso as indústrias vão até eles, mesmo sabendo do que são capazes de produzir, e lhes proporcionam a vantagem de também darem a sua parcela de destruição e de riscos para essa nova sociedade.
A consciência dos riscos surge quando pessoas sentem os problemas que esses riscos podem acometer-lhes. Assim essas pessoas, que podem compartilhar do mesmo espaço social e físico ou não, se unem sob um mesmo objetivo: Combater e denunciar os riscos e os problemas que os males advindos da nossa globalização e nossas evolução técnico-industrial. Mesmo que os cientistas e os especialistas digam que tais males não hão de nos acometer, essas afirmações começam a tornarem-se infundadas ante o contingente de problemas e denuncias que vão se apresentando. Essa revelação dos problemas causa uma angústia às autoridades competentes, como governos, que continuam dando autorização para que se produzam pesticidas e adubos que serão utilizados no cultivo e produção de lavouras no mundo inteiro e rações duvidosas que serão dadas aos animais, cevando-os para que pronto estejam disponíveis ao abate. Todas essas toxinas voltam para nos e os cientistas, com toda a sua ciência, não fazem a mínima idéia de como ou quão mal essas coisas podem nos fazer.
São nesses alicerces que se erguem à lógica da sociedade do risco. No medo do mal que podemos fazer (e que estamos fazendo) ao planeta e a nos mesmos.