Dez Primeiros Colocados no "Prêmio Literário Valdeck Almeida de Jesus de Poesia"
Retrato urbano (Nota: 9,8 pg.78)
(Fernando Paganatto)
(como em uma antiga foto, que envelhece no viajar dos ventos)
O espaço parou-se.
Fica o movimento, ageográfico,
de pistão pra pistão, de pistão pra pistão,
dos motores a combustão.
A árvore, como um funcionário público,
estupefata com seu inindagante ofício de fotossintetizar os milissegundos
de vida perdida.
Conto (– Um.)
(– Dois.)
(– Três) carros. Enfileirados. Parados.
Enquanto um senhor espicha o pescoço e faz careta e depois coça a barba e então cutuca a orelha,
dá a ré, de materiais de construção, um caminhão.
E uma ambulância,
crítica, vilipendia a calmaria lírica.
Revolucionária, ao seu modo,
passa à frente da idosa ao portão (não é a vez dela).
Hoje, ela só espera o carro do gás.
Fernando Paganatto, paulistano, é graduando em Ciências Sociais da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP). Poeta, com textos publicados em diversos sítios da internet e em algumas antologias. Colunista do portal nipo-brasileiro 40graus.com.
Deslembrança (Nota: 9,7 pg. 58)
(Edson Augusto Alves)
Escoo-me,
escorrego para o ralo,
vazo por rachaduras no chão.
Sou agora barro, escarro,
sangue, pus, putrefação.
Exalo odores,
fétida fumaça de podridão,
misturando-me a vapores,
a perfumes de flores;
sou carne em decomposição.
Sou tragado,
aspirado,
expelido em difusão.
Estou por todos os lados,
ignorante ao asco da tua percepção.
Evaporo-me,
consciente da minha dissolução,
carbônico, perdido,
perguntando-me não ter eu sido
fruto da minha própria imaginação.
Edson Augusto Alves sempre gostou de poesia: de Machado de Assis a Carlos Drummond, de Luís Fernando Veríssimo a Augusto dos Anjos. Em 2006, foi classificado em primeiro lugar, com a poesia "A Espera", no V Concurso Municipal de Poesias Tereza Maria Valques Carvalho de Faria, e finalista no ano seguinte. Em 2008, participou do livro "Horizonte Noturno" e “Antologia Online de Poetas Brasileiros Contemporâneos - Vol. 43”.
Dois = Um (Nota: 9,6 pg. 17)
(André Sesti Diefenbach)
Um misto de poema e teorema
onde o exato se mistura ao abstrato,
flores e espinhos em um só caminho,
a caricatura e o retrato.
Algo entre a loucura e a lucidez
o sol e a chuva, a abelha e a uva,
sem distinção entre o certo e o errado,
só eu e você lado a lado.
A vida e a morte, o azar e a sorte
solidão e companhia, uma só fantasia,
ilusão, realidade, a tristeza e a felicidade,
complicação na simplicidade.
O amor e o ódio, o açúcar e o sódio,
os opostos reunidos, aventurados sofridos,
o feio que é belo, um casebre, um castelo,
cinzas com tons de amarelo.
A água e o fogo, o céu e a terra,
a paz onde sempre houve a guerra,
a luz que se equilibra com a escuridão,
razão e emoção, só uma equação.
André Sesti Diefenbach, nascido em Porto Alegre-RS, em 27 de novembro de 1972, graduou-se em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUC, em 1994. Exerceu a profissão de advogado até 1999, quando ingressou na carreira de Delegado de Polícia, no Estado do Rio Grande do Sul, recebendo, no ano de 2008, o troféu Compositor Destaque da Rádio Butuí FM, de São Borja-RS, pela música “De tudo”.
Homem na Caixa (Nota: 9,5 pg.65)
(Emerson Antonio Miguel)
Homem na caixa:
Infinito limite, alma das pedras,
homem-sem-cheiro, homem-sem-sangue.
Homem na caixa:
Geométrico flanco, vida concreta,
visão perfeita, perfeição em forma:
homem na caixa.
O homem na caixa é fugaz.
O homem na caixa evapora.
Mas há sempre um homem na caixa.
E há quem diga que o homem na caixa é livre
mas o homem na caixa quer sair
quer ser louco
quer seguir a estrada que vai dar no Nada
quer cuspir nos pais
quer beber o mar
quer ser órfão do Tempo
quer esquecer o nome
e não ser mais...
homem
na caixa.
Emerson Antonio Miguel nasceu em Álvares Florence-SP em 20 de dezembro de 1979. Graduado em Letras pela Universidade Estadual Paulista (UNESP) de São José do Rio Preto, em 2003. É professor de Língua Portuguesa e Literatura na rede estadual paulista desde 2004.
Porta (Nota: 9,4 pg. 98)
(Heric Steinle)
E agora essa porta
Ela não tem chave a ser procurada
Não tem fechadura, não é pintada
Nem sequer um trinco para ser arrombada
Olhando ao nível do chão
Essa porta não forma um vão
Por onde pudesse uma claridade escapar
Não tem altura adequada
Largura planejada
Muito menos dá para se deduzir sua espessura
Ou se há algo que lhe empreste a textura
Não é para o ouvido encostar
Nem chamar atenção a uma batida de mão
Não é saída
Não é entrada
Também não é para ser atravessada
E do outro lado não tem gente
Dobradiça ou batente
Ela não espera alguém diante dela
Parado
Não é de correr
Não pode emperrar
Não oferece distância para poder ser derrubada
Essa porta
Provavelmente
Não leva a nada
Heric Steinle é paulistano, 32 anos, redator publicitário. Cursou Jornalismo na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Atua na DMV Comunicações desde abril de 2008, tendo passado por agências como Ogilvy One, Touché, Le Pera e Agilità.
Pontuação (Nota: 9,3 pg. 146)
(Luís Fernando Amâncio Santos)
???
!!!
...
Deitado na cama, ouço morcegos voando pela janela.
Reflexos de uma Lua Cheia [que não vejo] estouram por todos os lados.
Sob as estrelas, luzes vagantes por séculos no espaço, eu penso:
“Valem a pena tantas exclamações, reticências e interrogações, enquanto esperamos nosso absoluto ponto final?”
.
Luís Fernando Amâncio Santos nasceu em Três Corações-MG, no dia 13 de julho de 1986. Ali desenvolveu seu interesse por literatura, como leitor e escritor. Desde os dez anos, passou a participar de todas as edições do Concurso de Contos Godofredo Rangel, e foi premiado em todas as suas participações. Atualmente, mora em Belo Horizonte, onde cursa História, na Universidade Federal de Minas Gerais. Nas horas vagas, mantém o blog World Wide Suicide (www.wwsuicide.uniblog.com.br).
Antiépico (Nota: 9,2 pg. 221)
(Tatiana Alves)
As armas e os barões assinalados
Já foram tão cantados na epopéia
Que ao cruzar esses mares navegados
Não me acorre nenhuma nova idéia
Não possuo, ó ilustre e bom Camões,
Tua Calíope a inspirar-te a bela pena
Mea culpa, pôr a mão onde tu pões
Desejando que a musa entre em cena
Perdoa-me, ó poeta, a pretensão
De trilhar-te os caminhos primorosos
Já que vivo em um mundo em mutação
Em que os feitos nada têm de gloriosos
Não mais, poeta, não mais
Já que a musa é há muito prostituta
Naufragando, em oceanos de jamais,
Eu resisto, e o poema vai à luta
Tatiana Alves Soares Caldas é poeta, contista e ensaísta. Participou de diversos concursos literários, tendo obtido mais de cem prêmios. Publicou, em 2005, o livro “O Legado de Cronos” (contos); em 2006, “O segredo da caixa”, em colaboração com o grupo Encantadores de Histórias, em concurso promovido pelo Tribunal de Justiça de Minas Gerais, e, em 2008, o livro “D'Além-mar: estudos de Literatura Portuguesa” (crítica literária). É doutora em Letras e leciona Literatura em três universidades.
Esquina (Nota: 9,1 pg.232)
(Vanessa Ratton)
A menina se pintou de moça.
Foi ser estrela na esquina.
Caiu do salto e, num tropeço,
beijou o asfalto pelo avesso.
Vendeu seu corpo por pedaços.
Quem dá mais?
Vem que eu dou um abraço!
Paga bem que eu vou além...
Ela queria ser bailarina.
Ter tudo que a moça da TV tem.
Terminou num ponto de esquina.
Que pena meu bem!
Vanessa Campos Ratton Ferreira é jornalista, atriz, poetisa, professora universitária e mestre em Comunicação e Semiótica.
Soneto para um velho do mar ( Nota: 9,0 pg. 119)
(José Maciel Neto)
A tarde cai num purpúreo suntuoso,
No ar salgado e sutil, eterna aragem.
E as gaivotas, voo perfeito em homenagem
Ao mar que lambe a areia, majestoso.
Um velho embarca em sua jangada mui cioso,
Gestual lento, na cabeça uma pelagem
Encanecida e nas lembranças a miragem
Dos tempos idos no semblante desgostoso.
Fitando a areia que de tão alva doía
O olhar perdido do velho que queria
O fim mais doce quando a vida vai ao léu.
Somente a morte ele velava com ternura,
Nos vagalhões do mar a sepultura
E nas fendas abissais seu mausoléu.
José Maciel Neto é publicitário e escritor, mora e trabalha em Salvador. Participou do Concurso Literário Bahia de Todas as Letras, patrocinado pela Universidade Estadual de Santa Cruz e Via Litterarum Editora, onde obteve o primeiro lugar com o conto “Safira”, publicado no livro “Antologia 2006/2007”.
Cortesã homossexual (Nota: 8,2 pg.198)
(Robson Gomes de Brito)
Crepitando em gloss
Escorrendo em Chanel n° 5
Eles aguçam os sentidos
Flertam-me com os olhos
Por cima dos óculos
Ou a olhos nus
Indecisos em meus olhares difusos
Jogam-me sobre a mesa
E no botequim me amam
Em brancas fumaças
Odores sabores licor
Meu corpo em chocolate
Derrete desejos
Desperta anseio
Eu como domadora cortesã
Despejo todo o meu desdém
A servos tão prontos
Ao covil do leito
Inepto da homossexualidade.
Robson Gomes de Brito é escritor amador de poemas e contos. Concluiu a faculdade de Jornalismo, mas não atua na área. Faz parte de comunidades de poesias e contos via internet. Morador da Zona sul de São Paulo, escreve o cotidiano sob sua ótica, fugindo das formas acadêmicas e buscando colocar o sentimento através das palavras sem as formas pré-determinadas e já existentes.