REFLEXÕES LITERÁRIAS - MANOEL DE BARROS

Manoel de Barros é um poeta cujo pensamento está milagrosamente torto. Qualquer grande obra de arte apresenta esta distorção profilática que a diferencia de todas as outras variações de discursos eficientes. Forma e vazio se irmanam em seus poemas roçando o inominável através da indigência da linguagem.

O termo poesia diz na sua raiz de um fazer criativo.

Em Manoel de Barros tudo é falado, mas nada é dito. O sentido e o não sentido caminham muito próximos um do outro chacoalhando de forma radical a percepção que se tem das coisas. O olho vê as escuridões nas quais nada é o que é e muito menos o que poderia ser. Estamos aí onde o atopos ressoa no interior de nossas almas, onde a linguagem cessa e nos vemos como que lançados para fora de nós mesmos. Algo nos fala diretamente às vísceras e aos sentidos sem a mediação sufocante da lógica.

O abjeto, a insignificância das coisas que se apresentam como tais é, em seus poemas, não um objeto temático, mas uma manifestação de intensa falibilidade, de uma vacuidade extremada,deste sentir o nada a invadir o espírito em crescente desespero. As imagens em Manoel de Barros não remetem à designação das coisas. Elas são a própria coisa que se desconhece nesta estranha familiaridade, neste desejo de impossível que faz com que o desrazoável possa emergir infinitamente do outro lado do espelho. Não há igualdade possível entre o que se vê e o que se diz e isto é violentamente percebido nesta obra.

Este fala-se aqui corre para todos os lados, arranha as limitações inerentes ao vernáculo, destrona a erudição e paradoxalmente diviniza-a quando a situa ao lado de coloquialismos imprevistos. Novas palavras são inventadas e muito mais do que isto, novos gestos perceptivos nos convidam a abandonar, mesmo que por alguns instantes apenas, o aprisionamento repetitivo ao qual nossa mente está sujeita.

As sensações estalam em nossas almas e só depois somos capazes de racionalizar este arrebatamento que nos sobrevém como profundo vibrante abismar-se. Tudo aqui se contradiz ao mesmo tempo em que se afirma como tal. Tudo é indefinidamente tudo repleto de si mesmo. A imagem de um copo vazio em sua mudez poética. Estas sensações que adentram o espírito como um susto.

Mais do que uma transgressão, um ver através, um eu errante por onde deslizam possibilidades que apontam para um futuro em termos de produção literária:

Como o som de apenas uma mão que bate palmas.