Se Deus está morto, tudo posso...
A cegueira é um mundo de escuridão. Disso (acho) todos têm certeza. Mas, se o escuro total configura como falta de visão, o que dizer se, no lugar do “tudo preto”, víssemos tudo branco? Ou tudo vermelho? Ou tudo azul? Alguém enxergaria algo, a não ser a parede de cor única à sua frente?
Pois essa é uma das (dentre as inúmeras) reflexões que podemos fazer depois de nos depararmos com a “cegueira branca” presente na obra “Ensaio sobre a cegueira”, do escritor português José Saramago. Li o livro há bastante tempo. E, na época, a obra de Saramago pareceu-me ser algo impossível de ser adaptado ao cinema.
Pois me enganei redondamente. Vi, nesse fim de semana, o filme dirigido pelo brasileiro Fernando Meireles e, diferentemente de muitas críticas negativas que li por aí, achei a adaptação da obra do mestre português, maravilhosa. Claro que, para quem não leu o livro e não sabe do que se trata a história, envolver-se com o enredo é meio complicado, às vezes angustiante. Mas, para quem leu, é exatamente o contrário: a gente começa a se envolver desde o início, e mesmo a angústia que em alguns momentos toma conta do espectador, acaba por mostrar que o trabalho de Meireles foi extremamente bem construído.
O filme, assim como o livro, nos coloca diante de nós mesmos (e quando nos colocamos diante da própria imagem, sem máscaras, isso pode ser angustiante mesmo). Nesse filme, o ser humano é desnudado, colocado em situações-limite. Elementos como a covardia, o preconceito, as disputas pelo poder e o desmoronamento total de uma sociedade que de repente deixa de ser “civilizada”... são, nada mais, nada menos, que o espelho de uma comunidade sem lei. O caos toma conta do lugar. E todos nós sabemos que, diante do caos e da idéia de que não há alguém que “olhe verdadeiramente” por nós (não há quem olha, nem quem é olhado), tudo pode acontecer...
É meio como “se Deus está morto, tudo me é permitido”... frase atribuída a Nietzsche e, muitas vezes, reducionada a outra frase facultada ao personagem Ivan Karamazov, de Dostoiévski.
E, sinceramente? Acho que essa é a explicação do mundo em que vivemos. Quem é que vê, de verdade, o que acontece em nosso cotidiano? Quem é que se preocupa? Ou, se preocupa, faz alguma coisa? Às vezes penso que vivemos numa cegueira total, dessas mesmo de uma cor só. E aí, cada um escolhe a cor que quer enxergar.
Seja numa cegueira branca, preta, azul, amarela... O que impera em nosso cotidiano é o que advém da cegueira. E isso, infelizmente como no filme (ou no livro), é um vírus contagiante, e sem solução...
Ah! E antes que me esqueça (ou pareça omissa e até injusta) o responsável pela adaptação do livro é o roteirista canadense Don Mckellar.
Bom, é isso.
(Adriana Luz)
A cegueira é um mundo de escuridão. Disso (acho) todos têm certeza. Mas, se o escuro total configura como falta de visão, o que dizer se, no lugar do “tudo preto”, víssemos tudo branco? Ou tudo vermelho? Ou tudo azul? Alguém enxergaria algo, a não ser a parede de cor única à sua frente?
Pois essa é uma das (dentre as inúmeras) reflexões que podemos fazer depois de nos depararmos com a “cegueira branca” presente na obra “Ensaio sobre a cegueira”, do escritor português José Saramago. Li o livro há bastante tempo. E, na época, a obra de Saramago pareceu-me ser algo impossível de ser adaptado ao cinema.
Pois me enganei redondamente. Vi, nesse fim de semana, o filme dirigido pelo brasileiro Fernando Meireles e, diferentemente de muitas críticas negativas que li por aí, achei a adaptação da obra do mestre português, maravilhosa. Claro que, para quem não leu o livro e não sabe do que se trata a história, envolver-se com o enredo é meio complicado, às vezes angustiante. Mas, para quem leu, é exatamente o contrário: a gente começa a se envolver desde o início, e mesmo a angústia que em alguns momentos toma conta do espectador, acaba por mostrar que o trabalho de Meireles foi extremamente bem construído.
O filme, assim como o livro, nos coloca diante de nós mesmos (e quando nos colocamos diante da própria imagem, sem máscaras, isso pode ser angustiante mesmo). Nesse filme, o ser humano é desnudado, colocado em situações-limite. Elementos como a covardia, o preconceito, as disputas pelo poder e o desmoronamento total de uma sociedade que de repente deixa de ser “civilizada”... são, nada mais, nada menos, que o espelho de uma comunidade sem lei. O caos toma conta do lugar. E todos nós sabemos que, diante do caos e da idéia de que não há alguém que “olhe verdadeiramente” por nós (não há quem olha, nem quem é olhado), tudo pode acontecer...
É meio como “se Deus está morto, tudo me é permitido”... frase atribuída a Nietzsche e, muitas vezes, reducionada a outra frase facultada ao personagem Ivan Karamazov, de Dostoiévski.
E, sinceramente? Acho que essa é a explicação do mundo em que vivemos. Quem é que vê, de verdade, o que acontece em nosso cotidiano? Quem é que se preocupa? Ou, se preocupa, faz alguma coisa? Às vezes penso que vivemos numa cegueira total, dessas mesmo de uma cor só. E aí, cada um escolhe a cor que quer enxergar.
Seja numa cegueira branca, preta, azul, amarela... O que impera em nosso cotidiano é o que advém da cegueira. E isso, infelizmente como no filme (ou no livro), é um vírus contagiante, e sem solução...
Ah! E antes que me esqueça (ou pareça omissa e até injusta) o responsável pela adaptação do livro é o roteirista canadense Don Mckellar.
Bom, é isso.
(Adriana Luz)