Literatura gay para todos
O maior problema dos escritores gays é que eles não são escritores. Longe de ser um problema exclusivo dos escritores homossexuais, é algo que atinge a todos os segmentos da literatura contemporânea. São pessoas que tentam usar a escrita para extravasar sentimentos reprimidos com histórias baseadas em passagens reais de suas vidas. Geralmente, de vidas medíocres. Ou também, no caso homossexual, são ativistas que levantam a bandeira gay tentando chocar o máximo de leitores focalizando descrições de relações sexuais, na maioria das vezes, vulgares. Mas existem pérolas no meio do lodo. São os que escrevem histórias em que o destaque não está na relação homoafetiva, apesar dela aparecer e ser importante para a trama. Estes escritores vêm conseguindo criar uma literatura universal, que agrada a todos independente da opção sexual e, ao mesmo tempo, divulgar sutil e artísticamente as suas preferências sexuais.
Recentemente, Sarah Waters (1966-), novelista inglesa, foi apontada pela revista literária Granta como "The Writter of the Year", uma das revelações da literatura britânica atual. Sara começou a escrever logo depois de defender a sua tese de PhD em literatura “Wolfskins and togas: lesbian and gay historical fictions, 1870 to the present”. Ali, ela colheria o material para a maioria de seus romances, que envolvem relações lésbicas na Londres do século XIX. E Waters sabe caracterizar como ninguém os seus personagens dentro da era vitoriana, tornando-os bastante verossímeis: são ladrões e golpistas que aplicam desfalques financeiros; ou pessoas com traumas de infância por causa de mães enforcadas ou internadas em manicômios; ou inocentes o suficiente para acreditarem em logros que enganavam não só os daquela época, mas muitos hoje em dia. E a grande maravilha é que o leitor é o principal ludibriado nessa história toda, pois nada do que inicialmente vê nas histórias de Waters é o que realmente é. Tudo o que um bom suspense policial precisa.
Na Ponta dos Dedos (RECORD, 2005) traz a história de duas órfãs, Susan e Maud, uma pobre e outra rica, cada uma com os problemas concernentes às suas condições social e feminina, e que cruzam as suas vidas por causa de uma trapaça financeira. O texto hábil alterna o papel de narradora entre as duas mulheres, mostrando genialmente os lados diferentes da mesma trama. Affinity (não disponível em português) conta a história de Margaret Prior, uma jovem da era vitoriana, que após a morte do pai é pressionada pela família a casar-se com um homem a quem não ama. Quando começa a trabalhar em uma instituição presidiária feminina como "Visitadora", conhece Selina Dawes, uma jovem médium que afirma ser inocente, e que muda radicalmente a vida de Margaret, tanto espiritual quanto sexualmente.
No Brasil, Santiago Nazarian vem se destacando no mesmo estilo que Waters, porém no homossexualismo masculino. As suas histórias abordam temas como suicídio, loucura e fábulas com animais, e apresentando a opção sexual homoafetiva sutilmente, de modo a não afastar o leitor mais conservador. Antes, consegue tornar a sua escrita sensível, agradável e instigante a todas as classes de pessoas.
O interessante é que, em muitos lugares, a literatura de Waters não é catalogada principalmente como gay, mas como suspense policial. Isto porque ela usa as relações sexuais como parte da trama e não como foco. E escreve de tal forma que a história não seria possível acontecer sem o relacionamento lésbico. Por exemplo: não seria possível um homem entrar em um presídio feminino inglês do século XIX para ensinar as detentas, ou participar de um golpe financeiro se tornando aia e melhor amiga da vítima.
Em seu último trabalho, Ronda Noturna (RECORD, 2007), que levou quatro anos para ser escrito - talvez por ser o primeiro a se deslocar da era vitoriana para a Segunda Guerra Mundial - traz desta vez quatro personagens femininas como protagonistas. Apesar do livro Tipping the Velvet ainda não ter sido publicado no Brasil, a série adaptada pela BBC foi exibida pela GNT com o nome de Amor na Ponta da Língua. A minisérie de dois capítulos, também produzida pela BBC, adaptada de Fingersmith e com o nome no Brasil de Falsas Aparências ainda é inédita na tevê brasileira. Já Affinity foi lançado como filme em 2008 e breve deve estar nas locadoras. As adaptações cinematográficas dos livros são encontradas na internet. Se você curte literatura lésbica, leia Sarah Waters. Se curte suspense policial, leia também. E se gosta de histórias escritas com primor, não deixe de ler. Qualquer que seja o caso, você sairá plenamente satisfeito como leitor ou telespectador.
Os livros de Waters publicados até agora foram (os lançados no Brasil aparecem com o título em português):
* Tipping the Velvet – 1998
* Affinity – 1999
* Na Ponta dos Dedos (Fingersmith – 2002)
* Ronda Noturna (The Night Watch – 2006)