O homem e seus excessos: Catarses do novo milênio
As análises sobre o fenômeno de cyborgização, simbiose entre conceitos sobre sociedade e tecnologia, vêem o ser humano como um ser que possui um corpo físico, mas ao mesmo tempo técnico, no sentido ser tecno+ logia¹ .
Dentro da perspectiva de que o arco e a flecha estão presentes na transformação do homem pré- histórico, o primitivo de Cyborg² , também as idéias, máquinas e todo este corpo que se funde cada vez mais ao inorgânico (inerte) ultrapassa e redelimita as fronteiras espaciais, raciais e étnicas. Este cyborg, então, configura-se como sistema alternativo, pois sua virtualidade recompõe os contornos, as identidades e os posicionamentos de uma civilização ocidental, apegada aos dualismos freqüentes.
Ao confundir e recriar homem e máquina, a cybercultura recria ou dá espaço para seres “híbridos”, seres polimorfos civilizados, “derretendo” estruturas totalizadoras e dualistas de comunicação em dias atuais. Perde lugar o maniqueísmo filosófico que condiciona em direção ao bem ou mal, certo e errado, redelimitando, assim, os contornos de todo um pensamento clássico.
Eles, ou na verdade nós, os minotauros da pós-modernidade, dão autonomia às identidades cyborg. Identidades multifacetadas, capazes de controlar tempo e espaços ao desafiar as realidades materiais e físicas do corpo.
Dentro dos caminhos e descaminhos da cyborgização cultural, que passa por todos os possíveis aspectos humanos, principalmente ao que diz respeito à técnica³ , a cyborgização é mais uma tentativa de ultrapassar e suplantar o homem natural. É o mesmo homem nos caminhos que o levam à construção de novas ordens artificiais.
Penetramos em estágios cada vez mais excessivos de embriaguez social, de comunicação, de prazer, de sistemas de organização e desorganização. Por sua vez, eles alteram a todo o tempo os padrões de convivência em uma cybercultura.
Diante do dispositivo de comunicação “de todos para todos”, que desde já demonstra suas possibilidades e dinamismos, é possível não apenas transformar a mensagem, cada vez mais corrente, acessível e sim o sujeito, tornando-o multiespacial, cada vez mais ordinário, habitual e freqüente, tanto quanto à mensagem.
Neste ambiente, podemos perceber o corpo deste sujeito como um grande hipertexto. Ele é na verdade conjunto de informações mútuas, intercambiáveis e espaciais. Possui linguagem própria e flutuante.
As identidades, corpos e universos cyborgs representam, por sua vez, os simbolismos mais profundos da identidade humana, na medida em que legitimam as catarses da nossa própria evolução. Essas identidades implementam uma profusão, amálgama entre o que é corpo e humano à materialidade do eletrônico e da máquina, nascendo justamente dos paradigmas do homem científico-informação-biológico.
A possibilidade de purificação, que identificamos como catártica é demonstrada na medida em que a simbiose oferece a transposição dos limites e dos paradigmas, a reestruturação, o renascimento, a nova proposta.
Neste universo simbólico, construído a partir da perspectiva deste homem e suas novas linguagens e técnicas, é que identificamos o desbravador, o Herói, o mito daquele que caminha em busca do desconhecido, das fronteiras intransponíveis e da aventura.
Assim como as narrativas do mito, a natureza humana tende a não se encerrar e estabelecer movimentos contínuos e intermitentes com suas tecnologias e sistemas, sejam eles de qualquer época.
Nisto, temos a cultura e o homem como um grande amálgama. São modificados e modificam os seus contextos, não existindo de forma independente.
Como afirmou o grande antropólogo Clifford Geertz, a cultura não foi acrescentada a um animal acabado, mas um ingrediente essencial na sua produção. Os seres humanos são, portanto, animais incompletos e inacabados, se completam e acabam através da cultura. Os paradigmas que envolvem a construção de suas identidades e tecnologias acompanham e participam dos simbolismos mais profundos da sua existência em eternos recomeços.
1-A tecnologia, pensada como destruidora de toda e qualquer singularidade, transforma-se no seu oposto: ela potencializa singularidades ordinárias. É essa frivolidade ordinária que constitui, de forma indiscutível, a singularidade contemporânea. (Citação retirada do artigo entitulado A Cibercultura no Brasil. Comunicação e Sociabilidade Contemporânea", em realização no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea da Faculdade de Comunicação da UFBA, com o apoio do CNPq, disponível http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/intro.html)
2-O cyborg simboliza todo o processo simbiótico no qual vive a cultura contemporânea com o advento das tecnologias do virtual. (Texto retirado do artigo entitulado A Cibercultura no Brasil. Comunicação e Sociabilidade Contemporânea", em realização no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea da Faculdade de Comunicação da UFBA, com o apoio do CNPq, disponível http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/intro.html)
3-O fenômeno técnico aparece como uma solução para a relação entre a matéria viva (orgânica) e a matéria inerte (inorgânica), constituindo-se como "matéria inorgânica organizada". Como a técnica está presente no surgimento do homem e da linguagem, toda atividade técnica é uma atividade simbólica.
(Citação retirada do artigo entitulado A Cibercultura no Brasil. Comunicação e Sociabilidade Contemporânea", em realização no Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporânea da Faculdade de Comunicação da UFBA, com o apoio do CNPq, disponível http://www.facom.ufba.br/pesq/cyber/lemos/intro.html)